Acórdão nº 417/18.4PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I.

RELATÓRIO 1.

Por Acórdão datado de 24 de março de 2023, …, foi decidido: Condenar o arguido … pela prática de um crime de furto qualificado, pp.

pelo 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo prazo de 3 anos, com regime de prova; * 2.

Inconformado com a decisão, dela recorre o …, formulando as seguintes conclusões … … 4ª Da prova produzida em audiência de julgamento, não resulta, inequivocamente, prova direta de que o arguido tenha assaltado a dita exploração agrícola, no dia em causa ou em qualquer outro.

5ª Os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados são os referidos em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 dos factos dados provados.

6ª Contudo, analisados todos os depoimentos transcritos e demais elementos de prova, conjugados entre si, a verdade é que se IMPUNHA que se tivesse dado como não provada a matéria factual supra mencionada.

7ª A prova indireta usada no acórdão recorrido não permite concluir pela participação do arguido no assalto à mencionada exploração agrícola.

8ª Com efeito, nenhum agente da PSP, nem nenhuma testemunha, afirmou ter visto o arguido a introduzir-se na propriedade … 9ª A Polícia de Segurança Pública procedeu à inspeção judiciária ao local que foi objeto de assalto, … 11ª Naquele relatório de inspeção judiciária em momento algum se diz que o autor dos factos terá entrado com recurso a escalonamento de rede ou arrombamento de portas, não se verificando documentado, quer naquele relatório, quer na reportagem fotográfica, qualquer rede ou qualquer arrombamento de portas.

13ª Afirma o Tribunal a quo que o ofendido, …, confirmou em audiência de julgamento que seguiu, juntamente com o ofendido …, o rasto dos objetos que estavam caídos junto à rede e pela estrada até à casa onde morava o arguido.

14ª Tal depoimento não se afigura minimamente credível.

… 18ª Se existisse um qualquer rasto de objetos o mesmo sempre teria sido avistado e, consequentemente, documentado, analisado e examinado pelos agentes que foram realizar a dita inspeção judiciária, que, de resto, como supra se disse, não documentaram qualquer rede ou porta arrombada.

19ª Foram recolhidos vestígios lofoscópicos, pese embora sem qualquer valor de informação, de uma coluna de som que se encontrava junto à rede que delimitava a dita propriedade, o que demonstra, uma vez mais, que tal rasto sempre teria de ter sido detetado pelos agentes que levaram a cabo a dita inspeção judiciária (cfr. auto de notícia e relatório de inspeção).

20ª Razão pela qual os depoimentos dos ofendidos … não merecem qualquer credibilidade, … 21ª Mais, referiram … que, no seu entender, o assaltante terá entrado na dita propriedade agrícola através de escalonamento, baixando e dobrando uma rede que delimita a propriedade, o que, uma vez mais, o Tribunal deu como provado (n.º 2 dos factos dados como provados).

22ª O que, no mínimo, é estranho.

23ª Porque razão o arguido, dando de barato a tese que foi o autor da prática dos factos, vivendo numa propriedade vizinha à que foi alvo de furto, se daria ao trabalho de dobrar e pular uma rede quando podia entrar por um portão que se encontrava aberto? … 26ª Mais, por que deixaria o arguido um suposto trilho de bens até onde reside? Seria desleixado e imprevidente a tal ponto? … 27ª De todo o exposto é forçoso concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.

28ª Por outro lado, afirma-se, no acórdão recorrido, que foram encontrados e apreendidos bens na residência do tio do arguido, … 29ª O facto de o arguido ter na sua posse algum ou alguns dos objetos furtados, não é suficiente como indício seguro e inequívoco, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi ele o autor dos factos.

… 31ª Os bens constantes do ponto 5 dos factos provados …, foram apreendidos e encontrados na residência onde o arguido vivia e que não era unicamente por si habitada, além de não ser sua propriedade.

32ª E aqui entramos na parte fundamental que respeita aos objetos apreendidos ao arguido e que, alegadamente, se encontrariam na exploração agrícola em questão; 33ª “Alegadamente” porquanto, ao contrário do que se diz no acórdão recorrido, não foi feito qualquer reconhecimento aos objetos que foram apreendidos na casa onde o arguido habitava, que, de resto, foram entregues ao ofendido … e sem precedência de qualquer ato de reconhecimento, constando dos autos apenas um termo de entrega dos aludidos objetos (cfr. fls. 9 dos autos).

