Acórdão nº 5704/22.4T8VNG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução22 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... (Juiz 6), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que, em conhecimento superveniente do concurso, lhe aplicou duas penas únicas: a) Uma pena de oito anos e dois meses de prisão, em realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 151/13.1..., 60/06.0... e 1562/11.2...; b) Uma pena de catorze anos de prisão, em realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5...

2.

Discordando da medida das penas, que pretende ver reduzidas, apresenta motivação de recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «I. O presente recurso é delimitado à forma de realização do cúmulo jurídico, designadamente quanto às penas parcelares a incluir em cada bloco de cúmulo jurídico a realizar pelo Tribunal e qual o número de blocos de cúmulo jurídico a realizar pelo Tribunal e também às medidas das penas unitárias fixadas em ambos os cúmulos jurídicos realizados no acórdão recorrido (8 anos e 2 meses de prisão e 14 anos de prisão, num total de 22 anos e 2 meses de prisão), que o recorrente considera excessivas; II. Entende o Recorrente que deve ser fixado como momento relevante para se saber quais as decisões a incluir em cada bloco de cúmulo o momento da primeira condenação, que entretanto transitou em julgado.

  1. Este entendimento leva à circunstância de ser criado um bloco com duas penas de 12 meses, uma delas já suspensa, que poderia fixar ele próprio numa pena única suspensa na sua execução.

  2. Os crimes objecto das condenações são maioritariamente crimes contra o património e contra a tutela da confiança, sendo que apenas numa circunstância o arguido cometeu crimes de roubo e sob a forma de ameaça de um mal, sem efectiva violência física perpetrada.

  3. Nenhuma violência efectiva foi praticada pelo arguido.

  4. Ao fixar dois (ou mais) blocos de cúmulos jurídicos não pode o Tribunal ignorar que os mesmos são de cumprimento sucessivo e que a ressocialização é naturalmente afectada por esse obrigatório cumprimento sucessivo que será necessariamente longo, mesmo que substancialmente inferior aos 22 anos e 2 meses de prisão que resultam do acórdão recorrido.

  5. não pode o julgador que aplica em simultâneo, no mesmo aresto, deixar de conhecer as circunstâncias em que ambas as penas de cumprimento sucessivo que aplica serão cumpridas, e qual o cômputo global da respectiva soma, uma vez que tal releva para efeitos da prevenção especial.

  6. A situação pessoal do arguido evoluiu consideravelmente desde que este Tribunal proferiu acórdão no processo n.º 1032/15.0... e tem neste momento mais circunstâncias que abonam a favor do arguido.

  7. Resulta da matéria de facto do acórdão recorrido que o Recorrente encontra-se adaptado ao sistema prisional e é cumpridor das respectivas regras, não tem averbado qualquer registo disciplinar nos últimos cinco anos e demonstra bom comportamento, não revela problemática aditiva, está a trabalhar, tem apoio e suporte familiar, em meio prisional é perceptível um sentido crescente de responsabilidade, revela evolução ao nível da auto-crítica e assume as práticas criminais que adoptou.

  8. Nos presentes autos, julgados em último lugar, o Tribunal aplicou uma pena suspensa na sua execução, em virtude de o arguido ter manifestado arrependimento sincero e reconhecido o desvalor da sua conduta.

  9. Tal permite-nos concluir que o período de reclusão está a contribuir para a reeducação e ressociabilização do arguido e que estas não carecem e mais que isso, não beneficiarão com um período de reclusão que se venha a mostrar excessivamente longo.

  10. Não se pode deixar de considerar e conhecer que serão fixados blocos de cúmulo de cumprimento sucessivo e que este cumprimento será necessariamente longo.

  11. O Recorrente tinha 55 anos de idade quando começou a cumprir a primeira das três penas unitárias sucessivas e teria cerca de 78 anos de idade no final se fosse mantida a decisão recorrida.

  12. Por estas razões entende o Recorrente que as penas únicas de 8 anos e 2 meses de prisão e de 14 anos de prisão fixadas no acórdão ora recorrido são manifestamente excessivas e representam uma incorrecta aplicação das disposições conjugadas dos artigos 40.º, n.º 1, 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal.

