Acórdão nº 11293/19.0T8SNT-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1.

Administração Conjunta da AUGI Nossa Senhora dos Enfermos interpôs, no Tribunal de 1.ª Instância, o presente recurso extraordinário de revisão da decisão proferida por esse Tribunal a 15 de junho de 2021 e confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 21 de dezembro de 2021, já transitado em julgado. São Réus, na presente lide, AA e BB.

  1. Fundamentou o seu pedido de recurso extraordinário no art. 696.º, al. c), do CPC, pugnando pela revogação daquela decisão.

  2. O Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão indeferindo liminarmente o requerimento de interposição do recurso de revisão, para o que ora importa, nos seguintes termos: “Veio a exequente ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DA AUGI NOSSA SENHORA DOS ENFERMOS intentar contra AA e BB o presente RECURSO DE REVISÃO DE SENTENÇA, nos temos dos arts. 696.º, al. c) e 697.º do CPC e com os seguintes fundamentos: (…) Apreciando.

    Analisado o requerimento de interposição de recurso constata-se que o recorrente sustenta o mesmo na alínea c) do artigo 696.º do CPC, intuindo-se que os documentos a que o mesmo alude serão os constantes da certidão do processo 8240/20.0... que correu termos no Juízo de Execução do ..., em especial o Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2022, que concluiu que os documentos aí dados à execução constituíam título executivo, contrariamente ao que se decidiu na oposição à execução mediante embargos de executado apensa à execução de que dependem estes autos (apenso A) e acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que sobre aquela decisão recaiu.

    Ora, dispõe o artigo 627º do Novo Código de Processo Civil que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos (n.º 1), sendo que os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão (n.º 2).

    Sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispõe o art.º 696.º do Código de Processo Civil, no que ao caso dos autos concerne: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) (…) b) (…) c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

    A revisão de uma decisão transitada em julgado deverá ser algo de excecional, sendo que a regra é que o caso julgado, a bem da segurança jurídica, torne a decisão indiscutível. Estando-se perante um recurso que é extraordinário e que existe precisamente para que o caso julgado possa ser ultrapassado, as exigências para a admissão do mesmo têm de ser particularmente cuidadas, para que não se faça da exceção a regra – cf. Ac. Supremo Tribunal, de 8/6/2021, proc. 15/10.0... (citado no Ac. STJ, de 19.10.2022, relatado por Ramalho Pinto, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação seguiremos de perto na análise da questão sub judice).

    Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil – Almedina, 6.ª edição atualizada, pág. 559), na anotação à al. c) do art.º 696.º do Código de Processo Civil, afirma o seguinte: “A alínea c) integra um outro fundamento de revisão agora traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente”.

    A alínea c) do artº 696º do atual Código de Processo Civil tem a mesma redação da al. c) do artº 771º do anterior Código de Processo Civil, não podendo entender-se que aquela veio englobar a situação prevista na alínea g) do mesmo artigo anterior Código de Processo Civil. Esta al. g) previa como fundamento de recurso de revisão uma decisão transitada em julgado quando fosse contrária a outra que constituísse caso julgado para as partes, formado anteriormente, sendo que o Código de Processo Civil atualmente vigente não prevê tal situação.

    Sem prejuízo, dir-se-á que nos termos do artigo 362.º do Código Civil (CC) “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.” In casu, a recorrente não juntou documento definido nos termos do citado artigo 362.º do CC, mas certidão do Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2022 que recaiu sobre Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora que confirmou a decisão proferida no processo 8240/20.0... que correu termos no Juízo de Execução do ... (Juiz ...).

    Atento o disposto no artigo 152.º, n.º 2, do CPC, “Diz-se «sentença» o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”.

    Com a entrada em vigor do NCPC, o artigo 152.º, n.º 2, deve ser conjugado com o artigo 607.º que materializou alterações respeitantes à “sentença”, como ato que, após a audiência final, congrega tanto a decisão da matéria de facto, como a respetiva integração jurídica, por comparação com o que anteriormente emergia dos artigos 653º (decisão da matéria de facto) e 659º (sentença).

    Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 319, em anotação ao artigo 362.º do CC, escrevem: “A noção de documento do artigo 2420.º do Código de 1867 é consideravelmente ampliada. Além dos escritos a que esse preceito se refere, são ainda documentos uma fotografia, um disco gramofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc. (cfr. art. 368.º).

    Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objeto. Uma pedra, um ramo de árvore ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na aceção legal. Podem ter interesse para a instrução do processo, mas constituirão objeto de um outro tipo de prova (a prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis, por inspeção judicial, etc.).” Subscrevemos, assim, estas considerações, que vão de encontro à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça: “Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c) do C.P.C.” – sumário do Ac. de 14/01/2021, proc...

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