Acórdão nº 2042/22.6T8CLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Outubro de 2023
Magistrado Responsável | TERESA ALBUQUERQUE |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - AA e BB, intentaram no Juízo Local Cível ..., contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, acção declarativa de reconhecimento judicial da união de facto, nos termos do artigo 3º/3 da Lei 37/81, de 03 de Outubro.
O Ministério Público, citado, não deduziu contestação.
Ordenou-se a notificação dos AA. e do Ministério Público para, querendo, se pronunciarem quanto à excepção de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, tendo-se aqueles pronunciado no sentido de que os tribunais cíveis são os competentes para decidir as acções de reconhecimento da união de facto, indicando base legal e jurisprudencial nesse sentido, pugnando, assim, pela improcedência da invocada excepção.
Cumprido, assim, o contraditório, foi julgada verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal demandado, tendo sido absolvido, em consequência, o Estado Português, da instância.
II – Do assim decidido, apelaram os AA., tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo: I-A Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de outubro) preconiza no artigo 3º/3 o seguinte: “O Estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.” II. Esta norma especial, que não se encontra revogada, é atributiva de competência jurisdicional.
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A lei geral (a LOSJ) não revogou a lei especial (a Lei da Nacionalidade), pelo que mal se compreende a decisão recorrida.
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A interpretação que o douto tribunal a quo faz do artigo 122º/2, alínea g) da LOSJ viola a harmonia da ordem jurídica porque pretende afastar a normal especial do artigo 3º/3 da Lei da Nacionalidade, que é a que deve ser aplicada aos autos.
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A competência para julgar a presente ação de reconhecimento da união de facto, para efeitos de pedido de atribuição de nacionalidade portuguesa ao unido de facto estrangeiro, é do tribunal a quo e não dos tribunais de família, por ser de aplicação obrigatória a competência especial do artigo 3º/3 da Lei da Nacionalidade, face à competência geral da LOSJ.
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Evidencie-se que, a este respeito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/2021, no âmbito do processo n.o 286/20.4T8VCD.P1.S1, em que é relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro João Cura Mariano, disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se que são os tribunais civis os materialmente competentes para o julgamento das ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto entre duas pessoas com vista à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte do cidadão estrangeiro.
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No mencionado Acórdão decidiu o STJ que a competência material para o julgamento das ações de reconhecimento judicial da união de facto, com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa é dos tribunais cíveis, e não dos tribunais de família e menores, face à atribuição específica constante do artigo 3º/3 da Lei da Nacionalidade.
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Ao atribuir-se especificamente, na Lei da Nacionalidade, a competência material aos tribunais cíveis para conhecer este tipo de ações, norma esta que se manteve com a entrada em vigor da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, impõe-se concluir que a norma constante do artigo 3º/3 da Lei da Nacionalidade é norma especial relativamente às regras gerais de distribuição de competência dos tribunais judiciais.
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Dessa forma, não pode considerar-se que tal norma da Lei da Nacionalidade, tenha sido tacitamente revogada pela regra geral do artigo 122º/1, alínea g) constante da LOSJ, já que a norma especial prevalece sobre a norma geral.
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Ao considerar-se materialmente incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, no que concerne à norma aplicável no presente caso, uma vez que não aplicou o artigo 3º/3 da Lei da Nacionalidade, norma essa especial face à norma constante do artigo 122º/1, alínea g) da LOSJ, tendo sido feita, pelo tribunal a quo, uma errada interpretação e aplicação desta última norma.
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Consideramos que o tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos 3º/3da Lei da Nacionalidade e 122º/1 alínea g) da Lei de Organização do Sistema Judiciário. Pelo que, XII. Face ao suposto, deverá ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
III – Os factos necessários ao conhecimento do presente recurso emergem do acima relatado.
IV – A questão a apreciar no...
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