Acórdão nº 10416/18.0T8PRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA intentou ação declarativa de condenação, na forma comum, contra Banco Santander Totta, S.A.

, peticionando a condenação do Réu no pagamento da quantia de € 103 722,88 (cento e três mil, setecentos e vinte e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva civil, contados desde 9 de abril de 2015 e até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou a autora, em síntese, que: i) é cliente do banco réu e que, nessa qualidade, investiu parte dos seus activos na compra de uma obrigação, tendo liquidado a quantia de € 102 600,00, ii) o gestor do banco informou que se tratava de dívida do Novo Banco, S.A. e que seria este a reembolsar a autora na data do vencimento; iii) Contudo, o banco réu omitiu, deliberadamente, os riscos reais de tal operação financeira, ocultando a verdadeira natureza do produto que veio a ser adquirido pela autora, nomeadamente que a obrigação havia sido transmitida para o Novo Banco pelo Banco Espírito Santo, através da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014 e que havia a possibilidade de serem retransmitidas para o perímetro do BES, o que acabou por suceder, nos termos da medida de resolução conjugada com a deliberação de 29 de dezembro de 2015 do Banco de Portugal; iv) se a autora tivesse conhecimento da origem do produto adquirido nunca teria realizado o investimento supra mencionado.

Produzida a prova, foi proferida sentença que decidiu condenar o banco réu no pedido formulado pela autora.

Em sede de recurso de apelação foi proferido acórdão que revogou a decisão da 1.ª instância, julgando procedente a impugnação da matéria de facto e absolvendo o réu do pedido.

A Autora interpôs recurso de revista, na sequência do qual foi proferido acórdão que, no que aqui releva, determinou a baixa dos autos ao tribunal da Relação, com vista a expurgar a matéria de facto de contradições e incongruências e para ampliar a matéria de facto.

Nessa sequência, em cumprimento do determinado pelo STJ, o tribunal da Relação proferiu novo acórdão, julgando procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo o R. do pedido.

De novo inconformada, vem a Autora AA interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 01.

Após o Juízo Central Cível de ... (Juiz ...) ter proferido Sentença a 3/06/2019 que condenou o Réu no pedido, o Tribunal da Relação de Lisboa, alterando alguns pontos da matéria de facto, proferiu Acórdão de 6/02/2020 que revogou totalmente a Sentença de primeira instância – julgamento esse que foi anulado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021 que declarou a repristinação do ponto nº 25 dos factos provados e, anulado o julgamento, determinou “a baixa dos autos à Relação para providenciar quer pela eliminação das apontadas contradições quer pela indicada ampliação da matéria de facto”.

  1. Nesse seguimento, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o Acórdão datado de 25/02/2021 – como qual a impetrante não se conforma e dele recorre, identificando as seguintes três questões: • Do incorrecto cumprimento do ordenado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021, por excesso de pronúncia (o que torna a decisão recorrida nula, ex vie alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.) na eliminação das contradições evidenciadas; • Do incorrecto cumprimento do ordenado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021, por violação do princípio do dispositivo–tendooTribunal recorrido extravasado a latitude da impugnação impetrada pelo Réu na sua apelação (violação do art.º 5.º, alínea b) do n.º 2 do art.º 640.º e do n.º 1 do art.º 662.º do C.P.C.) na eliminação das contradições evidenciadas.

    • Da incorrecta aplicação do direito aos factos, devendo ser julgado procedente o pedido (independentemente da resposta que vier a recair sobre as duas questões precedentes); 03.

    Desde logo, entende a Recorrente que o Acórdão em revista fez um uso ilegal dos poderes de alteração da matéria de facto, impetrando que tal vício seja reconhecido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 674º do Código de Processo Civil.

  2. O Acórdão recorrido, ao proceder à alteração da matéria de facto, incorreu também em erro processual, violando os princípios do pedido, do dispositivo, do contraditório e da auto-responsabilização das partes, a par dos artigos 5.º, a alínea b) do n.º 2 do art.º 640.º e o n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil.

    VEJAMOS 05.

    O Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão proferido nos autos de 14/01/2021, anulou o julgamento da matéria de facto quantos aos pontos 24, 32, 33 e 34, determinando um segundo julgamento desses factos pelo Tribunal a quo, que fosse coerente com a matéria de facto adquirida no processo.

  3. Supostamente em cumprimento desta determinação, o Tribunal a quo proferiu acórdão em que mantendo os pontos de facto cujo julgamento havia sido anulado, entendeu (ter o poder de) proceder ao julgamento de outros pontos da matéria de facto com os quais a alteração então preconizada (e anulada) estava em contradição (em concreto: os pontos 13 18, 20 e 22 em confronto como facto 33; os pontos 12 e 19 face ao 34; a eliminação da redacção inicial do facto 34 perante o ponto de facto – não impugnado pelo Apelante – 23 e a eliminação parcial da redacção inicial do ponto facto 32 em confronto com o ponto de facto 25 – cuja redacção foi repristinada).

