Acórdão nº 4689/20.6T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2023
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recorrentes: AA, BB, CC e DD Recorrida: EE I. — RELATÓRIO 1.
A Autora propôs a presente acção de investigação de paternidade pedindo que fosse reconhecido que FF é seu pai.
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As Rés contestaram, deduzindo a excepção peremptória de caducidade.
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A Autora respondeu, alegando que o prazo de caducidade do direito de acção só começou a correr em 4 de Maio de 2020.
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O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente.
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O Tribunal da Relação revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, “julgando-se procedente a ação e reconhecendo-se que FF é pai da Autora”.
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Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de revista.
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Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
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O acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artº 615º nº 1 alínea d) ex vi do artº 666º nº 1 do CPC, por omissão de pronuncia relativamente à questão suscitada pelas ora recorrentes na contra alegação do recurso de apelação com fundamento em que a apelante não cumpriu o disposto no artº 639º nºs 1 e 2 do CPC porquanto as conclusões do recurso não foram apresentadas de forma sintética; b) Tal nulidade constitui fundamento da presente revista nos termos do artº 615º nº 4 ex vi do artº 666º nº 1 do CPC aqui invocada para os devidos e legais efeitos; c) O acórdão recorrido não procedeu a uma análise criteriosa dos meios de prova, nomeadamente os invocados pela apelante para alterar a decisão de facto da 1ª Instância referente aos pontos 7 e 8 dos Factos Provados, conforme se desenvolveu no corpo destas alegações; d) Uma análise criteriosa impõe ao julgador que escalpelize os depoimentos prestados, apreciando a consistência, segurança, coerência entre si e com os demais que apresentam a mesma versão dos factos, conjugando-os com as regras da experiência e da lógica para conseguir valorizar umas das “realidades dos factos” apresentada em detrimento da outra; e) Não cumpriu, pois, a decisão recorrida o poder/dever que lhe impõe o artº 607º nº 4 do CPC ex vi do artº 663º nº 2 do mesmo diploma; f) O exercício do poder cognitivo imposto por aquelas disposições legais é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual, competindo ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no nº 4 do citado artº 607º - v. sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019, proc. 24369/16.6T8LSB.L1.S1; g) Deverão, pois, os autos voltar ao Tribunal da Relação para que ali se proceda à análise crítica dos concretos meios de prova indicados como fundamento da impugnação no que toca aos factos 7 e 8 dos FP, o que é imposto pelo artº 682º nº 3 do CPC; h) Ainda que de outro modo se entenda, a matéria factual dada como assente no acórdão recorrido, completada e interpretada também com os expresso teor da carta de ... de julho de 2006 (não impugnada e que deve ser considerada na decisão por força do disposto no artº 607º nº 4 do CPC ex vi do artº 663º nº 2 do mesmo diploma e como consequência do preceituado no artº 376º do Código Civil) impõe a sua revogação por se mostrar preenchida a previsão do artº 1817º nº 3 alínea b) do Código Civil aplicável por força do artº 1873º do mesmo diploma; i) Efetivamente, tendo-se dirigido em 2006 a uma advogada que, representando-a, escreveu em ... de julho de 2006 uma carta ao investigando solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade, anotando que caso contrário recorreria à via judicial, e tendo realizado o exame hematológico com vista àquele objetivo, a Autora demonstrou que considerava que seu pai biológico era o investigando ou que, no mínimo, suspeitava que o fosse; j) Sendo certo que em 2006 e em 2007 ainda não vigorava a redação da alínea b) do nº 3 do artº 1817º do CC (Lei 14/2009 de 1/4) – que estabelece que a ação de investigação pode ser proposta nos prazo de três anos, ainda que seja decorrido o prazo de 10 anos posteriores à maioridade, quando o investigante tenha conhecimento de facto ou circunstâncias que justifiquem a investigação – impunha-se à Autora que tivesse recorrido à via judicial antes de decorridos 3 anos sobre a entrada em vigor daquela nova redação, ou seja, até 2 de abril de 2012; k) Não existe fundamento para que a Autora pudesse ter usado da “cláusula geral de salvaguarda” impeditiva da caducidade, objeto do nº 3 do artº 1817º do CC; l) Não releva o facto de não ter recorrido à via judicial por alegadamente não dispor de possibilidades financeiras para o pagamento do custo do exame – como sustentou a Autora na petição inicial, porquanto, quer