Acórdão nº 046/23.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Outubro de 2023
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: Banco 1... S.A., sociedade comercial com sede em Avenida ..., ... Lisboa, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ...16 (doravante “Recorrente”), notificada, a 2 de março de 2023, de decisão arbitral proferida a 23 de fevereiro de 2023 no âmbito do processo arbitral 397/2022-T, vem, ao abrigo do artigo 25.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), declarar a sua intenção de INTERPOR RECURSO da referida decisão – com fundamento em oposição com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo arbitral n.º 58/2020-T, quanto à mesma questão fundamental de direito – para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (doravante “Douto Tribunal ad quem”) nos termos do artigo 27.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a processar nos termos do artigo 152.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 3, do RJAT, com efeito suspensivo atento o disposto no artigo 26.º, n.º 1, do RJAT, por não se conformar com o sentido decisório dela resultante.
Alegou, tendo concluído: DOS PRESSUPOSTOS DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE DECISÕES JURISDICIONAIS PREVISTO NO ARTIGO 25.º, N.º 2, DO RJAT A) Nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, as decisões recorrida e fundamento estão em oposição quanto à seguinte questão fundamental de direito: definição dos conceitos jurídicos de disponibilização do bem locado e de gestão do contrato de locação financeira e, concomitantemente, das tarefas abstratamente subsumíveis a cada um de tais conceitos; B) No entender da Recorrente, encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a admissão do presente recurso, a saber: (i) trânsito em julgado da decisão fundamento; (ii) prolação das decisões em processos distintos; (iii) identidade das situações fácticas; (iv) existência de um quadro legislativo substancialmente idêntico; (v) necessidade de decisões opostas expressas, e (vi) dissonância da decisão recorrida com a jurisprudência mais recentemente consolidada desse Douto Tribunal ad quem; C) A decisão arbitral fundamento transitou em julgado em janeiro de 2023 – cfr. documento n.º 2; D) A decisão arbitral recorrida foi proferida pelo Douto Tribunal a quo, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 397/2022-T. Diversamente, a decisão arbitral fundamento foi proferida por tribunal arbitral, igualmente constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 58/2020-T; E) Em ambos os arestos discute-se a admissibilidade de imposição pela Autoridade Tributária ao sujeito passivo do método da afetação real conforme estabelecido no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009 – e consequente afastamento do método do pro rata –, para efeitos de determinação do IVA dedutível suportado na aquisição de inputs de utilização mista; F) Por outro lado, as situações factuais subjacentes às duas decisões arbitrais são substancialmente semelhantes, partilhando as seguintes caraterísticas: • As Requerentes são instituições de crédito que prosseguem a atividade de locação financeira; • As Requerentes suportaram IVA na aquisição de inputs de utilização mista afetos quer a atividades que não conferem direito à dedução – v.g., a atividade de concessão de crédito – quer a atividades que conferem direito à dedução – v.g., a atividade de locação financeira; • As Requerentes entregaram declaração periódica de IVA, tendo aplicado o critério de imputação específico estipulado no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009; • Reputando de ilegal a sua aplicação, as Requerentes apresentaram reclamação graciosa das respetivas autoliquidações de IVA, tendo solicitado nesse contexto a aplicação do método do pro rata; • As reclamações graciosas foram indeferidas com fundamento no disposto no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, tendo a Autoridade Tributária pugnado pela inaplicabilidade do método do pro rata; G) Com efeito, nas duas decisões arbitrais discute-se a aplicação do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, e do disposto no artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do CIVA, na mesma redação e à luz da Diretiva IVA; H) Em ambos os arestos é igualmente invocada jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia – nomeadamente, a refletida nos Acórdãos Banco Mais (Processo n.º C- 183/13) e Volkswagen Financial Services (Processo n.