Acórdão nº 11/23.8GIBJA-B-E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Data24 Outubro 2023

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal da Relação de Évora: No processo nº 11/23.8GIBJA-B-E1 do Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo de Competência Genérica de …, o arguido AA interpôs recurso do despacho judicial que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva na sequência de 1º interrogatório judicial, concluindo as respectivas motivações pela formulação das seguintes conclusões: «1. O Recorrente foi detido no dia 26 de Junho, conjuntamente com outros três indivíduos, igualmente constituídos Arguidos nos presentes Autos, em flagrante delito da prática de um Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes

  1. Efectuada a sua Detenção foi este, no dia 27 de Junho de 2023 juntamente com um dos mencionados três Arguidos, no caso o Arguido BB, presente a Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, conforme decorre de Folhas ….. dos Autos

  2. Nessa Diligência, Primeiro Interrogatório Judicial de Arguidos Detidos, o Recorrente AA deu palavra quanto ao que estava indiciado e, consequentemente, respondeu e esclareceu tudo aquilo que lhe foi solicitado fosse pela Senhora Juiz de Instrução Criminal, fosse pela Titular da Acção Penal, Digna Representante do Ministério Público, fosse pelas suas Defesas conforme decorre do Auto de Interrogatório de Arguido(s) Detido(s) junto aos Autos

  3. Em sequência disso, e por conta das alegadas factualidades que lhe eram imputadas, veio-lhe a ser aplicada, conforme resulta do Auto de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido e correspectivo Despacho de Aplicação das Medidas de Coacção, a Medida de Coacção mais gravosa do nosso Ordenamento Jurídico, isto é, a Prisão Preventiva

  4. É, pois, este Despacho, junto aos Autos a Folhas ……, que se impugna por se entender que tal Despacho, sobretudo nos termos em que foi lavrado, se apresenta como Ilegal, Inadmissível e Incomportável no Ordenamento Jurídico-Penal e Constitucional português e, para além disso, não está, como de Lei, devidamente fundamentado como verdadeiro acto decisório que é

  5. Com efeito, tendo por base o Artigo 32.º N.º 2 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual, todo o Recorrente se presume inocente até ao trânsito em julgado de sentença condenatória e a medida de coacção de Prisão Preventiva é de carácter excepcional

  6. Assim, atendendo àquele princípio e ao plasmado nos Artigos 27.º e 28.º da Constituição da República Portuguesa e Artigos 191.º a 193.º do Código de Processo Penal, o Recorrente AA, viu violado o seu direito fundamental à liberdade, por considerar que a Prisão Preventiva que lhe foi imposta é injusta, desadequada e desproporcional aos indícios apurados e às circunstâncias da sua conduta

  7. Na verdade, a Prisão Preventiva não tem em vista uma punição antecipada, pois só, excepcionalmente, pode ser aplicada desde que não possa ser substituída por outra medida de coacção mais favorável e menos lesiva da liberdade

  8. Tem sido jurisprudência constante, que tal medida de coacção só deve ser aplicada em ultima ratio, precisamente, em obediência ao comando contido no Artigo 28.º N.º 2 da Constituição da República Portuguesa

  9. O Recorrente AA prestou Declarações no Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido e, nessa sede, explicitou à Senhora Juiz de Instrução Criminal que anuiu a fazer este transporte, cujo que transportava verdadeiramente desconhecia ainda que admitisse que pudesse ser produto estupefaciente, por lhe haver sido proposto para liquidar uma divida de cerca de €3.000,00 que detinha com o individuo que lhe vendia o haxixe que consumia há já largo tempo

  10. Mais aclarou à Senhora Juiz de Instrução Criminal que esta foi a primeira vez que anuiu a fazer este tipo de “coisas”, transporte de algo que lhe foi sugerido, e que só o aceitou por a sua situação financeira estar em periclitante declínio ante o facto de se encontrar desempregado e ter encargos com uma filha menor e pender sobre si a obrigação de liquidar aquela quantia monetária

  11. Explicitou ainda toda a circunstância que envolveu a proposta e os termos em que o transporte se realizou até ao momento da sua detenção, como o fosse, o local onde foi colocado o produto estupefaciente, as pessoas com quem contactou, os custos que lhe foram pagos, quem alugou o veiculo, os contactos que encetou e o modo como estava a ser feito o transporte, incluindo, a forma e modo como contactava com o individuo que seria o responsável por esse produto estupefaciente

  12. De facto, a prova indiciária no caso concreto é objectiva e os factos, ante a sua assunção, são facilmente subsumíveis à previsão do Crime de Tráfico de Estupefacientes que lhe é imputado

  13. Todavia, tendo em conta a quantidade (pouco mais de 12kg), qualidade (liamba) do produto estupefaciente, os objectos e quantias monetárias que lhe foram apreendidas, bem assim, como as circunstâncias rudimentares e incipientes em que o mesmo ocorreu, resulta claro que inexiste quaisquer sofisticação de meios e/ou organização complexa subjacente a este episódio que na sua vida era singular e por certo permanecerá único

  14. Deste modo, salvaguardado o devido respeito por opinião diversa, entende-se que no que respeita aos factos pelos quais o Recorrente está indiciado ainda que os indícios da prática dos mesmos por ele sejam suficientes para dar a indiciação por demonstrada crê-se que a Medida de Coacção que lhe foi aplicada é exageradamente desproporcional e poderá, perfeitamente, ser acautelada com uma Medida de Coacção menos gravosa, designadamente uma Não Privativa da Liberdade

  15. Isto é, uma das finalidades que se procurou acautelar, com a Prisão Preventiva do Recorrente AA, é a ínsita na alínea b) do Artigo 204.º do Código de Processo Penal, isto é, o “Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova”

  16. Todavia, a este respeito sempre se dirá que, ainda que esta finalidade tenha uma natureza iminentemente instrumental, convém não olvidar que é imprescindível constar dos Autos factos ou circunstâncias que tornem altamente provável a prática futura, pelo Recorrente AA, de actos perturbadores da actividade instrutória do processo como sejam a alteração do local da prática dos factos, a alteração, destruição, ocultação ou adulteração de documentos, in casu, crê-se a esta data, todos eles apreendidos à ordem do Processo, sobretudo com a sua colaboração em sede de Primeiro Interrogatório Judicial e fora do seu domínio

  17. Mas, para além disso, não basta a mera existência nos Autos dos elementos de que se infira o referido perigo é, ainda, necessário - por exigência constitucional do Princípio da Proporcionalidade e seu subprincípio da Necessidade - que não seja possível impedir essa perturbação através da imposição, ao Recorrente AA de outros meios menos restritivos dos seus Direitos, Liberdades e Garantias, como o poderão ser, designadamente, a imposição de determinadas condutas

  18. Por conseguinte, a Prisão Preventiva decretada ao Recorrente AA não o pode ter sido como um instrumento de recolha de Prova, impondo-se que, se assim foi, o Órgão de Polícia Criminal e as Autoridades Judiciárias competentes pratiquem os actos necessários à aquisição, conservação e genuinidade da Prova e não se onere a Liberdade daquele com tais pretensões

  19. Neste particular - tendo em conta a postura processual do Recorrente AA ao optar por prestar Declarações mediante as quais esclareceu, de forma absolutamente relevante, todos os factos que lhe foram perguntados e assumiu, daqueles que lhe eram indiciariamente imputados, os que efectivamente perpetrou, bem...

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