Acórdão nº 24369/16.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

O Banco AA, S.A. (A.), instaurou, em 06/10/ 2016, ação de impugnação pauliana contra BB - Construção e Obras Públicas, S.A. (1.º R.), CC (2.º R.) e DD, S.A. (3.ª R.), alegando, no essencial, o seguinte: .

Em 27/10/2011, a 1.ª R. celebrou com o Banco A. um “Acordo de Liquidação Parcial e Reestruturação de Dívida” respeitante às diversas empresas que integram o Grupo “EE”, de que aquela R. fazia parte; .

No âmbito desse acordo, as responsabilidades da 1.ª R. para com o A. ficaram reduzidas a dois contratos de conta corrente caucionada no montante global de € 5.058.300,00; .

Com vista à liquidação integral deste capital, o Banco A. concedeu à 1.ª R. um empréstimo no referido montante, com a data-valor de 30/12/ 2011, pelo prazo de 120 meses, cuja última prestação de reembolso se venceria em 30/12/2021; .

O empréstimo foi realizado de uma só vez, com a mesma data-valor, através duma conta de depósito à ordem de que a 1.ª R. era titular junto do Banco A.; .

Para garantia do pagamento do capital mutuado, respetivos juros e demais encargos, a 1.ª R. entregou ao Banco A. uma livrança de caução por ela subscrita e avalizada pelo 2.º R., fixando-se como valor máximo do aval a quantia de € 2.700.000,00; .

O pagamento da quantia mutuada foi também garantido por hipotecas voluntárias constituídas pela 1.ª R., em primeiro grau, sobre três imóveis: um prédio urbano sito na freguesia de …, município de …, avaliado em € 2.327.300,00, um prédio rústico sito na freguesia do …, município de …, avaliado no valor de € 144.600,00, e um prédio misto sito na freguesia de …, município de …, no valor de 331.200,00, descritos, respetivamente sob n.º 3.668, n.º 607 e n.º 8264 das correspondentes conservatórias do registo predial; .

Foram ainda dados em garantia dois penhores sobre valores mobiliários; um constituído pela sociedade “EE, SGPS, S.A.” e outro pelo 2.º R.; .

Tendo a 1.ª R. deixado de cumprir o contrato em 30/04/2016, o A. procedeu, em 24/08/2016, à interpelação daquela e do seu avalista para efetuarem o pagamento da quantia então em dívida no total de € 4.857.647,42, incluindo o capital de € 4.507.117,69, juros e demais encargos, acabando por considerar resolvido o contrato, sendo que, à data da propositura da ação, a dívida ascende ao valor total de € 6.394.860,28; .

Sucede que a 1.ª R. vendeu à 3.ª R. os seguintes imóveis: 1 - Prédio rústico sito em …. ou …, Quinta ..., freguesia de …, concelho de …, descrito sob o n.º 257 na respetiva conservatória do registo predial; 2 - Prédio misto sito em Quinta …, freguesia de …, concelho de …, descrito sob o n.º 327 na respetiva conservatória do registo predial 3 - Prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito sob o 326 na respetiva conservatória do registo predial; 4 - Prédio misto sito na freguesia do …, concelho de …, descrito sob o n.º 1522 na respetiva conservatória do registo predial; 5 - Prédio misto Quinta da …, sito na freguesia de …, concelho de …, descrito sob o n.º 1526 na respetiva conservatória do registo predial; 6 - Prédio rústico sito na freguesia de …, concelho de … descrito sob o n.º 318 na respetiva conservatória do registo predial; 7 - Prédio misto sito na freguesia de …, concelho de …, descrito sob o n.º 1523 na respetiva conservatória do registo predial; 8 - Prédio rústico sito na freguesia do …, concelho de …, descrito sob o n.º 1524 na respetiva conservatória do registo predial; 9 - Prédio rústico sito na freguesia de …, concelho de …, descrito sob o n.º 319 na respetiva conservatória do registo predial.

.

Os referidos contratos de compra e venda foram celebrados em 23/ 12/2011, 31/01/2012, 24/02/2012, e 04/05/2012 e 20/07/2012, portanto, à exceção do celebrado em 23/12/2011, em data posterior à constituição do crédito do Banco A.; .

Tal alienação teve em vista impedir a satisfação futura do crédito do A., tendo tanto a 1.ª R. como a 3.ª R. consciência desse prejuízo.

Concluiu o Banco A. a pedir que fossem declarados ineficazes, em relação a ele, as vendas dos referidos imóveis, realizadas pela 1.ª R. a favor da 3.ª R., com o consequente reconhecimento da possibilidade de executar estes bens no património da adquirente. 2.

Entretanto, o Banco A. desistiu do pedido quanto ao 2.º R., o que foi homologado a fls. 709-710.

3.

As 1.ª e 3.ª R.R. contestaram a impugnar a alegação da intenção que o Banco A. lhe imputa de impedirem a satisfação do respetivo crédito e a invocar que dos negócios em causa resultou o acréscimo patrimonial da 1.ª R., concluindo pela improcedência da ação.

4.

Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 727-745, datada de 15/03/2018, a julgar a ação procedente, declarando-se ineficazes, em relação ao A., na medida do seu crédito, os contratos de compra e venda dos prédios acima identificados.

5.

Inconformadas, as 1.ª e 3.ª R.R. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede impugnação da decisão facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 868-903, de 07/02/2019, a julgar, por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, a ação improcedente, mantendo a decisão recorrida.

6.

Novamente inconformadas, as mesmas R.R. vêm pedir revista, alegando que o acórdão recorrido não envolve dupla conforme no respeitante à requerida ampliação da decisão de facto, mas que, a não se entender assim, a mesma seja admitida como revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – O acórdão recorrido, ao julgar improcedente a apelação, desatendeu a pretendida modificação da decisão de facto, quanto aos Factos Provados 28 e 29, ao aditamento de determinados factos e a invocada nulidade por omissão de pronúncia; 2.ª - Em relação aos Factos Provados 28 e 29, as R.R. contestaram as presunções alcançadas pelo tribunal da 1.ª instância por desconformidade com as regras que regem a distribuição do ónus da prova e as presunções judiciais, constantes dos artigos 342.º e 349.º e seguintes do CC, o que configuraria uma inconstitucionalidade material por violação do artigo 20.º, n.º 4, da CRP; e requereram a modificação da decisão recorrida, no sentido de dar como não provada a matéria impugnada.

3.ª - Também pugnaram pela ampliação da decisão de facto, indicando, em cumprimento do ónus vertido no artigo 640.º do CPC, os concretos pontos da matéria de facto que deveriam ser dados como provados com expressa remissão para os meios probatórios.

4.ª - Defenderam tratar-se de factos essenciais para a boa decisão da causa que foram invocados nos articulados e provados no decurso da audiência final, que revelam o quadro circunstancial que envolveu o ato impugnado (i.e. a venda da Quinta da …), permitindo aferir da verificação “in casu” dos pressupostos da impugnação pauliana, nomeadamente do nexo de causalidade entre o ato impugnado e a impossibilidade de satisfação integral do crédito; 5.ª - E ilustram a evolução negativa, não imputável às R.R., das garantias dadas ao financiamento pelo A., mais concretamente das ações AA; facto que assume todo o protagonismo no julgamento da exceção do abuso de direito invocada pelas R.R..

6.ª - Foi ainda rejeitado o aditamento de um facto complementar revelado na instrução da causa - «Na altura em que a Quinta da … foi vendida, a 1.ª Apelante tinha conhecimento dos estudos realizados pelo Banco FF de Investimento que indicavam que o fluxo financeiro libertado pela atividade do Grupo EE, em particular a que estava a ser desenvolvida no …, seria suficiente para liquidar toda a sua dívida bancária, incluindo o financiamento do Banco Apelado.» -, do qual as R.R. pretendiam ver incluído à luz do dever judicial de tomar em consideração todas as provas produzidas (tenham ou não resultado da parte que as deveria apresentar) e de dar como provados ou não provados os factos relevantes para a decisão da causa que emana dos artigos 413.º e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC; 7.

ª – A Relação rejeitou a ampliação pretendida por considerar a matéria instrumental, conclusiva ou de direito e que não se inclui no objeto do litígio tal como foi fixado pelo tribunal de 1.ª instância - «O direito da A. satisfazer os seus créditos sobre a 1.º Ré à custa dos imóveis vendidos por esta à 3.ª Ré» (cf. p. 68).

8.ª - Em relação ao facto complementar, o tribunal superior entendeu ainda que a matéria havia sido objeto de análise em sede de fundamentação da sentença.

8.

ª – Porém, a rejeição do recurso no tocante à ampliação do acervo fáctico com fundamento na natureza instrumental da matéria que foi alegada pelas partes, sendo esta essencial para a decisão de direito (pressupostos da impugnação pauliana e verificação da exceção do abuso de direito), contende contra os poderes de cognição impostos ao julgador pelos artigos 5.º, 413.º e 607.º, n.º 3 a 5, do CPC.

9.

ª - Estando em causa matéria sobre a qual existe uma única decisão (o acórdão ora impugnado) e invocando as R.R. erro de aplicação ou interpretação da lei processual pela Relação, afigura-se não haver lugar à limitação da dupla conforme estabelecida no artigo 671.º, n.º 3, do CPC 10.ª - O recurso do tribunal de 2.ª instância sobre presunções judiciais fora do quadro legal dos artigos 342.º e 349.º e seguintes do CC constitui matéria de direito que cai na esfera de competência do STJ vertida no artigo 674.º, n.º 3, do CPC.

11.

ª - Ademais, a decisão recorrida promove uma incorreta interpretação e aplicação da lei processual no julgamento da ampliação da matéria de facto e ofende lei substantiva, tornando lícita a intervenção do tribunal ad quem; 12.ª - Assiste, assim, às R.R. o direito de impugnar o acórdão na parte respeitante à decisão da matéria de facto com fundamento na inobservância das regras probatórias e na violação dos poderes de cognição resultantes dos artigos 342.º, 349.º e 612.º do CC e dos artigos 5.º, 413.º e 607.º, n.º 3 a 5 do CPC, pelo que deve ser admitido o presente...

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