Acórdão nº 0852/10.6BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO MACHETE
Data da Resolução19 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório 1.

Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), vem o MUNICÍPIO DE VALONGO recorrer do acórdão daquele Tribunal datado de 8.04.2022, na parte em que, que, negando provimento ao recurso de apelação que interpôs, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (“TAF Pnf”) pela qual foi julgada parcialmente procedente a ação de indemnização intentada contra si por A..., S.A., condenando-o, essencialmente com base na omissão do dever de fiscalização viaturas indevidamente estacionadas causadora da não perceção pela autora de receitas contratualmente previstas: «i) A indemnizar a Autora [– isto é, a ora recorrida –] por quantia correspondente à diferença entre os montantes arrecadados no estacionamento à superfície e os montantes que corresponderiam a 40% de ocupação de lugares existentes efetivamente pagos, à taxa de 0,45€/hora, em cada uma das freguesias (com exclusão dos lugares da Rua do …, no local onde decorreu a obra levada a cabo pela “B..., S.A”, pelo período da sua duração), desde 22/12/2007 até 02/12/2010, data da entrada da presente ação em Tribunal; ii) No pagamento de indemnização, a apurar em liquidação de sentença, desde 03/12/2010 até 31/12/2017, altura em que houve transferência da fiscalização para a concessionária (excluídos os lugares e períodos temporais em que houve ocupação de lugares concessionados por motivo não imputável ao réu); iii) Quantia essa acrescida de juros à taxa legal até integral pagamento, em montante total a liquidar em incidente de liquidação de sentença.».

  1. A autora, ora recorrida, propôs em 2.12.2010 uma ação de indemnização contra o réu, ora recorrente, pedindo: a) A condenação do réu no pagamento da quantia de 2.694.385,59 €, a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual (artigos 22.º da Constituição e 7.º do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas [“RCEEP”, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro] ), «valor esse igualmente devido no âmbito da responsabilidade contratual, em face do cumprimento defeituoso dos contratos de concessão de exploração e de constituição dos direitos de superfície celebrados»); b) A condenação do réu no pagamento da quantia de 413.287,50 €, em resultado da quebra de receita bruta devida pela ocupação de 67 lugares na Rua de …, em Ermesinde, «uma vez que até à presente data [da proposição da ação] nunca foi efetuada nenhuma fiscalização pela ocupação dos referidos lugares»; c) A condenação do réu no pagamento de uma indemnização no valor de 12.152,00 €, pela ocupação de 49 lugares concessionados na Rua do …, freguesia de Valongo; d) Aos montantes assim encontrados acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação [– que ocorreu em 22.12.2010 –] até integral pagamento (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil); e) A condenação do réu a indemnizar a autora pelos danos que se verificam atualmente, e pelos danos futuros que venham a verificar-se, na esfera jurídica patrimonial desta (atinente à concessão da exploração dos lugares de estacionamento na via pública), em montante a liquidar em execução de sentença, pelo incumprimento dos deveres de fiscalização do estacionamento; f) A condenação do réu no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso do réu no cumprimento dos deveres legais de fiscalização que lhe estão legal e contratualmente cometidos, a contar da sentença de condenação que venha a ser proferida, ao abrigo do nº 1 do artigo 829º-A do C. Civil.

    Na sequência da contestação, em que o réu pugnou pela improcedência da ação, foi proferido despacho saneador, realizada uma perícia a pedido das partes e realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

    As partes apresentaram requerimentos probatórios, tendo sido interposto recurso de um despacho de indeferimento de prova requerida, o qual já foi decidido definitivamente (cf. o Ac. STA de 10.09.2020, P. 0852/10.6BEPNF-S1, acessível a partir da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase).

    Ambas as partes alegaram por escrito, tendo cada uma delas juntado um parecer jurídico.

    Em 2.10.2020 foi proferida a sentença, que, conforme referido, julgou a ação parcialmente procedente.

  2. Não conformado, o réu apelou para o TCAN. A autora contra-alegou e interpôs recurso subordinado, ao qual respondeu em contra-alegação o réu. Cada uma das partes juntou novo parecer jurídico. Na sequência de tal iniciativa, houve lugar a adendas aos pareceres juntos na fase de recurso.

    Pelo acórdão ora recorrido, o TCAN negou provimento a ambos os recursos.

  3. Irresignado, veio o réu interpor o presente recurso de revista, formulando no final da sua alegação as seguintes conclusões: «1º A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, em matérias de relevância jurídica, económica e social que justificam a intervenção excecional do Venerando Supremo Tribunal Administrativo; 2º Tendo o tribunal “a quo” fundado a responsabilidade extracontratual do Município na omissão de deveres legais, concretamente os deveres de fiscalização que lhe são impostos pelo artº 5º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de fevereiro, a responsabilidade do Município só existiria se a lesão invocada pela Recorrida tivesse ocorrido no círculo de interesses protegidos pela norma violada; 3º Tal não se verifica, porque as normas legais e regulamentares que disciplinam o tráfego de pessoas e veículos, incluindo as normas relativas ao estacionamento, em nenhum caso têm em vista a proteção do lucro das entidades gestoras de parcómetros e/ou concessionárias de espaços de estacionamento.

    1. O Tribunal “a quo” interpretou, e aplicou, de forma incorreta o artº 2º nº 2 do D.L. nº 48051, de 21 de novembro de 1967, e os artºs. 7º e 9º do RREE, instituído pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.

    2. No que respeita à responsabilidade contratual do Município, a única situação de incumprimento detetada e provada nos autos refere-se ao facto de o Município “nunca ter efetuado fiscalização do cumprimento das regras de estacionamento nos 67 lugares concessionados à Recorrida na Rua de …, Ermesinde”.

    3. O Tribunal “a quo” extrai dos contratos um dever genérico de fiscalização que ora contraria o que foi expressamente convencionado pelas partes nos contratos de concessão (nas versões anteriores a 20 de novembro de 2007), ora amplia os deveres estipulados nesses mesmos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT