Acórdão nº 1023/19.1T9LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 1023/19.1T9LLE da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé - Juiz 1, relativo à arguida AA realizado julgamento foi proferida sentença onde consta da parte dispositiva o seguinte (transcrição): “1. Julgar a decisão instrutória e a acusação particular totalmente procedentes e, em consequência: 1.1. Condeno a arguida AA pela prática, no dia 30-07-2019, em autoria material, de um crime de dano, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 212.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de 145 (cento e quarenta e cinco) dias de multa, à razão diária de €15,00 (quinze) Euros.

1.2. Condeno a arguida AA pela prática, no dia 30-07-2019, em autoria material, de um crime de injúria, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º1, 14.º, n.º1 e 26.º, todos do Código Penal, contra EE na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, à razão diária de €15,00 (quinze) Euros.

1.3. Condeno a arguida AA na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à razão diária de €15,00 (quinze) Euros, na sequência do cúmulo jurídico das penas aplicadas em 1. e 2. Supra (…).”.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões da arguida Inconformada com a decisão a arguida interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. A Recorrente invocou a nulidade da Acusação Pública, por ilegitimidade do Ministério Público, para proferir acusação por um crime semipúblico sem que sobre os factos que o integram tenha existido queixa.

  2. No entanto, a Sentença ora em crise, não aprecia a referida nulidade invocada, apreciando antes uma nulidade nunca invocada da Acusação Particular.

  3. Pelo que, a Sentença enferma do vício de nulidade por omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1 alínea c) do CPP.

  4. Incorre ainda a Sentença em erro notório na apreciação da prova gravada.

  5. Tal modo que, se impõe a reapreciação da prova gravada, nomeadamente, da prova testemunhal.

  6. O Tribunal a quo baseia a sua convicção nos depoimentos das testemunhas (….).

  7. Tendo ainda em consideração as declarações da Recorrente e do Assistente.

  8. Conjunto de depoimentos que considera unânime e suficiente para dar como provados, entre outros, os factos provados 4), 5), 6) e 10), no entanto entende-se que os mesmos deveriam ter uma resposta negativa, ou seja, não provados.

  9. Não se podendo conformar a Recorrente com tal posição, dado que uma correta apreciação da prova sempre imporia decisão diversa relativamente aos factos referidos.

  10. Mormente dando os referidos factos como não provados.

  11. O depoimento da Recorrente, a ser devidamente valorado, permitia concluir que esta se limitou a desviar um tubo que se encontrava na sua varanda.

  12. Versão corroborada de forma clara e desinteressada pela testemunha II, cujo depoimento foi indevidamente valorado.

  13. Acresce que, a correta valoração das declarações referidas, imporia que o Tribunal a quo tivesse em consideração a agressividade dos seguranças para com a Recorrente, facto que foi inexplicavelmente ignorado.

  14. Aliás, o próprio depoimento da testemunha BB, segurança, permite atingir a mesma conclusão quando o mesmo refere que agarrou na Recorrente.

  15. Por outro lado, a versão dos factos apresentada pelo Assistente revela-se inconsistente e contraditória, não só com as versões das testemunhas supra referidas, como de todas as restantes, inclusive dos técnicos que construíram a chaminé e dos seguranças que estiveram no local.

  16. Mais, as próprias testemunhas que o Tribunal a quo apelida de “claras” e “unânimes” nos seus depoimentos, contradizem-se constantemente.

  17. Apresentando uma versão dos factos totalmente inconsistente e incongruente, demonstrando um claro esforço em repetir uma história ensaiada por não corresponder à verdade.

  18. Desta forma, não se afigura ultrapassada a dúvida razoável quanto aos factos 4), 5), 6) e 10), por se basear a sua prova em diversos depoimentos contraditórios, nunca se chegando a uma versão clara do que, efetivamente, aconteceu.

  19. Pelo que, a conduta da Recorrente não é claramente descrita como correspondente ao disposto nos referidos factos.

  20. O que só assim poderia ser, uma vez que as condutas imputadas à Recorrente não se coadunam com a verdade.

  21. Devendo, por isso, os referidos factos ser dados como não provados.

  22. Porquanto se assim não for o caso, será violado o princípio geral do processo penal in dubio pro reo.

  23. Segundo o princípio referido, o Tribunal não pode dar como provados factos que sejam desfavoráveis ao arguido, e cuja prova não permita ultrapassar o limiar da dúvida razoável.