34ª Os referidos objetos, mencionados no ponto 5 dos factos provados, nunca foram dados a reconhecer aos seus alegados titulares e, muito menos, em conjunto com outros objetos idênticos àqueles.

35ª Estas conjeturas nada têm a ver com a questão das provas indiretas ou indiciárias já que a jurisprudência tem entendido que este tipo de prova implica sempre demonstração do facto-base através da prova direta, e que esses factos-base se relacionem com o facto-consequência sem sombra de dúvidas, isto é, sem que seja possível retirar do facto-base outro ou outros factos-consequência que não aqueles que consubstanciam a prática do crime.

36ª Assim, não pode afirmar-se que ao arguido, ora recorrente, foram apreendidos bens subtraídos naquela propriedade, uma vez que não se pode afirmar que tais bens se encontravam no dito terreno que os ofendidos amanhavam, nem que deles era pertença; porque nenhum reconhecimento foi feito.

… 38ª Ademais, a prova produzida em audiência não permite concluir que tenha existido “escalamento” ou “arrombamento”.

39ª O próprio ofendido …, em declarações, referiu que encontrou a porta da adega/ “loja”, onde se encontravam guardados os seus bens e os bens de AA, aberta e que crê que tal abertura possa ter sido feita com o pé ou com as costas.

40ª Daqui resulta que a entrada nos ditos anexos da exploração em questão pelo assaltante se fez pela simples abertura dessas portas, abrindo o respetivo trinco e, portanto, sem qualquer arrombamento, escalamento ou chaves falsas.

… 42º Também não resulta dos autos a mínima prova que coloque o arguido, ora recorrente, no interior da dita propriedade.

43ª Na verdade, ninguém pode afirmar que viu o arguido e ora recorrente a abrir ou a tentar abrir, a estroncar ou a tentar estroncar a rede e ou as portas dos referidos anexos da exploração agrícola; porque a tal ninguém assistiu, ninguém.

… 47ª Ainda que com recurso ao Princípio In Dúbio Pro Reo impõe-se que se dê como não provado esse conjunto de factos, isto é, não se provou que o arguido e ora recorrente tenha acedido à dita exploração em causa, tenha estroncado a rede e forçado a abertura de portas, após o que se introduziu nos ditos anexos.

… 50ª Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda, sempre se dirá ainda o seguinte: Tendo em conta o local furtado, uma exploração agrícola, isto é, uns terrenos que continham uns anexos de apoio à agricultura, como, de resto, vem dito no acórdão recorrido por diversas vezes, ainda que fechado, não preenche o conceito constante da circunstância qualificativa de “espaço fechado” constante da al. e) do n.º 2 do artigo 204.º do CP.

51ª Assim, discorda o recorrente da qualificação jurídica efetuada pelo tribunal a quo, por se entender que, nesse caso, sempre deveria tal conduta ser enquadrada e punida pela alínea e) do n.º 1, do artigo 204º do CP, com reflexos ao nível da pena.

… 55ª Acaso, porventura, assim não se entenda, como se deixou exposto, o arguido só poderá ser condenado pela prática do crime de furto previsto no art.º 203.º, n.º 1, do CP.

* 3.

O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso, sustentando a manutenção do Acórdão recorrido.

* 4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, … …[1].

…[2] … …[3] … …[4] … …[5] … …[6] … …[7] … …[8] … * … *** II ACÓRDÃO RECORRIDO (transcrição das partes relevantes para o conhecimento do recurso) «(…) Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: 1. Em data e hora não concretamente apurada, mas entre as 18.00 horas do dia 19.04.2018 e as 08.15 horas do dia 20.04.2018, o arguido dirigiu-se a uma propriedade integrante da herança aberta por óbito de BB, sita na Estrada ..., cuja exploração agrícola se encontra cedida a CC.

  1. Aí chegado, o arguido dobrou e baixou a rede, com cerca de 1,80 metros de altura, que delimita a propriedade e, assim, transpôs a mesma e logrou aceder ao seu interior.

  2. Já no interior da propriedade, o arguido percorreu uma zona de quintal até aos anexos.

  3. Aí chegado, o arguido, através de método não concretamente apurado, estroncou a porta de acesso a uma loja/adega, onde entrou.

  4. Do interior da referida loja/adega o arguido retirou: - uma motosserra da marca...

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