Acórdão nº 505/22.2T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 505/22.2T8PNF.P1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “Ares Lusitai – STC, S.A.

”, também identificada nos autos, pedindo que seja: - declarado anulado o contrato de compra e venda outorgado entre si e a Ré, por intermédio de documento particular autenticado em 31/05/2021, relativo aos prédios rústicos identificados em 6.º da p.i.; - condenada a Ré a restituir-lhe a quantia de €114.000,00, que recebeu do Autor em pagamento do preço da compra e venda; - condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de €1.224,05, referente a despesas de formalização do contrato de compra e venda, certificação de documentos, assessoria prestada e registos; - condenada a Ré pagar-lhe a quantia global de €6.612,00, relativa aos impostos de IMT e Selo que teve de suportar decorrentes do contrato de compra e venda; - condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de €5.000,00 a titulo de danos patrimoniais e a quantia de €10.000,00 a titulo de danos morais.

Alegou, em síntese, que, em inícios de abril de 2021, foi abordado pelo solicitador BB, que o informou que os prédios da Ré, identificados no art. 6º da p.i., se encontravam à venda, tendo-lhe transmitido que tais prédios estavam inseridos em Zona de Solo Urbanizado- Áreas Mistas de Nível 3, onde era permitida a construção para os usos habitacional, comercial, de serviços e industrial; razão pela qual se deslocou ao local, por forma a verificar a localização, características e delimitações físicas dos prédios, tendo ficado convencido que os prédios tinham, no seu conjunto, a localização, configuração, área e limitações assinalados a amarelo na planta de localização, o que o levou a apresentar proposta de aquisição, que foi aceite pela Ré, tendo, em 16/04/2021, sido outorgado o respetivo contrato promessa de compra e venda.

Sucede que, após a celebração do contrato promessa, foi o A. informado pelos proprietários vizinhos que os prédios em causa não pertenciam à Ré, o que fez com que o A. pedisse uma reunião com a Ré para esclarecimento da situação, reunião essa em que foi garantido pela Ré ao Autor que não existiam quaisquer dúvidas quanto à propriedade, localização e identificação dos prédios em causa, confirmando a localização, configuração e delimitação que tinha sido publicitada no local, ou seja, a área e limitações assinalados a amarelo na referida planta de localização.

Assim, em 31/05/2021, perante tal esclarecimento, o A. celebrou com a Ré o contrato definitivo de Compra e Venda dos prédios, porém, posteriormente, ao efetuar a limpeza dos mesmos, tomou conhecimento que os prédios que adquiriu à Ré não eram os prédios constantes da parte a amarelo da planta de localização junta com a p.i., conforme haviam sido publicitados, identificados e confirmados pela Ré, já que estes prédios pertencem a CC e DD.

Mais alegou que jamais teria contratado com a Ré se soubesse que os prédios em causa não correspondiam aos publicitados pela Ré e que os mesmos correspondiam, isso sim, às parcelas de terreno assinaladas a verde, na planta junta como documento 15 da PI; acrescentou que, quando decidiu comprar os imóveis à Ré, visava levar a avante um projeto que consistia na reabilitação/restauro da construção existente nos prédios que lhe haviam sido apresentados e na construção na área restante de um conjunto de novas moradias, que depois de construídas tencionava vender a terceiros, visando o lucro, o que era do total conhecimento da Ré, razão pela qual o ocorrido lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais.

A Ré apresentou contestação, tendo impugnado os factos alegados pelo A. e referido que, embora o Autor alegue que a Ré o enganou, não estão verificados os respetivos pressupostos; e concluiu pela total improcedência da ação.

O Autor, em resposta, manteve o alegado na p.i..

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém; tendo-se identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu-se: “(…) a) declarar anulado o contrato de compra e venda a que se alude no ponto 17, outorgado entre o Autor, AA e a Ré, “Ares Lusitani – STC, S.A.” por documento particular autenticado, em 31/05/2021, relativo aos prédios rústicos identificados no ponto 5 da factualidade provada.

  1. condenar a Ré a restituir ao Autor o preço de € 114.000,00 pago por este com a compra dos prédios que foram objeto da referida escritura.

  2. condenar a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 1.224,05 relativa às despesas de formalização do referido contrato de compra e venda, certificação de documentos, assessoria prestada e registos.

  3. condenar a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 6.612,00 relativa aos impostos de IMT e Selo que o Autor teve de suportar decorrentes do contrato de compra e venda referido.

