Acórdão nº 331/20.3PCSTB.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelM. CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução26 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 331/20.3PCSTB.S2 Recurso Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório 1.

Em processo comum (tribunal coletivo) n.º 331/20.3PCSTB do Juízo Central Criminal de..., j... ., da comarca de Setúbal, na sequência do ac. do STJ de 24.11.2022 que declarou nulo o acórdão da 1ª instância de 3.03.2022, pelos motivos ali indicados, veio a ser proferido novo acórdão em 2.06.2023, sendo condenado o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistir agravado p. e p. nos arts. 165.º, n.º 1 e n.º 2 e 177.º, alíneas a) e c), do Código Penal (factos de 22.12.2020), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

  1. Inconformado com esse acórdão de 2.06.2023, recorreu o arguido em 27.06.2023 apresentando as seguintes conclusões (transcrição sem negritos nem sublinhados): 1. Produzida a prova o arguido foi condenado por um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 165.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, als. b) e c), todos do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos e 6 (meses) de prisão efetiva.

  2. O arguido e ora recorrente é primário.

  3. Sendo certo que o arguido não esteve presente em sede de audiência de discussão e julgamento não foi possível valorar a sua postura de contrição, arrependimento e colaboração também é certo que não pode ser prejudicado por essa falta de presença, quanto à aferição da sua posição quanto à matéria de facto considerada provada.

  4. O arguido foi ouvido pelas pelos técnicos da DGRSP com vista à elaboração do relatório social.

  5. Através desse relatório, fruto da entrevista efetuada ao arguido, foi careado para os autos o percurso de vida daquele, conforme pontos 18 a 48 da matéria considerada provada quanto ao contexto vivencial do arguido.

  6. O relatório produzido pela DGRSP manifestou o posicionamento do arguido perante a factualidade e perante a ofendida oferecendo uma opinião quanto ao mesmo totalmente desprovido de qualquer critério de avaliação daquelas declarações.

  7. As declarações do arguido sobre a ofendida, aquando da elaboração do relatório da DGRSP, estão desprovidas dos critérios da imediação, da oralidade e do contraditório algo que só o juiz de julgamento pode salvaguardar, não podem relevar para a condenação do arguido ou para a ponderação da sanção em face da matéria considerada provada.

  8. O acórdão recorrido ao utilizar as declarações obtidas para a elaboração do relatório social do arguido, quanto aos factos em discussão nos autos, sem as fazer passar pelo crivo da oralidade e imediação, baseando-se apenas na transposição para os autos daquelas declarações, viola os princípios da produção de prova conduzindo a um notório erro de julgamento.

  9. O relatório elaborado pela DGRSP e os factos considerados provados não podem permitir a caracterização do dolo e culpa de forma tão intensa.

  10. A ser útil para a avaliação da medida da culpa o relatório da DGRSP deverá ser entendido apenas na ótica de que o analfabetismo do arguido académico e funcional, associado à fraca interação social daquele apenas contribui para uma reduzida perceção da ilicitude e uma baixa medida da culpa.

  11. Não há do arguido um desinteresse e desprezo da ofendida, há sim uma limitação do arguido que conduz a uma incompreensão daquele quanto á factualidade e quanto á ofendida.

  12. A determinação da sanção efetivamente aplicada ao arguido deveria ter isto em atenção e deveria concluir que uma pena de prisão cumprida de forma efetiva apenas o afastará mais da integração social e profissional que mantém.

  13. Como se verifica a sentença recorrida inclusive utiliza os demais elementos constantes da acusação para fundar a sua convicção não obstante de em sede de audiência de discussão e julgamento não se ter logrado fazer prova de factos que conduzissem a condenações adicionais além da que foi proferida.

  14. Condenação essa que se coloca em crise em face da medida da pena e forma da sua execução.

  15. Está inserido social e profissionalmente.

  16. Ora ao crime relativamente ao qual foi condenado é suscetível de aplicar-se uma pena entre os 2 (dois) anos e 8 (oito) meses a 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

  17. O arguido primário foi condenado numa pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, com o devido respeito é muito e é desproporcional e é injusta.

  18. Pelo mero facto de o arguido ser primário deveria o tribunal a quo de proferir um juízo de prognose fundado na ausência de condenações no certificado do registo criminal do arguido e na inexistência de qualquer pendencia penal em investigação.

  19. A condenação deveria ter tido como limite o seu terço inferior quedando-se no máximo nos cinco anos de prisão e ser suspensa na sua execução.

  20. Só assim haveria proporcionalidade entre a pena decidida e o dolo, culpa e factos decorrentes da conduta ilícita do arguido.

  21. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que ao arguido se deveria aplicar uma pena de prisão, mediante os factos considerados provados, numa duração que impossibilita a sua suspensão.