  4. A solução encontrada pelo Tribunal recorrido, que a Recorrente reputa ilegal, foi o de alterar não os pontos de facto cujo julgamento foi anulado, mas sim aqueloutros que, assentes, tornaram o seu julgamento inválido, forçando a alteração (na sua maioria eliminação) da matéria de facto adquirida e assente, porque não impugnada, constante dos preditos factos 12, 13, 18, 19, 20, 22 e 23.

  5. Ora, nos termos das normas e princípios jurídicos atrás invocados, e como bem se retira da jurisprudência citada no corpo das alegações, não cabe nos poderes da Relação julgar pontos de facto distintos daqueles que foram especificamente, e em cumprimento do denominado ónus primário de impugnação, criticados pela parte interessada (o Apelante) na sua minuta recursiva.

  6. O Tribunal recorrido não podia, nesse novo julgamento violar as normas e princípios jurídicos que sempre teria de respeitar na apreciação de um recurso de apelação, com especial enfoque, para o que é o objecto deste recurso, os princípios da auto-responsabilização das partes, do dispositivo e do contraditório, 10.

    bem como o julgamento – que naturalmente lhe incumbe – sobre o cumprimento dos ónus impugnatórios (mormente o primário, de concretização dos factos cujo julgamento é impugnado) por parte do então apelante.

  7. O Tribunal a quo estava impedido de se pronunciar sobre concretos pontos da matéria de facto que não tenham sido impugnados pelos Recorrentes, sendo que não incumbe ao Tribunal de recurso retirar as consequências que a Impugnação da matéria de facto no caso de procedência, possa vir a ter sobre o demais probatório.

  8. Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2013 (identificado e citado nas alegações), “Estando, como estava, inibido de proceder a qualquer alteração a um ponto de facto não impugnado pelos Recorrentes, o Tribunal da Relação excedeu os seus poderes o que conduz a ter-se por não escrita a sobredita alteração” recusando-se, “qualquer possibilidade de o segundo grau, oficiosamente, poder à la diable efectuar um reexame das provas produzidas e, quiçá, um segundo julgamento a seu belo prazer” 13.

    E em situação paralela, o Tribunal da Relação de Guimarães (de 11/02/2017, igualmente identificado e citado acima) deixou expresso que “não incumbe ao Tribunal da Relação retirar as consequências que a procedência da Impugnação da matéria de facto possa vir a ter sobre a restante matéria de facto não impugnada, devendo entender-se que essa omissão impõe a Rejeição nessa parte (por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art.

    640º do CPC e inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do Recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados e incompatíveis com os pontos da matéria de facto impugnados especificamente)” 14.

    Como se refere nesse Aresto “incumbia aos Recorrentes indicar (todas) as alterações que sobre a matéria de facto se produziriam, na sequência da sua impugnação da matéria de facto, não podendo essa tarefa ser atribuída ao presente Tribunal”.

  9. Ora, o Tribunal a quo, ciente dessa possibilidade insanável (como se verificou) de compatibilização da matéria de facto adquirida com a que pudesse resultar da reponderação da prova produzida em primeira instância deveria ter rejeitado o recurso quantos pontos da matéria de facto cujo julgamento pudesse gerar tal entropia.

  10. E contra isto não colha o argumento de que o Tribunal a quo poderia ter anulado a decisão da matéria de facto àluz dos n.º2 doartigo662.ºdoCódigodeProcesso Civil – essa norma visa corrigir patologias intrínsecas à Sentença (“incoerências” entre factos dados como provados), mas não permite que o Tribunal da Relação inove um julgamento para sarar patologias causadas – não pelo Tribunal recorrido – mas pela parte que indicou os pontos de facto que considerou mal julgados (sem que tenha incluído no objecto do recurso outros pontos de facto que pudessem vir a ficar em contradição com a impetrância deduzida)! 17.

    Assim, não tendo o Tribunal a quo logrado adequar o seu julgamento (anulado) dos factos impugnados à “matéria de facto adquirida” (por que não impugnada), deveria ter rejeitado o recurso por incumprimento do artigo 640.º do CPC, e ao não o fazer, não só violou tal norma como incorreu em excesso de pronúncia (que se deixa subsidiariamente alegada).

  11. Pelo que a resposta dada aos pontos de facto 32, 33 e 34 (e 24), a par das resultantes do julgamento dos numerados como 12, 13, 18, 19, 20, 22, 23...

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