Acórdão nº 2863/21.7T8CBR-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No processo de inventário subsequente a divórcio para partilha de bens comuns, em que é cabeça de casal AA e interessada BB veio esta reclamar da relação de bens com os seguintes fundamentos: - A verba nº 1 não é bem comum, pois apenas se trata de uma conta bancária titulada pela interessada e os dinheiros ali depositados advieram-lhe por doação de sua mãe, primeiro, e por óbito daquela, depois; - A relação de bens omite dois créditos do património comum sobre o cabeça de casal, pois procedeu ao levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco ..., com o nº .............-7, da quantia de € 15.138,30, de que se apropriou, fez inteiramente sua e usou em seu exclusivo interesse e benefício; - No período de junho a dezembro de 2020, o seu ex-marido pagou parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no montante total de € 1.500,00, através da referida conta bancária.

Sobre a reclamação recaiu a seguinte decisão: “(…) improcede a reclamação à relação de bens, devendo ser corrigida a verba nº 1 da relação de bens, passando a constar com a seguinte redacção: Verba nº 1 Conta bancária de depósito com o nº IBAN 50......................47, da Caixa Geral de Depósitos, que à data apresentava um saldo de € 27.765,54.

* Relativamente à falta de relacionamento de dois créditos do património comum sobre o cabeça de casal, do levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco ..., com o nº .............-7, da quantia de € 15.138,30 e de € 1.500,00.

A conta bancária referida é um bem comum.

Não houve lugar a produção de prova testemunhal sobre estes factos.

Dos documentos juntos aos autos não nos é permitido concluir que o cabeça de casal fez tais transferências para uma conta própria.

Logo, a interessada deveria ter feito prova que os valores ali depositados não eram bens comuns e não o fez.

Como tal, presumindo a lei a comunicabilidade dos bens móveis – artigo 1725º do Código Civil - improcede a reclamação à relação de bens.” Inconformada, a interessada BB apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, visando a alteração nos seguintes termos: “(…) deveria ter sido dado com provado na decisão de que aqui se recorre (e deve o Tribunal da Relação proceder agora a essa alteração, nos termos do já referido art.662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) que “O cabeça-de-casal, para pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, procedeu à transferência duma conta bancária comum no Banco ..., com o n.º .............-7, de outras quantias, agora no total de €1.500,00, nos seguintes valores parcelares:

  1. Em 15-06-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00; b) Em 06-07-2020 retirou daquela conta a quantia de €300,00; c) Em 18-08-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00; d) Em 06-10-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00; e) Em 02-11-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00; f) Em 26-11-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00; e g) Em 28-12-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00.”.

    W. Uma vez mais, sendo os montantes em causa bens comuns a ambos os agora ex-cônjuges (quer por força da presunção contida no art. 1725.º do Código Civil, quer por força da contitularidade da conta quer, por último, por força do reconhecimento que assim é por parte do aqui recorrido) e tendo-se demonstrado que os mesmos foram retirados à disponibilidade da interessada, aqui recorrida, co-titular de tais valores, para serem usados para pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos em que se encontrava a mãe do ora recorrido, terá de se reconhecer a existência dum crédito do casal, nesse valor, sobre a pessoa que o movimentou ou levantou – o cabeça-de-casal, aqui recorrido.

    X. Deverá, pois, ser aditada à relação de bens uma verba autónoma analisável num novo crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal agora no valor de €1.500,00.

    O Recorrido cabeça de casal contra alegou pugnando pela improcedência da apelação.

    /// A Relação de Coimbra proferiu acórdão que alterou a matéria de facto, vindo a proferir a seguinte decisão: “…, julga-se o recurso parcialmente procedente e determina-se: 1 – A subtração da quantia de €14.417,00 à verba n.º 1 da relação de bens.

    2 – A inclusão na relação de bens de uma verba com este teor: «Crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no montante de €15.138,30.» 3 - A improcedência do recurso quanto ao resto.

    Custas na proporção de 78% pelo Recorrido e de 22% pela Recorrente.” Inconformado, o cabeça de casal AA interpôs recurso de revista, no qual apresenta as seguintes conclusões: 1- O presente recurso tem por objeto um Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que incide sobre a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, no incidente de reclamação à relação de bens comuns, no processo especial de Inventário subsequente ao divórcio entre recorrente e recorrida, e do qual o ora Recorrente não se conforma, pelos motivos já explicitados e que fundamentam o presente recurso.

