Acórdão nº 988/19.8T8TMR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelVÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Data da Resolução26 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 988/19.8T8TMR.E2 Autor: Caixa Geral de Aposentações, I.P..

Ré: (…).

Pedido: Declaração de inexistência de uma união de facto entre a ré e (…).

Sentença: Julgou a acção procedente, declarando a inexistência de união de facto entre a ré e (…).

* A ré interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados: A Recorrente discorda em absoluto da decisão sobre a matéria de facto que julgou não provados os seguintes factos por si alegados: 1 – A ré viveu efectivamente em união de facto com o falecido (…), com quem residiu em casa deste sita na Rua Dr. (…), n.º 2, r/c esquerdo, em (…), desde Abril de 2002 ininterruptamente até à data da sua morte.

2 – A ré e (…) viviam como se de marido e mulher se tratasse partilhando cama, mesa e habitação.

4 – A ré e (…) auxiliavam-se e respeitavam-se mutuamente como se de marido e mulher se tratasse.

5 – Trocavam mensagens de cariz amoroso e íntimo pelo telemóvel e deixava-lhe bilhetes escritos em casa.

6 – Saíam juntos para fora da cidade, onde eram vistos a passear, almoçar e jantar e no café como se de marido e mulher se tratasse.

8 – Enquanto a ré manteve o seu relacionamento amoroso com (…), este já não exercia como padre.

11 - No último ano de vida de (…), este e a sua companheira, ora ré, contrataram uma empregada de serviço doméstico para fazer a limpeza da casa e tratar da roupa de ambos.

2 – Pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente, assumindo um valor probatório autónomo.

Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pág. 145, afirma que: Texto de 20.1.2017, acessível em https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudencia536.html#links.

3 – Com maior abertura ao protagonismo das declarações de partes, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, afirma claramente que: «(…) ponto, para nós, assente é que este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objeto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. (…) defendemos que será admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova.» Por nós, entendemos que a posição mais correta radica na tese mais ampla e permissiva sobre a potencialidade e centralidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz.

4 – É do conhecimento público a existência de padres que mantêm relacionamentos amorosos, além de, por outro lado, termos ainda notícia a nível nacional e internacional de abusos de cariz sexual sobre menores, que, em virtude do seu elevado número deram lugar à constituição de comissões de inquérito para averiguação destes casos, pelo que, causa “estranheza” à recorrente que a meritíssima juíza a quo tenha manifestado a sua “estranheza” (passamos a redundância) pelo facto de (…) ser padre (e manter consigo um relacionamento como se de marido e mulher se tratasse, vivendo em união de facto), pois antes de o ser, é um ser humano, como qualquer um de nós, com sentimentos, emoções, carências… 5 – E, como a própria recorrente teve oportunidade de explicar ao tribunal no início do seu depoimento, só passados alguns anos após o óbito do seu companheiro, requereu à Caixa Geral de Aposentações a atribuição da sua pensão de sobrevivência, por uma questão de ponderação pessoal, pois tem a consciência de que iria ter de enfrentar o preconceito de se ter envolvido emocionalmente com um padre e ter vivido com ele, como se fossem marido e mulher, no entanto, ainda assim, muniu-se da coragem necessária para se manifestar junto de instituições públicas, a quem relatou esta realidade com verdade, que, de resto já era do conhecimento público da cidade onde vivia com (…), no intuito de fazer valer o direito que assiste, a ser reconhecida esta união de facto.

6 – Crê-se assim que a valoração dos depoimentos da recorrente e das suas testemunhas pelo tribunal a quo foi feita de forma parcial (eivada de preconceitos e de considerações de ordem moral que não competem ao tribunal tecer e muito menos utilizá-los para fundamentar decisões judiciais, que, no entendimento da recorrente se devem fazer com recurso à legislação, doutrina e jurisprudência! 7 – Sobre a alegada circunstância de a recorrente não se mostrar emocionalmente afectada quando se falou do dia do óbito – tal justifica-se pelo decurso do tempo ocorrido desde a data do óbito – 01.09.2014 e a data da realização da audiência de julgamento – 07.07.2020!!! 8 – Quanto ao facto de o corpo de (…) ter sido detectado por terceiros e não pela recorrente, deve-se ao facto desta, na altura, se encontrar a dar apoio à sua mãe com 100 anos de idade! 9 – A actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, que, quer a recorrente (em sede de declarações de parte) quer as suas testemunhas demonstraram conhecer ampla e aprofundadamente! 10 – Com efeito, amiúde se não na maioria dos casos, quem tem melhor razão de ciência do que a própria parte? Em terceiro lugar, o texto do artigo 466.º não degradou o valor probatório das declarações de parte, nem pretendeu vincar o seu caráter subsidiário e/ou meramente integrativo e complementar de outros meios de prova.

11 – O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés.

12 – A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstratas pré-constituídas, sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal de que foi exemplo o brocardo testis unis, testis nullus (uma só testemunha, nenhuma testemunha).

13 – As declarações da parte podem constituir, elas próprias, uma fonte privilegiada de factos-base de presunções judiciais, lançando luz e permitindo concatenar – congruentemente – outros dados probatórios avulsos alcançados em sede de julgamento.

14 – Inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações da parte e a prova testemunhal, devendo cada uma delas ser individualmente analisada e valorada segundo os parâmetros explicitados.

15 – Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.

16 – As partes que presenciaram diretamente factos ou neles intervieram são tecnicamente testemunhas dos mesmos.

Em suma, a testemunha e a parte integram o testemunho em sentido lato enquanto prova pessoal e histórica dos factos em discussão.

A parte é a primeira das testemunhas, é de antever que sejam removidas as anacrónicas reservas à admissibilidade do testemunho de parte como meio epistemologicamente válido da formação da convicção do julgador.

17 – Uma vez que os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente, prestados de forma isenta, coerente e convincente serviram para formar a convicção do tribunal quanto a estes factos, por maioria de razão também deveriam ter servido, para dar como provados os factos indicados sob os números 1 a 11.

18 – Analisadas as passagens das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas, assinaladas a negrito, verificamos que foram unânimes a confirmar a ocorrência dos factos que, na sentença sub judice não foram considerados provados – 1 a 11.

19 – Verifica-se ter havido aqui erro de julgamento e erro na apreciação da prova.

20 – Violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 644.º do CPC e 341.º e 342.º do Código Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

* Questão a resolver: Se devem ser julgados provados os factos que permitiriam concluir que a ré e (…) viviam um com o outro em união de facto à data da morte deste.

* Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos: 1. (…) faleceu em 1 de Setembro de 2014.

  1. Em 23 de Fevereiro de 2016, a autora, na qualidade de companheira do falecido, veio habilitar-se à pensão de sobrevivência...

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