Acórdão nº 014/23.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução25 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Acórdão 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.

1.2.

Invoca, no requerimento em que manifestou a sua intenção de recorrer, sumariamente, que a decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a 6 de Janeiro de 2023, no processo n.º processo 259/2022-T, a que se dirige o recurso, está em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, a 15 de Novembro de 2017, no processo nº 485/17, já transitada em julgado (ambas as decisões se encontram publicadas, respectivamente em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/ e www.dgsi.pt) 1.3.

As alegações que acompanharam aquela interposição - em que a Recorrente defende que as questões fundamentais de direito apreciadas nas decisões em confronto são as mesmas, que a decisão arbitral recorrida deve ser revogada e que deve ser uniformizada jurisprudência que acolha o sentido perfilhado pela decisão fundamento -, mostram-se finalizadas com as seguintes conclusões: «A.

O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B.

Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C.

No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D.

Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E.

Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

F.

Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

G.

Em ambos os casos, Recorrente e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

H.

Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

I.

Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

J.

Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2019 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

K.

Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao que foi apurado por recurso à aplicação do método de imputação específico, constante no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009, que expurga do campo do numerador a parcela da renda referente à amortização financeira do veículo.

L.

Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

M.

Ainda no âmbito da matéria de facto, nenhum dos Acórdãos – o arbitral e o fundamento (0485/17) – deu como provado que o IVA suportado com os custos mistos à actividade sujeita e à actividade sujeita, mas isenta, fosse predominante consumido pela gestão e financiamento de contratos de locação financeira, ou, ao invés, predominantemente pela disponibilização de veículos.

N.

No acórdão fundamento, foi dado como não provado que os custos em que o Banco incorreu no âmbito dos contratos de locação financeira fossem referentes a actos de disponibilização de veículo.

O.

No acórdão recorrido, no ponto JJ), foi dado como provado que existem recursos comuns afetos à “parcela” da atividade de locação financeira relativa à disponibilização de bens locados.

P.

No acórdão recorrido, no ponto KK), foi dado como provado que todas as estruturas envolvidas nas atividades de locação/ALD afetam indistintamente os recursos da Requerente, quer relacionadas com a disponibilização e gestão dos bens locados, quer com a gestão e financiamento dos contratos.

Q.

Na fundamentação da matéria de direito do acórdão recorrido, ainda que utilizada para defender que o ónus de prova se situa na esfera da Autoridade Tributária, o Tribunal arbitral.

R.

O que ressuma de ambos os acórdãos – o recorrido e o fundamento - é que não foi dado como provado que os custos gerais foram (ou não foram) consumidos sobretudo pelos atos de disponibilização de veículos, resultando de toda a matéria provada, o desconhecimento – ou o não apuramento – por ambos os Tribunais sobre se os custos gerais são influenciados e sobretudo, predominantemente absorvidos, pelos atos de disponibilização de veículos ou se pelo financiamento ou gestão de contratos.

S.

O Tribunal arbitral não conseguiu apurar, para o que aqui interessa, se aqueles custos comuns foram sobretudos determinados e consumidos pelo ato de disponibilização de veículos, se pelo financiamento e gestão dos contratos.

T.

Além daquela identidade fáctica, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

U.

No acórdão fundamento, entendeu-se que o decidido pelo TJUE no processo C-183/13, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, conforme extrato de transcrição efetuado nas alegações e para cuja leitura se remete.

V.

Assim foi decidido no acórdão fundamento porquanto, em sede de factos dados como não provados na sentença da 1.ª instância, fixou-se como não provado o facto de que os custos mistos, comuns à actividade isenta e à actividade sujeita, respeitassem à disponibilização de veículos objecto dos contratos de locação financeira.

W.

A decisão arbitral entendeu (contrariamente), por referência a diversas decisões arbitrais, de que se destaca a proferida no processo n.º 498/2018-T, que a solução da ora Recorrida de aplicar o método de imputação específico, escorado no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, era incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e, por consequência, com a solução proposta no artigo 23.º, n.º 3 e 4 do CIVA, não podendo a Autoridade Tributária aplicar um método de imposto específico para apurar a percentagem de dedução em sede de IVA, conforme extrato de transcrição efetuado nas alegações e para cuja leitura se remete.

X.

Perante a mesma factualidade – não se tendo apurado que os gastos gerais eram absorvidos sobretudo pelos actos de disponibilização de veículos – os acórdãos divergem na solução.

Y.

Sob esta precisa matéria, entendeu o STA, proferido no âmbito dos processos n.º 052/19 e 010/19, os quais vêm sendo secundados por diversos outros, entretanto decididos, que a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.

Z.

Às oposições apontadas soma-se a referente ao ónus de prova, nomeadamente sobre quem recai, se ao contribuinte, se à AT, tendo o acórdão do STA, processo 010/19, decidido no sentido de que que cabe ao sujeito passivo provar que a aplicação do método de imputação específico, presente no ofício-circulado 30108/2009, provoca distorções significativas de tributação, o que se concretiza...

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