  4. condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

  5. absolver a Ré do restante pedido.

  6. absolver a Ré do pedido de condenação de litigância de má fé. (…)” Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, tendo-se, por Acórdão da Relação do Porto, proferido em 30/05/2023, negado provimento ao recurso dos RR., confirmando consequentemente a sentença recorrida.

Ainda inconformada, interpõe a R. o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que determine “ (…)a remessa dos autos à Relação para que a) seja apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela Recorrente Apelante e b) Sejam apreciadas as demais questões de Direito suscitadas pela Recorrente no recurso de apelação (…)”.

Terminou a sua alegação com conclusões em que refere: (…) 1. - Constitui tema nuclear do presente recurso de Revista a questão de saber se a Recorrente identificou ou não nas suas Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação do Porto devidamente os depoimentos gravados, quer em termos de dia e respetiva sessão, quer ainda em termos de hora e o nome pelo qual consta identificada essa gravação no CD facultado pelo Tribunal de 1ª instância.

  1. - E se cumpriu com os requisitos dos artigos 639º e 640º ambos do Código Processo Civil.

  2. - E embora a Recorrente, se tenha pronunciado e demonstrado que cumpriu os requisitos previstos nos normativos citados, o certo é que o douto Acórdão do Tribunal da Relação proferido, vem decidir pela sua recusa, não só na apreciação da matéria de facto, como igualmente na matéria de direito.

  3. - Aliás, a Recorrente para além de identificar os depoimentos, transcreveu-os na parte que considerou relevante e notório para apresentar uma outra alternativa decisória: em lugar de “provado”, consideraram que o referido facto deveria ser considerado “ não provado”.

  4. - Neste contexto, não se evidencia qualquer falha de cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC por parte da Recorrente.

  5. - Mas, salvo o devido respeito, que é muito, entende a Recorrente, que os reproduziu, mas mesmo se entenda, que não se concede que não o fez, o certo é que, e, conforme já doutamente entendido pelo Supremo Tribunal em vários Acórdãos, não sendo obrigatória a reprodução do depoimento testemunhal identificado, o facto de as indicações que a Recorrente tiver dado do mesmo cumprem satisfatoriamente as exigências que decorrem do art. 640º do CPC, cabendo ao Venerando Tribunal da Relação do Porto cumprir a sua parte, como o determina o art. 662º, nº 1, do CPC.

  6. - Pelo que em momento algum, a Recorrente na formulação das suas Alegações incorreu em incumprimento do ónus de alegação prescrito pelo art.640º do CPC.

  7. - Mas, mesmo que tivesse acontecido, o que a Recorrente não concede, quanto à matéria de facto, de modo algum o Venerando Tribunal da Relação estaria legitimada a abster-se de apreciar o mérito da Apelação na parte restante, isto é, no que concerne à reapreciação do mérito da sentença de 1ª instância.

  8. - O que o Tribunal da Relação não o fez, ao entender a recusa de apreciação da matéria de facto, com o fundamento de não estarem preenchidos os requisitos dos artigos 639º e 640º ambos do Código Processo Civil, vindo a entender, que prejudicada ficava a apreciação da matéria de direito e, por conseguinte, mantendo a decisão do tribunal de 1ª instância, pura e simplesmente.

  9. - Mas, salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente entende que transcreveu de forma clara e sem sombra de dúvidas as passagens dos depoimentos das testemunhas que considerou convertidos e que a serem considerados, como deviam pela Meritíssima juiz a quo, levaria a considerar provada sim, que o Recorrido, sempre teve dúvidas na localização dos prédios, objeto do negócio de compra e venda e, que mesmo assim, persistiu na sua compra e na formalização do negócio.

  10. - E por conseguinte, demonstrado ficava que não estava, como nunca esteve preenchido o requisito da essencialidade do negócio e, que tal pressuposto, não foi comunicado à Recorrente, o que claramente ficou provado, e disso fazem prova os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente ( EE e FF), mas também a testemunha do Recorrido ( BB ) e das declarações do próprio Recorrido.

  11. - Prende-se, a questão do conhecimento da essencialidade tratada nos presentes autos Se foi ou não provada a essencialidade por parte do Recorrido, o que só pela interpretação do artigo 247º do Código Civil-CC (sobre a epígrafe “erro na declaração”) se estatuir que “quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declaratário, do elemento sobre que incidiu o erro.”(sublinhado nosso).

  12. - Ora, a anulabilidade prevista no artigo 247º do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT