Acórdão nº 1033/20.6T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.

Relatório 1.

AA, BB e Estudotécnico- Consultadoria Técnica, Estudos e Projectos Eléctricos, Lda, intentaram acção declarativa sob processo comum contra CC, DD e EE, peticionando que seja declarada: A - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3) da quantia de 5.800.000$00- €28.930,28 celebrado em 20 de Fevereiro de 1997.

B - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3), da quantia de 6.000.000$00- €29.927,87 celebrado em 14 de Fevereiro de 2000.

C - Em consequência deve ordenar-se o cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo nº 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Gaveto ..., nºs 12, 16 e ..., nºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

D - Em alternativa deve declarar-se a prescrição do direito sobre os mencionados créditos e a consequente extinção da obrigação dos 1ª AA e 2ªA: E - Em consequência da extinção da obrigação deve ordenar-se a extinção e cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo nº 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Gaveto ..., nºs 12, 16 e ..., nºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da maia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

2.

Como fundamento da referida pretensão, os Autores alegaram, em síntese que, por escritura de 19/10/1993 os 1ºAA declararam adquirir a FF a fração identificada nos autos, venda essa que veio a ser declarada nula por simulação, com consequente destruição dos seus efeitos e cancelamento dos registos, porém, o 1ª A. dera-a em hipoteca a GG, tendo celebrado com este escritura de Reconhecimento de Dívida e Hipoteca, de forma simulada, sem que alguma vez tenha havido qualquer entrega ou empréstimo de quaisquer quantias, tendo sido celebrada apenas para forçar FF a liquidar os valores que devia à 2ª A.

Concluem que como a escritura de Reconhecimento de Dívida e Hipoteca foi um acto simulado, é nulo e não produz quaisquer efeitos, devendo ser cancelado o registo daquela hipoteca.

Posteriormente, foi ainda celebrado uma outra escritura de Reconhecimento de Dívida e hipoteca, também simulada, a favor de HH, ao qual foi também cedidos os alegados créditos de GG, sem que tenha comprado, nem querido comprar os alegados créditos, nem tendo pago qualquer quantia pelos mesmos.

Sem prescindir, e em alternativa, os AA alegaram a prescrição do direito, porque sobre a constituição dos alegados créditos já passaram mais de vinte anos, quer quanto ao alegado crédito do GG cuja escritura de reconhecimento de dívida e hipoteca foi celebrada em 20/2/1997, quer do crédito cuja escritura de confissão de dívida e hipoteca foi celebrada a 14/2/2000.

3.

Os Réus deduziram contestação conjunta, invocando a excepção do caso julgado face à sentença transitada em julgado proferida no Proc. Nº 1883/13.0... e, impugnaram os factos alegados pelos AA por os desconhecerem, sendo os herdeiros de HH e não tendo tido intervenção ou conhecimento daqueles negócios.

Mais peticionaram a condenação dos AA como litigantes de má-fé, em multa e indemnização condignas.

4. Foi proferido despacho a admitir a intervenção principal provocada de II, herdeiro de GG e de JJ, ao lado dos Réus.

5.

Dispensada a realização de audiência prévia, exercido o contraditório por escrito, foi elaborado despacho saneador, com conhecimento da excepção do caso julgado, tendo sido proferida a seguinte decisão final: “Pelo exposto, o Tribunal: a) nos termos dos artigos 278º nº 1 alínea e), 576º nºs 2 e 3, 577º alínea i), 580º, 581º e 595º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, absolve da instância os Réus CC, DD, e EE; b) julga improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelos Réus.

Nos termos dos artigos 297º nºs 1, 2, 301º nº 1 e 306º do mesmo diploma, fixo o valor da ação em € 67.537,23 (por referência ao valor máximo das hipotecas).

Custas a cargo dos Autores.

Registe e notifique.” 6.

Inconformados, os Autores/Apelantes interpuseram recurso de apelação da sentença final.

7.

O recurso foi conhecido no Tribunal da Relação do Porto, que decidiu: “Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelos Apelantes/Autores, mantendo-se o saneador/ sentença recorrido.” 8.

Foi interposto recurso de revista excepcional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 28/2/2023, o qual foi objecto de despacho de admissão no referido tribunal, dizendo: “Sendo tempestivo o requerimento de interposição de recurso de Revista Excepcional e tendo os Recorrentes para o efeito legitimidade, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça para que a Formação de Juizes prevista no art. 672º nº 3 do CPC conheça da verificação dos pressupostos da mesma.” 9. A revista excepcional veio assim justificada: “…presente recurso de revista excepcional ser admitido, por se verificar, no caso concreto, os requisitos previstos no artigo 672º n.º1 alínea a) e alínea c) do Código de Processo Civil: “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e “O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.” 10.

Nas conclusões do recurso diz o recorrente (transcrição): I - O Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, e vem da mesma recorrer.

II - No caso sub júdice, as questões em análise são:

  1. Quanto ao Caso Julgado, saber se existem identidade de sujeitos quando ocupam posições diferentes no processo e se existe identidade de pedido quando em processos diferentes se requerem a nulidade de realidades jurídicas de natureza diferente, pois num processo requer-se a nulidade das hipotecas (uma garantia real) e no outro requer-se a nulidade dos reconhecimentos de dívida (títulos de crédito).

  2. Quanto à Prescrição, se deve esta operar pelo decurso do tempo ou se pode ocorrer a interrupção sem que esta tenha sido promovida pelo credor.

    III - Na primeira questão, Quanto à exceção e à autoridade do caso julgado é imperioso estabelecer uma interpretação da exceção do caso julgado e da autoridade do caso julgado quando em processos diferentes se requerem a nulidade de realidades jurídicas de natureza diferente, pois num processo requer-se a nulidade das hipotecas (uma garantia real) e no outro requer-se a nulidade dos reconhecimentos de dívida (títulos de crédito).

    IV - Se por um lado, para parecer haver identidade, no nosso humilde entender essa identidade não existe, tanto que a decisão no processo 1883/13.0... tem como finalidade libertar o imóvel dos ali autores FF e KK da hipoteca e aqui pretende-se discutir a nulidade do direito de crédito, V - Além de que nos presentes autos também se invoca a prescrição do direito de crédito, pedido que nada tem a ver com a primeira ação.

    VI - Assim, como é sabido, para existir a exceção do caso julgado é necessário estarmos perante ações que tenham as mesmas partes, os mesmos pedidos e as mesmas causas de pedir.

    VII - Ora, confrontando a presente ação judicial com a do processo que correu termos sob o nº 1883/13.0..., verificamos que estamos perante ações que não têm as mesmas partes, não têm os mesmos pedidos, nem têm as mesmas causas de pedir.

    VIII - Desde logo, as partes num e noutro processo, ocupam posições diferentes.

    IX - Quanto aos pedidos, nos presentes autos pede-se que se declare: A - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3), da quantia de 5.800.000$00 - € 28.930,28, celebrado em 20 de Fevereiro de 1997.

    B - A nulidade, por simulação, do Reconhecimento de Dívida e Hipoteca (Doc. 3), da quantia de 6.000.000$00 - € 29.927,87, celebrado em 14 de Fevereiro de 2000.

    C - Em consequência deve ordenar-se o cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo n.º 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no Gaveto ..., n.ºs 12, 16 e ..., n.ºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da ..., descrito na 1ª Conservatória do Registro Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

    D - Em alternativa deve declarar-se a prescrição do direito sobre os mencionados créditos e a consequente extinção da obrigação dos 1ºs AA e 2ª A; E - Em consequência da extinção da obrigação deve ordenar-se a extinção e cancelamento das hipotecas que incidem sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um Comércio, no rés-do-chão, entrada pelo n.º 99, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado no ... e ..., n.ºs 91, 99 e 101, da freguesia e concelho da ..., descrito na 1ª Conservatória do Registro Predial da ... sob o nº 193, inscritas pelas Ap. 65 de 1997/02/21 e Ap. 34 de 2000/03/29.

    X - Já na ação nº 1883/13.0... os pedidos foram os seguintes:

    1. Se declare que a venda referida em 1) da Petição Inicial é nula por simulada; b) Se declare que são nulas, por simuladas, as hipotecas constituídas sobre a fracção e referidas em 23) da Petição Inicial, bem como a cessão de crédito e transmissão de garantia entre os 2º e 3º Réus referida em 24) da Petição Inicial; c) Sejam cancelados os registos lavrados com base na escritura de compra e venda referida em 1) da Petição...

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