º C-153/17) – atinente ao direito à dedução do IVA, no âmbito da atividade de locação financeira prosseguida por instituições financeiras, referente a inputs de utilização mista (i.e., a recursos indiferenciados); I) Também nas duas decisões arbitrais é aplicada a extensa jurisprudência desse Douto Tribunal ad quem sobre a matéria; J) De acordo com tal jurisprudência, o ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não se afigura aplicável sempre que, no âmbito da atividade de locação financeira, o sujeito passivo logre demonstrar que a utilização dos recursos indiferenciados foi sobretudo determinada pelas tarefas inerentes à disponibilização do bem locado, ao invés de pelas tarefas inerentes ao financiamento e gestão do contrato de locação financeira; K) Tanto quanto a Recorrente conseguiu apurar, inexiste qualquer pronúncia desse Douto Tribunal ad quem sobre a específica matéria de direito objeto do presente recurso – i.e., sobre a definição dos conceitos jurídicos de disponibilização do bem locado e de gestão do contrato de locação financeira e, concomitantemente, das tarefas abstratamente subsumíveis a cada um de tais conceitos; L) Na situação na origem dos presentes autos, o Douto Tribunal a quo decidiu que, no âmbito da atividade de locação financeira, as tarefas realizadas pela Recorrente não foram sobretudo determinadas pela disponibilização do bem locado, mas, ao invés, pelo financiamento e gestão de tais contratos; M) Fê-lo mediante a assunção da seguinte premissa: todas as tarefas subsequentes ao pagamento do bem ao fornecedor consubstanciam, de modo indiscriminado, tarefas de gestão do contrato; N) Pelo contrário, na decisão arbitral fundamento, o Tribunal Arbitral partiu da seguinte premissa: todas as tarefas subsequentes ao pagamento do bem ao fornecedor, cuja realização advenha da circunstância de o bem locado ser propriedade da Recorrente, são tarefas inerentes à disponibilização do bem locado; O) Em suma, a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento são frontal e expressamente opostas quanto à definição dos conceitos jurídicos de disponibilização do bem locado e de gestão do contrato de locação financeira e, concomitantemente, quanto à densificação das tarefas subsumíveis a cada um de tais conceitos; P) Tudo ponderado, está inequivocamente demonstrada a existência de oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, bem como o preenchimento de todos pressupostos legais necessários à admissão do presente recurso jurisdicional; Q) Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue verificada a referida oposição entre as decisões arbitrais em apreço, com os inerentes efeitos legais.
― DA INFRAÇÃO IMPUTADA À DECISÃO RECORRIDA R) Discorda a Recorrente do sentido decisório propalado pelo Douto Tribunal a quo, assente em manifesto erro de julgamento na interpretação e aplicação dos conceitos jurídicos de disponibilização do bem locado e de gestão do contrato de locação financeira (e, concomitantemente, das tarefas abstratamente subsumíveis a cada um de tais conceitos), à luz do princípio da neutralidade fiscal e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
― DO ERRO DE JULGAMENTO PATENTE NA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA S) À luz da jurisprudência europeia, designadamente do Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo n.º C-153/17), o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu que a parte das rendas relativa à amortização financeira – a qual, face à lei inglesa, é tributada em sede de IVA – não poderia ser excluída do método de cálculo do direito à dedução; T) Por seu turno, à luz da jurisprudência nacional, sempre que o sujeito passivo não consiga demonstrar, no âmbito da atividade de locação financeira, que a utilização dos seus recursos de utilização mista foi preponderantemente afeta às tarefas subjacentes à disponibilização do bem locado, a aplicação do método da afetação real, na aceção do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não merece censura. Neste caso, a parte das rendas relativa à amortização financeira não releva, só relevando a parte das rendas relativa aos juros. Na situação inversa, o sujeito passivo poderá aplicar o método do pro rata e, concomitantemente, também considerar a parte das rendas relativa à amortização financeira; U) Apesar de em Portugal a atividade de locação financeira mobiliária ser tributada em sede de IVA, assumindo a totalidade da renda o valor tributável da operação (cfr. artigo 16.º, n.º 2, alínea h), do CIVA), para efeitos de apuramento do IVA dedutível dos recursos indiferenciados – e, por conseguinte, do método de dedução a utilizar –, em prol de garantir que não se verificarão distorções significativas na tributação, aquela atividade é (artificialmente) dividida entre tarefas associadas ao bem locado vs. tarefas associadas à concessão e gestão do crédito; V) Face ao exposto, na perspetiva da Recorrente, da (árdua) aplicação conjugada da jurisprudência europeia e doméstica deve resultar a seguinte solução jurídica: em Portugal, no âmbito da atividade de locação financeira, os custos com recursos indiferenciados afetos a tarefas comummente desempenhadas no âmbito da atividade de concessão e gestão do crédito (atividade core das instituições...
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