    2- Nos autos de inventário em que é cabeça de casal AA e interessada/reclamante BB, a mesma apresentou reclamação contra a relação de bens junta pelo cabeça de casal no seguintes termos: 1 - A verba nº 1 da relação de bens não é bem comum, pois apenas se trata de uma conta bancária titulada pela interessada e os dinheiros ali depositados advieram-lhe por doação de sua mãe, primeiro, e por óbito daquela, depois.

    2 - A relação de bens omite dois créditos do património comum sobre o cabeça de casal, pois procedeu ao levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco ..., com o nº .............-7, da quantia de € 15.138,30, de que se apropriou, fez inteiramente sua e usou em seu exclusivo interesse e benefício.

    3 - No período de junho a dezembro de 2020, pagou parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no montante total de € 1.500,00, através da referida conta bancária.

    3 – É a matéria de facto supra citada que a Reclamante alega e que tinha de provar, o que não fez; pelo que, bem andou o Tribunal da 1ª Instância, ao decidir como decidiu.

    4 - O Tribunal de 1ª Instância deu como provados os factos constante nos pontos 1 a 6 da matéria de facto provada na decisão proferida e como não provados os factos constantes nos dois parágrafos da matéria de facto não provada, os quais se dão aqui todos por reproduzidos para todos os efeitos legais.

    5 - No Douto Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação reapreciou a matéria de facto alterando a matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância, nos seguintes termos: 1 – O ponto 4 dos factos provados passou a ter a seguinte redação: “4.

    A conta referida em 3.

    tinha depositada, à data de 21.08.2020 e até 15.09.2020, a quantia de € 27.765,54, mas dos dinheiros depositados nesta conta a quantia de € 14.417,00 foi recebida pela interessada BB após a morte da sua mãe através de transferências bancárias efetuadas pelo seu irmão e como a sua quota parte na herança deixada por aquela.” 2 - Acrescentou o ponto 4/A, com a seguinte redação: “Após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio em ... de Janeiro de 2020), foram depositadas na conta identificada como > da relação de bens, as seguintes quantias: € 3.200,00 (em 22 de Novembro de 2020), € 2.000,00 (em 01 de Dezembro de 2020) e € 1.600,00 (em 30 de Janeiro de 2021).” 3 - E eliminou os dois factos não provados pela 1ª Instância supra citados considerando-os matéria de facto provada.

    6 – Salvo o devido respeito, não se concorda com a matéria de facto dada como provada no ponto 4 a partir de “(…) mas (…) até aquela.” e do ponto 4-A do acórdão ora recorrido, e do qual ora se recorre.

    7 - A decisão proferida no incidente de reclamação à relação de bens comuns no processo de inventário, incide sobre matéria substantiva que influencia a partilha dos bens comuns do extinto casal; razão pela qual foi atribuído efeito suspensivo pelo tribunal da 1ª instância ao recurso interposto sobre aquela decisão.

    8 – Conforme entendimento dominante na Doutrina e na Jurisprudência, o ónus da prova cabe ao reclamante, no caso em apreço, à reclamante BB, ora Recorrida; pois, quem alega a falta de relacionação de bens tem o ónus de prova dessa falta. Neste sentido, entre outros, cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10-11-2016, Processo nº5002/13.2TBBRG-A-G1, disponível em www.dgsi.pt 9 – A Reclamante não fez prova dos factos por si alegados, como bem decidiu o Tribunal da 1ª Instância.

    10 – No que respeita à quantia de € 14.417,00 como bem próprio da reclamante, a nova redação do ponto 4 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação, partiu de um facto dado como não provado pelo Tribunal da 1ª Instância.

    11 - O acórdão recorrido diz no ponto 1, al. b) da fundamentação o seguinte: “Afigura-se que procede a impugnação nesta parte pelas seguintes razões: (I) Á partida dir-se-ia que não seria difícil fazer prova desta factualidade, pois bastaria juntar os extratos das diversas contas e mostrar o percurso do dinheiro até à sua entrada na conta PT50 .... .... ........... 77 da CGD (...).” Apesar disso, a convicção forma-se no sentido de que a quantia em questão, que entrou na conta bancária acabada de referir, teve como...

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