Acórdão nº 4930/22.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução19 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA, residente na Rua ... (... Andar), em ..., ..., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou que na qualidade de sinistrada, intentou o Processo de Acidente de Trabalho n.º 359/11.... do Juízo do Trabalho ... (Juiz ...). Este processo prosseguiu para a fase contenciosa tendo sido realizada audiência final. No dia 9 de novembro de 2016 foi proferida sentença que considerou a autora curada sem incapacidade e condenou a ré seguradora a pagar somente a quantia que despendeu em deslocações em consequência do acidente. A Autora interpôs recurso desta sentença. No dia 14 de junho de 2017 foi proferido pela Relação de Guimarães um douto acórdão que determinou a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto. No dia 28 de janeiro de 2019 foi proferida nova sentença que era idêntica à anterior e decidiu nos mesmos termos. A Autora interpôs novamente recurso desta sentença. No dia 24 de outubro de 2019 foi proferido pela Relação de Guimarães um douto acórdão que revogou esta sentença com base em erro de julgamento e considerou que a Autora ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente para o Trabalho (IPP) de 80,00% com Incapacidade Permanente para o Trabalho Habitual (IPATH) e necessidade de acompanhamento permanente de terceira pessoa e de ajudas técnicas e medicamentosas e condenou a ré seguradora a pagar as prestações que eram devidas nos termos da Lei nº98/2009 de 4 de setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho). A ré seguradora interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, por decisão sumária proferida no dia 18 de junho de 2020, o recurso não foi admitido.

Mais alegou ter existido um erro grosseiro de julgamento que lhe causou diversos danos pelos quais pretende ser indemnizada.

Acrescenta que no processo foram proferidos dois despachos que indeferiram requerimentos probatórios que apresentou e que também foram revogados. Estes despachos foram proferidos nos dias 8 de abril de 2015 e 6 de outubro de 2015 e os acórdãos revogatórios foram proferidos nos dias 3 de dezembro de 2015 e 21 de janeiro de 2016.

O Réu contestou invocando a prescrição do direito da Autora relativamente à primeira sentença que foi proferida, e aos despachos que indeferiram os requerimentos probatórios, atendendo a que Autora foi notificada dos acórdãos revogatórios, respetivamente, nos dias 19 de junho de 2017, 7 de dezembro de 2015 e 25 de janeiro de 2016.

Mais alegou que as sentenças que foram proferidas não consistiram num erro grosseiro de julgamento. O que se passou foi apenas que os doutos acórdãos da Relação de Guimarães que foram proferidos fizeram uma diferente interpretação dos factos que estavam em discussão e do seu enquadramento na lei. Em momento algum estes doutos acórdãos referiram, ainda que apenas implicitamente, qualquer erro flagrante, manifesto ou grosseiro cometido nas sentenças.

Por outro lado, alega desconhecer que as sentenças que foram proferidas tenham causado à Autora os danos que descreveu.

A Autora apresentou réplica em que reconheceu que o fundamento para a sua pretensão era apenas a sentença que foi proferida no 28 de janeiro de 2019 e o douto acórdão da Relação de Guimarães que revogou esta sentença e que foi proferido no dia 24 de outubro de 2019; no entanto, os danos que foram causados devem ser reportados à primeira sentença que foi proferida no dia 9 de novembro de 2016.

Foi proferido saneador que julgou procedente a exceção perentória de prescrição que foi invocada pelo Réu, tendo sido decidido que os autos prosseguiam somente para apreciar o direito da Autora à indemnização que reclama relativamente à sentença que foi proferida no dia 28 de janeiro de 2019 e aos danos que possam ter sido causados por esta sentença.

A Autora não se conformou com o decidido na parte em que foi julgada procedente a exceção perentória de prescrição e interpôs recurso de apelação.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, decido julgar a presente ação integralmente improcedente e, em consequência, absolvo o réu do pedido contra si formulado.

*Custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

*Registe e notifique.” Em 25 de maio de 2023 foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação que decidiu julgar a apelação da Autora parcialmente procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida na parte em que julgou prescrito o direito da recorrente com base na decisão proferida em 9/11/2016, determinando que o tribunal conheça do direito da Autora relativamente às sentenças proferidas em 9/11/2016 e 21/1/2019 e aos danos que possam ter sido causados por essas decisões.