  22. As exigências de prevenção especial, relativamente ao arguido, são baixas e nunca deveriam ter sido avaliadas da forma tão elevada como o foram.

  23. Em face de tudo o exposto acredita o recorrente, que se está perante uma medida da culpa desmedida, quando reportada ao objeto do processo e áquilo que se logrou provar em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que não deverá ser ponderada uma pena superior a cinco anos de prisão.

  24. Da mesma forma acredita, o recorrente, que a forma de cumprimento desta pena deve ser revista e alterada.

  25. O arguido nunca viveu de forma contrária à lei e aos bons costumes.

  26. Deve o tribunal concluir por um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento convencendo-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas pela imposição de deveres, bastarão para o aproximar do cumprimento da norma.

  27. Torna-se por demais claro que a suspensão da execução da pena de prisão sujeita a um regime de prova apertado, nos termos do art.º 53.º do Código Penal terão um pleno sucesso na reintegração social do arguido e na sua plena interiorização do desvalor e correção dessas mesmas condutas.

  28. Termos em que se reitera a discordância com a sentença na parte em que sustenta e decide por uma pena de prisão em regime de efetiva reclusão em meio prisional.

  29. Termos em que deve ser alterada, não só a medida da pena nos termos expostos, mas a forma de execução da pena proferida na sentença recorrida.

  30. A pena de 5 (cinco) anos e 6 (meses) de prisão efetiva em que foi condenado o arguido deve ser substituída por uma pena de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período.

    Termina pedindo o provimento do presente recurso e, em consequência, deve ser alterada a medida da pena em que foi condenado, de forma a poder a ser suspensa nos termos do art.º 50.º do Código Penal, sujeitando-se o arguido a regime de prova, nos termos do art.º 53.º do Código Penal.

  31. O Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1ª – Em obediência ao acórdão proferido em 24 de Novembro de 2022 pelo Supremo Tribunal de Justiça, realizou-se em 24 de Maio de 2023 novo julgamento (limitado à matéria pertinente à determinação da espécie e medida da pena a aplicar), onde o Recorrente compareceu e poderia ter expressado eventuais “arrependimento” e “contrição”; 2ª – Nem antes, nem durante, nem depois desse novo julgamento o Recorrente questionou o Relatório Social entretanto elaborado e junto aos autos, contrapondo-lhe qualquer objecção ou requerendo algo a seu respeito – antes tendo consentido expressamente na sua utilização no processo e declarado nada ter a acrescentar-lhe; 3ª – Por conseguinte, nada impede que o tribunal transponha para a matéria assente o posicionamento do Recorrente – que resulta dessa peça – perante os factos criminalmente puníveis e a própria ofendida (pontos 47 e 48 dos “Factos Provados”, que ele parece pretender impugnar, sem que o refira expressamente), tal como fez relativamente ao seu percurso de vida e enquadramento social, familiar e laboral (sem qualquer contestação); 4ª – Qualquer cidadão sem défice cognitivo, mesmo que de escassas ou nulas habilitações literárias, está ciente da proibição legal de impor a prática de actos sexuais a outrem incapaz de se auto-determinar livremente nesse domínio; 5ª – Contra o Recorrente militam severamente o elevado grau de ilicitude dos factos, o seu censurável modo de execução, o expressivo grau de violação dos deveres que lhe eram impostos para com a ofendida, a actuação com dolo directo de intensidade acentuada, os muito reprováveis sentimentos manifestados no cometimento do crime, a ausência de evidências de interiorização do desvalor da conduta, as fortes exigências de prevenção geral e as não despiciendas necessidades de prevenção especial; 6ª – Na determinação da medida concreta da pena o tribunal fez adequada aplicação dos critérios contemplados no art. 71º nºs 1 e 2 do C.P. e ponderou judiciosamente as finalidades das penas consagradas no art. 40º nº 1 do mesmo código, pelo que a pena de cinco anos e seis meses de prisão deverá ser mantida; 7ª – Para o caso de a pena de prisão vir a ser reduzida para medida não superior a cinco anos (hipótese que não se admite e apenas por dever de ofício se equaciona), não deverá haver lugar à suspensão da respectiva execução; 8ª – Com efeito, a ausência de antecedentes criminais não pode ser erigida em critério exclusivo ou preponderante do recurso ao instituto da suspensão da execução da pena (por traduzir tão-só o comportamento conforme ao direito exigido e esperado de qualquer cidadão), ao passo que o enquadramento laboral já se verificava aquando do cometimento dos factos (não sendo, de resto, incomum em agentes de crimes da mesma natureza); 9ª – Perante a natureza e as circunstâncias do crime cometido, a personalidade assim...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT