Acórdão nº 311/17.6GALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o nº 311/17.6GALGS, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido, também demandado civilmente, AA condenado, por sentença de 26/01/2023, nos seguintes termos: Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 6,00 euros, o que que perfaz o montante de 1.080,00 euros; No pagamento ao demandante Estado Português, representado pelo Ministério Público, da quantia de 61,84 euros, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento; No pagamento ao demandante Estado Português, representado pelo Ministério Público, das prestações liquidadas ao militar BB a título de vencimentos e outros suplementos pagos durante o período em que o mesmo, em virtude da conduta do arguido, esteve de baixa médica e a pagar o valor das despesas hospitalares e dos tratamentos médicos que o demandante, nessa decorrência, suportou, a liquidar em ulterior execução de sentença; No pagamento ao mesmo demandante da indemnização relativa a danos futuros, que vierem a produzir-se, a liquidar em execução de sentença; A pagar ao demandante BB, a quantia de 5.481,96 euros, a título de indemnização pela perda de benefícios, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento A pagar ao demandante BB, a quantia de 2.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais. acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento

Mais foi condenado o arguido/demandado, a pagar ao mesmo demandante a indemnização relativa a danos futuros, relegando-se para incidente de liquidação a fixação da compensação pelos danos futuros, com o limite peticionado

  1. O Ministério Público não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): I. Não concorda o Ministério Público com a convolação efectuada pelo Tribunal a quo, porquanto absolveu o arguido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido, pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al) l, todos do Código Penal de que vinha acusado e condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa integridade física simples, previsto e punido pelo artigo143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de €1.080,00 (mil e oitenta euros)

    1. Também não concorda o Ministério Público que o Tribunal não disponha de prova cabal (diga-se documentação) para condenar o demandado no pagamento integral peticionado

    2. Não há dúvidas que o arguido cometeu um crime de ofensa à integridade física, e no caso, entendemos que as circunstâncias que rodearam a agressão revelam uma especial censurabilidade do mesmo

    3. A ofensa à integridade física na pessoa de um agente da autoridade, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, em pleno exercício de funções, no quarto que o arguido tão bem conhecia (ou seja, sabia que na rectaguarda do militar da GNR se encontrava uma mesa de vidro) e “após ser chamado pelos militares da GNR e pelos bombeiros que acorreram ao local acabou por acordar, e sem, mais levantou-se e desferiu um empurrão no militar da GNR BB que foi projectado para trás e caiu em cima da mesa de vidro que ali se encontrava” – facto 8 dado como provado), merece uma censurabilidade especial, bastante superior àquela que se associa, em geral, a este tipo de ilícito

    4. Entende-se que a conduta do arguido revela, com efeito, um especial “desvalor”, na medida em que traduz uma atitude de especial desprezo para com a função da vítima e o poder de autoridade de que esta está investida naquele preciso momento, atitude essa que merece, por isso, uma censura especial, pois, pese embora o arguido tivesse naquele momento “acordado”, a verdade é que se apercebeu quem eram as pessoas que estavam no seu quarto, e numa atitude de total desprezo pelas funções desempenhadas pelo militar empurrou-o com violência o qual acabou por cair em cima de uma mesa de vidro (que o arguido sabia que ali se encontrava)

    5. Entende-se que o tribunal a quo violou os artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al) l, devendo por via disso, ser revogada a sentença e substituída por outra que condene o arguido pelo crime de um crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido, pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al) l, p. e p. pela citada disposição legal

    6. No âmbito do PIC formulado, o tribunal a quo entendeu dar como não provados os factos relativos aos encargos que o Estado Português teve com o militar da GNR em virtude das lesões sofridas, considerando que inexistia, quanto a tais despesas, prova segura e cabal dos concretos valores liquidados por parte do Estado Português, condenando o demandado a pagar ao demandante, no que se liquidar em execução de sentença, e uma vez que o Assistente ainda não se encontra totalmente recuperado das lesões sofridas, condenando ainda o demandado a pagar ao demandante, a indemnização relativa aos danos futuros, relegando-se para incidente de liquidação e fixação da compensação pelos danos futuros

    7. Salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, quando considerou que não detinha os elementos suficientes para fixar o montante das rubricas acima descritas, porquanto da análise de toda a documentação junta aos autos, devidamente identificada no pedido de indemnização cível, dúvidas não subsistem que, efectivamente, o tribunal dispunha de prova mais do que suficiente para fixar a indemnização a atribuir ao Estado Português

    8. Acresce que, o tribunal no âmbito dos presentes se tinha dúvidas no que concerne aos montantes em apreço, poderia e deveria ter diligenciado no sentido da junção dos que considerava que deveriam ser junto, desde logo, pela incumbência que o art.º 411.º do C.P.C. atribui ao juiz de diligenciar oficiosamente pela obtenção de provas

    9. Entende-se que foram incorrectamente julgadas as als. f), g) e h) na medida em que as razões e os elementos probatórios constantes dos autos e de acordo com as regras da lógica e da experiência, impunham ao Tribunal a quo que inferisse e concluísse, sem margem para dúvidas, que o demandante pagou os montantes peticionados e, se dúvidas existissem, no que concerne aos valores peticionados, por questões de economia processual, bem como de acordo com o Principio do Inquisitório, deveria o Tribunal a quo ter diligenciado por forma a obter “prova cabal” dos pagamentos efectuados pelo Estado Português, e ao não o fazer, violou o art.º 411º do C.P.C

  2. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo

  3. O arguido apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento

  4. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente

  5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo arguido em que reitera dever o recurso ser julgado improcedente

  6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência

    Cumpre apreciar e decidir

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido

    Impugnação da matéria de facto/existência de elementos probatórios para a condenação do arguido nos concretos termos pelo Estado Português peticionados

  7. A Decisão Recorrida O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): Da acusação pública: 1. No dia 21.11.2017, cerca das 20:30 horas, foi efectuada uma comunicação para o posto territorial da GNR de … dando conta que AA se encontrava a provocar desacatos no empreendimento turístico CC sito na Rua …, …, em …, mais concretamente, a provocar estragos em portas, janelas e na zona da piscina; 2. De imediato, dirigiu-se para o local uma patrulha da GNR composta por BB e DD que se encontravam no exercício das suas funções e devidamente uniformizados; 3. Chegados ao local, os militares da GNR supra referidos em 2. verificaram a existência de vestígios de sangue no portão de entrada; 4. BB e DD verificaram que no interior daquele empreendimento turístico haviam mesas e espreguiçadeiras viradas no chão; 5. BB e DD constataram também que AA se encontrava deitado numa cama, no interior da sua residência, sendo ainda visível marcas de sangue na coberta e a existência de vidros partidos espalhados pelo chão; 6. Perante tal cenário, os militares da GNR, BB e DD, decidiram chamar os bombeiros ao local e quando estes chegaram entraram no interior do quarto onde o arguido se encontrava aparentemente a dormir dirigindo-se para junto do arguido; 7. Quando se...

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