Inconformada com a sentença proferida, apelou a Autora concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1- Por douto acórdão proferido em 25 de maio de 2023, ou seja, já após a prolação da decisão final ora recorrida, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu revogar o despacho saneador na parte em que julgou prescrito o direito da recorrente com base na decisão proferida em 9.11.2016, e determinou que o tribunal conheça do direito da autora relativamente às sentenças proferidas em 9.11.2016 e 21.1.2019 e aos danos que possam ter sido causados por essas decisões.

2- O referido acórdão ainda não transitou em julgado, no entanto, o trânsito em julgado do mesmo sempre imporá ao Tribunal a quo que conheça do direito da Autora também relativamente à sentença proferida em 09 de novembro de 2016, o que não fez, pelo que sempre se imporá a anulação/nulidade da decisão ora recorrida com fundamento no Acórdão prolatado em 25 de maio de 2023, caso o mesmo transite em julgado.

3- Nos termos do artigo 195.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a procedência do recurso de apelação em separado determina, após trânsito, a baixa do mesmo e a anulação dos atos praticados posteriormente ao despacho saneador que dele dependam absolutamente, designadamente a anulação da Audiência de Discussão e Julgamento e da sentença ora recorrida, porquanto o tribunal a quo deverá, por determinação superior, conhecer do direito da autora relativamente às sentenças proferidas em 9.11.2016 e 21.1.2019 e aos danos que possam ter sido causados por essas decisões.

4- Sem conceder, a Recorrente discorda da solução de direito preconizada pela decisão final ora recorrida e da apreciação crítica feita pelo tribunal a quo dos factos provados entre 1 e 54 da decisão recorrida, pelo que o presente recurso versa sobre a decisão de direito a final proferida que decidiu julgar improcedente a ação porquanto considerou que não pode afirmar-se que ocorreu um erro grosseiro nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007 de 31 de dezembro.

5- Desde logo importa ter presente que a incapacidade da Recorrente e as sequelas físicas e psíquicas do acidente de trabalho sofrido é um facto notório, porque visível e percetível para qualquer cidadão comum regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos, pelo que seriam sempre incompreensíveis e injustificáveis as decisões que, no passado, julgaram a recorrente curada sem incapacidade e apta para o trabalho, o que em si mesmo importa um erro grosseiro na apreciação dos factos feita pelo senhor juiz julgador do Tribunal de Trabalho de ... nas decisões proferidas em 9.11.2016 e 21.1.2019.

6- De acordo com a fundamentação vertida na sentença recorrida (apreciação crítica dos factos provados), o Tribunal a quo sustenta que o erro na apreciação da matéria de facto ínsito nas decisões proferidas em 9.11.2016 e 21.1.2029, é um erro plausível e “desculpável” e que, por esse motivo não está ferido de negligência grosseira na apreciação dos factos visto que o mesmo poderá ser sustentado no entendimento maioritário dos peritos que compuseram a segunda junta médica em 03 de junho de 2014 (facto n.º 23 da sentença recorrida).

7- A sentença a quo julgou compreensível que as divergências entre os peritos se transmitissem ao tribunal porquanto o julgador está em posição de desvantagem porque não tem os conhecimentos técnicos dos peritos e dos médicos.

8- Ora, a decisão de que a aqui Recorrente estava curada sem incapacidade foi tomada em exclusivo pelo Julgador, e não pelos peritos, sendo que estes se limitaram a divergir de forma pouco clara e infundada de todos os demais peritos e médicos que prestaram assistência à sinistrada, inclusive dos médicos que prestaram serviço por conta da própria Ré seguradora, pelo que, diga-se em abono da verdade que, ainda que o relatório maioritário da segunda junta divergisse de todos os demais elementos de prova, sempre incumbiria ao julgador averiguar e indagar qual a razão determinante da incapacidade da então autora, se não de origem neurológica, qual seria então a causa das sequelas no corpo e mente da trabalhadora, em tudo evidenciadas por todos os demais meios de prova e percetíveis “a olho nu” pelo cidadão comum e médio, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Civil.

9- De facto existiu um parecer maioritário dos peritos do Tribunal e da Seguradora a sustentar que o quadro clínico da Autora “não tem etiologia orgânica, nomeadamente do foro neurológico” e que por esse motivo não atribuíram qualquer IPP por neurologia ou neurocirurgia à Autora, o que desde logo é bem diferente da decisão que concluiu que a aqui Recorrente estava curada sem incapacidade (cfr. facto 24 da decisão recorrida).

10- Desde logo, porque todos os demais elementos probatórios, careados para os autos, sem exceção, teriam permitido ao Senhor Juiz do Tribunal do Trabalho decidir que a...

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