Acórdão nº 11/23.8GFEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório a. No ….º Juízo (1) Local Criminal de … procedeu-se a julgamento em processo comum, com tribunal singular, de AA, nascido a …/…/1978, residente em …, …, com os demais sinais dos autos, a quem a acusação imputava a autoria, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, als. a) e c), § 2.º, al. a) do Código Penal (CP)

O arguido contestou, alegando entre o mais a exceção do caso julgado relativamente a parte da factologia acusanda, tendo também apresentado provas

O caso julgado relativamente a parte da matéria de facto alegada na acusação veio a ser declarado por despacho judicial proferido a 10/7/2023, na audiência de julgamento

Ainda na audiência a Mm.a Juíza suscitou o incidente da alteração da qualificação jurídica dos factos, preconizando que os mesmos poderão integrar a prática de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, als. a) e c) e § 4.º e 5.º CP

A final o tribunal proferiu sentença condenando o arguido como autor de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, als. a) e c), § 4.º e 5.º CP, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspendendo a execução da mesma por igual período, com regime de prova e sujeita ao dever de o arguido continuar o tratamento ao consumo excessivo de bebidas alcoólica, bem assim como ao dever de frequentar programa de prevenção da violência doméstica

Mais condenou o arguido na pena acessórias de afastamento e proibição de contactos com a vítima, durante todo o período da suspensão da execução da pena de prisão, com vigilância eletrónica, por seis meses; afastamento e proibição esses que poderão ceder exclusivamente para cumprimento do regime fixado para o exercício das responsabilidades parentais do filho menor BB

  1. Inconformado com esta decisão recorreu o Ministério Público, rematando a motivação do recurso com as seguintes conclusões: «1. Com base no depoimento de CC, registado no ficheiro 20230710145520_1543792_2870787, no trecho de 13m52s a 14m35s, deve concretizar-se que a factualidade provada no ponto 9 da fundamentação da sentença ocorreu em três ocasiões distintas

    1. Os factos provados nos pontos 7 e 9 a 12 não têm gravidade ou intensidade ofensiva suficientes para lesarem o bem jurídico tutelado pelo crime de violência doméstica – a dignidade humana, a saúde física, psíquica, emocional ou moral no âmbito de determinadas relações interpessoais – e não resulta de qualquer trecho do depoimento da queixosa, registado no ficheiro antes identificado, ter sido lesado o bem jurídico protegido

    2. Assim, por inaptidão lesiva dos factos materiais provados e falta de suporte probatório, a sentença enferma de erro na apreciação da prova na parte em que julgou provado no ponto 12. «….sabia….que a acossava, abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, que lhe provocava grande sofrimento psíquico….»

    3. Em conformidade, deve eliminar-se o trecho transcrito da fundamentação de facto da sentença

    4. A sentença recorrida violou o disposto no art. 152.º, n.º 1, als. a) e c), n.º 2, al. a), n.º 4 e n.º 5 do CP, porquanto os factos praticados pelo arguido não são enquadráveis na noção de maus tratos psíquicos típicos do crime, não têm potencialidade ou adequação lesiva e não lesaram o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora

    5. Os factos provados nos pontos 7 e 9, apenas são passíveis de integrar crimes de injúria, ps. e ps., no art. 181.º, do CP, para cujo procedimento a legitimidade do Ministério Público é dependente de constituição da ofendida como assistente e de dedução de acusação particular - cfr. arts. 188.º, n-º1, do CP, e arts. 48.º a 50.º, n.º 1, do CPP

    6. Portanto, no que concerne tais factos e crimes, o procedimento criminal é legalmente inadmissível, por ilegitimidade ao Ministério Público para o promover, e deve ser declarado extinto

    7. Da sentença não consta, como não constava da acusação, a adequação dos factos provados nos pontos 9 a 11 para prejudicar a tranquilidade pessoal e/ou a liberdade de determinação da queixosa, que tenham sido lesados tais bens jurídicos tutelados pelo crime de ameaça nem que o arguido tenha agido com consciência e vontade de os atingir

    8. Por isso que, tais factos não são passíveis de constituir o crime de ameaça p. e p. no art. 153.º, n.º 1, do CP nem outro tipo de crime

    9. A sentença recorrida violou as normas dos arts. 152-º, n-º1, als. a) e c), n-º2, al. a), e 188.º, n.º1, do CP, e dos arts. 48.º a 50.º, n.º1, do CPP

    10. Nesta conformidade, deve ser revogada a sentença impugnada, julgando-se a acusação totalmente improcedente e absolvendo-se o arguido.» c. Admitido o recurso, o arguido respondeu aderindo à posição sustentada pelo recorrente. d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que alude o artigo 416.° do CPP, secundou integralmente a posição sustentada na 1.ª instância pelo recorrente. e. No exercício do contraditório nenhuma resposta se apresentou. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir

      II – Fundamentação 1.Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2). Em conformidade com esta orientação normativa, a motivação do recurso deverá especificar os fundamentos e enunciar as respetivas conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida

      Neste contexto constatamos serem as seguintes as questões que cumpre apreciar e sobre as quais importa decidir: i) Erro de julgamento da questão de facto; e, ii) Qualificação jurídica dos factos

    11. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: «1. Em data não concretamente apurada, AA...

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