por força dos artºs 13º nº 2, 20º nº 1 e 268º da Constituição da República, quer por força do artº 5º da Lei 46/2007 de 24/8 – Lei de Acesso aos Documentos da Administração Pública – poderia ter obtido acesso gratuito ao resultado do exame; m) Também não é putativamente sustentável que a Autora pudesse ter a expectativa de que, enquanto vivo, o investigando viesse a reconhecê-la como filha algo que, aliás, teria cessado com o respetivo óbito em 3 de julho de 2017, impondo então que o prazo de 3 anos se contasse a partir desta data, devendo a ação ser proposta até 3 de julho de 2020, o que não sucedeu; n) A Autora deveria ter norteado a sua conduta com o mínimo de diligência, recorrendo oportunamente à via judicial, sobretudo a partir do momento em que não dispunha do relatório do exame hematológico, falta de diligência que a impede de beneficiar da já aludida “cláusula geral de salvaguarda”; o) Aguardando, seja até 2012 (data do termo do prazo de 3 anos na sequência da nova redação do citado artº 1817º nº 2 alínea b) do CC), seja até ao falecimento do investigando (em 3 de julho de 2017), para apenas em 6 de novembro de 2020 (na sequência de uma putativa carta anónima) instaurar a presente ação de investigação de paternidade, a Autora conduziu-se com grave negligência, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e, sobretudo, pelo fim social do direito à propositura da presenta ação de investigação, sendo, consequentemente, ilegítima tal propositura face ao disposto no artº 334º do CC, questão que é de conhecimento oficioso; p) Revogando a sentença de 1ª Instância, e não tendo como caduco o direito à propositura da presente ação de investigação de paternidade, o acórdão recorrido violou por erro de interpretação e de aplicação o disposto no artº 1817º nº 1 alínea b) do CC ex vi do artº 1873º do mesmo diploma, a interpretar e a aplicar no sentido propugnado nas presentes alegações e conclusões, impondo-se a sua revogação, com a consequente improcedência da ação; Decidindo-se nos termos expostos e naqueles que V. Exªs doutamente suprirão será feita a habitual Justiça ! 9.
A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: Quanto à invocada nulidade nos termos do artigo 639 nº.1, 615 al. d) do e 682 nº. 3 do CPC: 1. As RR. tal como os Venerandos Desembargadores compreenderam e atentaram às conclusões apresentadas. Na verdade, prevê o artigo 639 nº.3 que caso se viesse a entender que as conclusões padeciam de algum vicio, sempre a A. as podia corrigir.
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Assim, a invocada nulidade padece de falta de fundamento legal, pois que as RR. o que pretendem é apenas protelar no tempo os presentes autos, pois que, nenhum efeito útil aquela nulidade traria aos presentes autos, pretendendo as mesmas substituírem-se ao papel do Julgador, que na análise dos factos e na interpretação da escrita das conclusões não se lhes assacou qualquer deficiência, obscuridade ou complexidade, o que é manifesto face à fundamentação do Acórdão.
Quanto à matéria de Facto alterada na relação: 3. Insurgem-se as RR. de forma genérica com a alteração da matéria de facto constante dos factos provados pontos 7 e 8.
Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, publicado em www.dgsi.pt: “II. A decisão de facto é da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, nomeadamente, quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto.
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A lei adjetiva impõe ao recorrente que impugna a decisão de facto que individualize os factos que estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir, sendo que a violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afetada.” 4. Assim, considerando que as RR. não invocam de forma precisa quais os meios de prova que impunham decisão diversa, deve o pedido das mesmas ser liminarmente rejeitado.
Quando assim não se entenda: 5. Entendem as RR. que a eliminação dos ponto 7 dos factos provados e alteração do ponto 8 foi efetuado sem cumprimento de uma análise critica da prova, visto que no entender das mesmas – “E nem consta que os respetivos subscritores tenham procedido à audição das gravações das declarações e depoimentos”.
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Ora tal afirmação só poderá ser de má fé, pois que de uma breve leitura do Acórdão é feito um resumo do depoimento de todas as testemunhas, pelo que, facilmente se constata que os Venerandos Desembargadores analisaram toda a prova proferida, Atestando inclusive “Em consequência da reapreciação da matéria de facto o facto n.º 7 foi julgado não provado e modificada a redação do n.º 8 que passou a ser: Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em ... .6.2006, uma carta a FF, solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade.
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Assim, em consequência da reapreciação, ou...
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