Acórdão nº 720/23.1T8VIS-A. C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Outubro de 2023

Data10 Outubro 2023
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: António Fernando da Silva 1.º Adjunto: Falcão Magalhães 2.º Adjunto: Henrique Antunes Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. AA, BB, CC e DD intentaram acção contra A... d.a.c. Sucursal em Portugal, reclamando o pagamento do capital seguro, dos prémios pagos mas não devidos e dos juros, em função da celebração de contrato de seguro e da verificação do evento segurado (óbito de um dos tomadores). Alegaram que participaram o seguro, que facultaram as informações adicionais solicitadas pela seguradora, solicitaram informações sobre o pagamento à seguradora e lhes foi respondido por esta que aguardava a resposta a pedido de informações médicas, e que esta não efectuou qualquer pagamento, razão pelo qual actuaram a via judicial.

A demandada contestou, alegando, no que ora monta, que: - era necessário aferir se o sinistro estava abrangido pelo âmbito de cobertura das apólices de seguro, - não dispunha dos elementos clínicos necessários para concluir a avaliação do processo de sinistro, - solicitou à 1ª A. os relatórios médicos e exames relacionados com a causa do falecimento, o que aquela declinou por deles não dispor, - solicitou por duas vezes essa informação ao médico de família mas não obteve resposta, - não tem elementos que lhe permitam avaliar se a patologia que os autores invocam como causa de pedir é, por exemplo, anterior à adesão ao contrato de seguro em causa.

Em sede probatória, formulou a seguinte pretensão: «por se tratarem de documentos com evidente relevo para a boa decisão da causa e por serem documentos que não foram disponibilizados à ré, requer-se a V. Exa., nos termos do disposto no artigo 432.º do CPC, se digne oficiar o: a) Centro de Saúde ..., ACES Dão Lafões, sito na Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, 3600-180 Castro Daire, para vir juntar aos autos o processo clínico completo da pessoa segura.».

Realizada audiência prévia, nela foi, por despacho, enunciado: «Objecto do litígio: consequências do decesso do marido e pai dos autores à luz do contrato de seguro de vida celebrado com a companhia ré. Por se referir a matéria que, no actual estado do processo, se encontra controvertida, enuncio o seguinte tema de prova: cláusulas do contrato celebrado.» Nessa diligência e sobre a referida pretensão da R. recaiu o despacho impugnado, com os seguintes termos: «A possibilidade de o julgador notificar ou, mesmo, intimar terceiros a entregar, ao processo, documentos que estejam em seu poder, existe e é conferida, presentemente, pelos art.ºs 429º e 430º do código de processo civil. A documentação em causa nem sequer é tendente à prova de factos alegados relevantes para o mérito da causa e vertidos nos temas de prova – como exige, simultaneamente, a lógica das coisas e o art.º 410º do código de processo civil – antes, atento o teor da contestação da ré, para sustentar ou dissipar dúvidas sobre a ocorrência dos mesmos. Pese embora, o que está em causa é a sensibilidade da informação vertida nos documentos em apreço, ligada à saúde do falecido. A seguradora pretende seja junto ao processo, pelo Centro de Saúde ..., “o processo clínico completo da pessoa segura”. Algo tentou já obter, pelo menos, alguns dos documentos integrantes daquele conjunto, e a entidade em causa não acedeu ao pedido, o que nem estranha, desde logo por via quer da legislação referente à protecção de dados pessoais, mormente, a Lei nº 67/98 de 26 de Outubro, além do sigilo profissional e demais argumentos integrantes, por exemplo, do nº 3 do art.º 417º do código de processo civil. Tentando “conciliar” esta pretensão probatória com a dignidade inerente à pessoa do falecido, enquanto ser vivo que foi, ou com o direito dos autores à sua memória, no presente, sugeri que, atenta a causa de morte, fossem solicitados unicamente os elementos relativos à especialidade da cardiologia, pois que tenho por evidente que tudo o demais sempre seria irrelevante para o presente processo; debalde.

Nestes termos, e por respeito pela dignidade da pessoa do cidadão consultado e pela memória do mesmo, presentemente tutelada pelos autores, indefiro esta pretensão da ré.» Deste despacho vem interposto o presente recurso pela R., a qual concluiu nos seguintes termos: «1. Vem o presente recurso interposto do despacho de 26.05.2023 em que o Tribunal a quo indeferiu o requerimento probatório da apelante, na parte em que esta requereu que fosse oficiado o Centro de Saúde ... para juntar aos autos o processo clínico completo da pessoa segura, por ter o Tribunal a quo entendido que a documentação em causa não é tendente à prova de factos alegados relevantes para o mérito da causa.

  1. Entendimento que apelante não pode aceitar uma vez que quando apresentou a sua contestação não tinha conhecimento de qual era o estado de saúde da pessoa segura à data do óbito, e se esse estado já se verificava aquando da subscrição da apólice, 3. O que cumpria apurar, nomeadamente para aferir se a pessoa segura prestou falsas declarações, comprometendo a avaliação do risco efetuada pela apelante, o que a suceder constitui um facto extintivo da pretensão que os apelados aqui pretendem exercer, que a apelante teria tido a oportunidade de aditar aos temas de prova, nos termos do n.º 6 do artigo 588.º do CPC.

  2. Foi por isso que, tendo em conta as consequências da eventual prestação de falsas declarações pelo segurado – isto é, a nulidade do contrato de seguro – a apelante requereu a produção de prova nos termos do art. 429.º do CPC.

  3. E caso o Tribunal a quo tivesse – como devia – deferido o sobredito requerimento, e comprovando-se as falsas declarações, a apelante teria apresentado um articulado superveniente nos termos do art. 588.º do CPC.

  4. Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo impediu que a apelante exercesse o seu direito à justiça, limitando a defesa dos seus legítimos interesses, o que não se pode admitir.

  5. Acresce que, a apelante alegou expressamente não ter tido a possibilidade de avaliar o sinistro e que tal avaliação é um direito seu, 8. O que decorre do n.º 3 do artigo 100.º do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril e da alínea c), do n.º 5 da cláusula 16.ª das Condições Gerais do contrato de seguro, juntas aos autos como DOC. 2 da Contestação.

  6. Por outro lado, a junção de todo o processo clínico da pessoa segura é o único meio de prova que permite à apelante avaliar o sinistro e compete ao juiz autorizar a realização das...

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