  24. Princípio esse que, além de pedra basilar do processo penal, tem consagração constitucional nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 32º da CRP.

  25. Assim, e sob pena de incorrer o Tribunal numa violação de um princípio constitucionalmente consagrado, reitere-se, deverão os factos supra referidos ser considerados como não provados e a Recorrente absolvida.

    Termos em que deve ser revogada a Sentença e substituída por outra que absolva a Recorrente da prática dos crimes pelos quais vem acusada.”.

    2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, embora sem apresentar conclusões por artigos.

    2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pela arguida.

    2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

    Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

  26. Questões a examinar Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são o de saber se ocorreu: 2.1.

    Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1 alínea c) do CPP); 2.2.

    Erro na apreciação da prova com violação do princípio in dubio pro reo decorrente do princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP); 2.3.

    Erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP) a ser procedente a nulidade e violação invocadas. 3. Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

    3.1.1.

    Factos provados na 1.ª instância O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1) A sociedade CC, Lda. é proprietária das frações “C” e “D” do Edifício “Marina Garden”, sito na Marina de Vilamoura, descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé, freguesia de Quarteira, sob o n.º 6307-19950418.

    2) A sociedade DD, Lda. explora nas referidas frações um estabelecimento comercial de restauração e bebidas.

    3) O referido estabelecimento tem uma esplanada fechada, com cobertura amovível, com chaminé de alumínio integrada na cobertura da referida esplanada.

    4) No dia 30 de julho de 2019, da parte da tarde, em hora não concretamente apurada, a arguida, através de varanda adjacente, subiu para a cobertura da referida esplanada e agarrou, empurrou, abanou, rodou e pontapeou a referida chaminé.

    5) Na sequência do facto 4) supra, a chaminé desprendeu-se do suporte onde estava afixada, ficou inclinada e amolgada na base, o que impedia a correta extração de fumos, tendo sido, posteriormente, reparada por valor não concretamente apurado.

    6) Em simultâneo, a arguida, referindo-se a EE que se encontrava no local, mas ao nível do solo, gritou: “vá chamar esse ordinário aí debaixo”, “é um ordinário”; “aquele ordinário que ali está em baixo. É um ordinário” e “serve uma comida de nojo”.

    7) EE é sócio gerente das sociedades CC, Lda. e DD, Lda..

    8) EE é, também, dirigente da Associação dos Empresários de Quarteira e empresário há mais de 30 anos.

    9) Nesta sequência, EE sentiu-se ansioso, magoado e enxovalhado perante os seus clientes, funcionários e conhecidos.

    10) A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de provocar estragos na referida chaminé, inutilizando-a, bem sabendo a arguida que tal não lhe pertencia e que ao agir da forma descrita, o fazia contra a vontade e em prejuízo da sua proprietária.

    11) A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de atingir a honra e consideração pessoal de EE, bem sabendo que as expressões utilizadas eram aptas a atingir a honra, dignidade e autoestima de EE.

    12) A arguida sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

    Mais se provou, relativamente às condições pessoais da arguida, o seguinte: 13) Não tem antecedentes criminais.

    14) Tem 45 anos de idade.

    15) É advogada e assistente convidada no Politécnico de Leiria, auferindo, mensalmente, cerca de €2.500,00 Euros.

    16) De habilitações literárias tem um mestrado em Direito.

    17) O seu agregado familiar é composto por si, pelo seu companheiro, e pelos dois filhos de ambos, com 10 e 3 anos de idade.

    18) O agregado familiar reside em casa própria.

    19) O seu companheiro trabalha e recebe cerca de €1.500,00 Euros mensais.

    20) De despesas fixas mensais suporta, juntamente com o seu companheiro, cerca de €600,00 a €700,00 Euros, onde se incluem as despesas domésticas e as despesas do seu escritório, além de €350,00 Euros pela mensalidade com a escola do seu filho.

    21) Suporta, a título pessoal, um crédito automóvel no valor mensal de €360,00 Euros.”.

    3.1.2.

    ...

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