  13. Entende o arguido que a pena única a fixar às penas parcelares que são objecto do primeiro bloco de cúmulo que inclui os processos 151/13.1..., 1562/11.2... e 60/06.0... não deve exceder 7 anos de prisão, a qual se entende adequada, permitindo assim ao recorrente uma verdadeira ressocialização, a qual é o fim último da pena.

  14. Entende o arguido que a pena única a fixar às penas parcelares que são objecto do segundo bloco de cúmulo que inclui os processos 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5... não deve exceder 9 anos de prisão, a qual se entende adequada, permitindo assim ao recorrente uma verdadeira ressocialização, a qual é o fim último da pena.

    Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com douto suprimento de V. Exas, deve revogar-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que condene o arguido em cúmulo em dois blocos de cúmulo, um não superior a 7 anos de prisão e outro não superior a 9 anos de prisão.» 3.

    O Ministério Público, pelo Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso, dizendo (transcrição parcial nas partes mais diretamente relevantes): «(…) Defende o recorrente que deveriam ser realizados três “blocos”, assim compostos, citamos: “- Um primeiro bloco apenas com o processo 60/06.0... (o que aliás é coincidente com todas as decisões interlocutórias dos demais processos do arguido, incluindo o do Tribunal de Execução de penas); - Um segundo bloco com as penas aplicadas nos processos 1562/11.2... e nestes autos 151/13.1...; - Um terceiro bloco com todas as demais penas parcelares aplicadas ao arguido.” Considera que esse formato traduziria um regime mais favorável para si, pois, antevê, a pena a única que resultasse do segundo bloco seria suscetível de suspensão da respetiva execução.

    Contudo, o alinhamento tripartido de “blocos” pressuporia que o momento temporal crucial para aferição de concurso superveniente coincidiria com a data de prolação da primeira das condenações e não com o trânsito em julgado da mesma.

    Precisamente sobre esta temática versou o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 9/2016, in DR·111 SÉRIE I de 2016-06-09, assim estabelecendo: “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”.

    Ora, como adiantamos na abertura deste escrito, o critério seguido a quo para indagar da relação concorrente de crimes incidiu, em estrita obediência ao decidido pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça, no trânsito em julgado da primitiva condenação.

    Materialmente, a composição dos processos incluídos em cada um dos blocos do cúmulo revela-se, destarte, absolutamente acertada.

    Por aqui se percebe que o primeiro argumento aventado pelo recorrente encontra-se votado ao insucesso.

    Viremos agora o foco para as penas fixadas.

    A determinação da medida da pena conjunta será encontrada apelando, não apenas aos critérios gerais da culpa e da prevenção, inscritas no art. 71.º do CP, mas, outrossim, atendendo ao critério especial decorrente do art. 77.º/1, in fine, maxime, a consideração conjunta dos factos e personalidade do agente.

    Nas palavras de Figueiredo Dias, “Tudo deve passar-se, por conseguinte como o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na sua personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” – a., ob. cit. § 421.

    De acordo com o art. 77.º/2 do CP as margens penais do concurso “ tem por limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas”.

    Significativamente, à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente.

    Na situação concreta, a moldura abstrata do primeiro “bloco” de processos em relação superveniente, apresenta, como limite mínimo, quatro anos e, como limite máximo, dezasseis anos e seis meses anos de prisão, daí resultando a pena única de oito anos e dois meses decretada.

    Relativamente ao segundo “bloco” a moldura abstrata desenha-se entre os quatro anos e dez meses de prisão e os vinte e cincos anos - pois que, as somas das penas parcelares ultrapassassem este teto – encontrando-se a pena única de catorze anos de prisão.

    Eis os fundamentos apresentados pela instância: [transcrição] Associamo-nos, com a devia vénia, a este juízo, nada havendo, por despiciendo, a alterar ou aditar.

    Significativamente, as penas irrogadas, projetando-se no segundo terço das molduras construídas, por excesso não pecam, apresentando-se justas, adequadas e proporcionais, sendo confortavelmente suportadas pela culpa – cfr. art. 40º/1 e 2, 71º, 77º do CP e 18º/2 da CRP Em suma, o...

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