Acórdão nº 2743/20.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução02 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA intentou, no Juízo Central Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a R. EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 49.541,02 €, acrescida de juros, ascendendo os já vencidos ao montante de 2.160,80 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Alega, para tanto e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação, causado por culpa de condutor de veículo desconhecido, e que sofreu, por força desse acidente, danos patrimoniais e não patrimoniais; que celebrou com a R. um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório, contratando também a cobertura facultativa “protecção vital do condutor”, pela qual a R. assumiu os custos com danos decorrentes de lesões corporais ou morte, em consequência de acidente de viação em que intervenha na qualidade de condutor de veículo seguro; que a R. se recusa a pagar a indemnização com fundamento no teor de uma cláusula do contrato de seguro que exclui a indemnização por dano biológico se este não ultrapassar os 10 pontos; esta cláusula não foi informada e explicada ao A., que se soubesse que só receberia uma indemnização por dano biológico superior a 10 pontos não teria contratado, por não lhe interessar.

*Citada, a Ré apresentou contestação (ref.ª ...39 - fls. 23 a 27), alegando desconhecer o modo e as circunstâncias do acidente, bem como os danos alegados, e impugnando o montante indemnizatório peticionado; alegou ainda que os montantes peticionados a título de dano biológico não são devidos porque é, no caso, inferior a 10 pontos (e o contrato só cobre o dano biológico superior a 10 pontos).

*Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho, datado de 24/09/2020, que fixou o valor da causa; de seguida, foi prolatado despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância; procedeu-se ainda à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...79 - fls. 30 a 32).

*Por requerimento de 4 de fevereiro de 2023, a R. declarou aceitar especificadamente todos os factos alegados nos artºs 1º a 24º da petição inicial (ref.ª ...23).

*Teve lugar a audiência de discussão e julgamento (ref.ª ...10 - fls. 129 e 130).

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 15/03/2023 (ref.ª ...72 - fls. 131 a 141), nos termos da qual, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu: - condenar a R. EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao A. AA a quantia de 35.000,00 € (trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; - absolver a R. do demais peticionado; - condenar A. e R. no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao A..

*Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença (ref.ª ...09 - fls. 142 a 146) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. A presente acção terá que ser julgada improcedente, por não provada.

  1. Dos factos provados resulta claramente a culpa única e exclusiva do tal condutor do “veículo desconhecido”.

  2. Nos termos do n.º 2 da cláusula 3ª (objecto da garantia) da Convenção facultativa “Proteção Vital do Condutor”, resulta que: “As indemnizações garantidas pela presente Condição Especial, não são cumuláveis com as indemnizações que sejam devidas por quem tenha assumido, ou deva assumir, o dever de reparar os danos decorrentes do acidente, independentemente do fundamento e da natureza do ato de assunção ou de reconhecimento desse dever”.

  3. E no n.º 3 reforça a aplicabilidade do transcrito no n.º 2 mesmo no caso de inexistir Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel.

    “3. O disposto no número anterior também se aplica quando inexistir Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel válido e deva responder o Fundo de Garantia Automóvel ou quando se esteja em presença de um acidente de trabalho, ainda que inexista Seguro de Acidente de Trabalho válido e deva responder o Fundo de Acidentes de Trabalho.” 5. Face aos factos provados sendo a culpa na e para a produção dos danos verificados da inteira e exclusiva responsabilidade do tal condutor do “veículo desconhecido”, é à seguradora deste que compete indemnizar e/ou compensar o Autor por todos os danos sofridos em consequência directa e necessária do ajuizado acidente.

  4. Estamos no domínio de uma convenção contratual facultativa ditada pela liberdade contratual. Segundo o artigo 405º do C. Civil “ 1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.” E cuja eficácia plena decorre do artigo 406º do C. Civil “ 1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.” (Pacta sunt servanda) 7. A questão fundamental consiste, pois, em saber a quem compete provar a identidade do condutor do veículo desconhecido ou somente a quem compete provar a matrícula deste veículo causador do acidente. Ao Autor ou à Ré? Eis a questão.

  5. Ora, é obvio que competia ao Autor identificar, pelo menos, note-se, a matrícula do veículo que lhe embateu na traseira.

    “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” (artigo 342º do C. Civil).

  6. Na lição que se extrai dos artigos 483º, n.º 1 e 503º do Código Civil quanto aos pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos ou subjectivos, temos como pressuposto ou elemento essencial o facto (acção ou omissão). O facto consiste num certo comportamento humano (acção ou omissão – um facere ou non facere).

  7. Mas ainda que assim não fosse, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sem conceder, isto é, ainda que fosse aplicável a convenção especial facultativa “Proteção Vital do Condutor” ao caso concreto, sempre a indemnização se nos afigura mal calculada.

  8. Nas situações de afetação permanente da integridade física e psíquica (dano biológico) a indemnização será calculada com base nas fórmulas constantes da proposta razoável: “5. Afetação permanente da integridade física e psíquica (dano biológico): a) Em caso de afetação permanente da integridade física e psíquica da Pessoa Segura de grau superior a 10 (dez) pontos, o Segurador pagará, à Pessoa Segura, uma indemnização calculada com base nas regras e fórmulas constantes da Portaria da Proposta Razoável. (negrito nosso).

  9. Aplicando a dita proposta razoável (Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho) a indemnização, caso fosse devida, que como se viu não é, ascenderia, no máximo a €20.297,88.

    NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, ser a acção julgada improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.

    Assim confiadamente se espera ver julgado porque assim se mostra ser DE LEI E DE DIREITO».

    *Contra-alegou o autor, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª ...34 - fls. 147 a 160).

    *O Autor apresentou também recurso subordinado, tendo rematado as alegações com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem) (ref.ª ...71 - fls. 161 a 173): «D – DAS CONCLUSÕES: I. O Recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, ao decidir como decidiu, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, que versa matéria de facto e de direito, sobretudo sobre a questão da indemnização a título de danos patrimoniais futuros e de incapacidade temporária absoluta.

    1. Lavrou em erro o Tribunal ao decidir como decidiu, na medida em que a sentença aqui em crise padece de erros de interpretação das normas dos artigos 246.º, 247.º, 249.º, 251.º e 286.º do Código Civil, artigos 609.º e 614.º, ambos do Código de Processo Civil e artigos 5.º, 6.º e 8.º al) a) do DL 466/85, de 25/10.

      DOS LIMITES DA CONDENAÇÃO: III. Subjaz ao artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre os limites da condenação, o princípio do dispositivo, enquanto projeção, no campo processual, do direito subjetivo.

    2. Assim, para efeitos de se estabelecer o limite da condenação, o valor do pedido global a considerar é aquele que, decorrendo da mesma causa de pedir, se apresenta como a soma do valor de várias parcelas, em que o mesmo se desdobra ou decompõe.

    3. A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido rege-se pelo princípio de que compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor.

      DO ERRO NO CÁLCULO DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO: DO DANO PATRIMONIAL FUTURO/DANO BIOLÓGICO: VI. Atento o que resulta da sentença a propósito do quantum indemnizatório arbitrado a título de dano biológico e ao facto dado como provado KK), o capital seguro nesta cobertura facultativa contratada é de € 500.000,00, pelo que importa aferir da validade da cláusula que remete o cálculo da indemnização para as regras e fórmulas constantes da Portaria da Proposta Razoável – cláusula 4ª, nº 5, al. a) das Condições Especiais.

    4. Como impugnado por requerimento com a referência citius ...65, nunca tal cláusula foi lida ou explicado o seu teor ao Autor, aqui Recorrente, pelo que se tem de ter necessariamente excluída do contrato.

    5. Como...

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