Acórdão nº 3329/19.0T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução04 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.1. J... Unipessoal, Lda.

, e P..., Lda., intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a condenação da «Ré ao pagamento de: a) € 18.250,13 – referente a obras realizadas e não pagas pela 1.ª Autora, J... Unipessoal, Lda., acrescidos de juros moratórios, contados desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à presente data, à taxa legal em vigor, no valor de€ 3.728,90, o que perfaz um total de € 21.979,03; b) € 2.573,13 – referente a obras realizadas e não pagas pela 2.ª Autora, P..., Lda., acrescidos de juros moratórios, contados desde a data de vencimento da fatura até à presente data, à taxa legal em vigor, no valor de € 445,23, o que perfaz um total de € 2.573,13; c)Ao integral pagamento de custas de parte; c) ou, subsidiariamente, a restituir às Autoras aqueles valores a título de enriquecimento sem causa.

»*Os Réus contestaram separadamente, invocando o Réu BB a sua ilegitimidade passiva (com fundamento em nada constar, quanto à sua pessoa, da causa de pedir ou do pedido) e o desconhecimento de todos os factos alegados na petição inicial, bem como pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização. A Ré AA, que se defendeu por exceção e por impugnação, também requereu a condenação das Autoras como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

*As Autoras apresentaram respostas às contestações, tendo requerido a condenação do Réu BB como litigante de má-fé.

*Por despacho de 08.03.2021, na sua parte final, o Tribunal ordenou o que a seguir se transcreve: «Considerando ainda os lapsos admitidos pelas AA no que diz respeito aos valores contantes da PI, deverá ser apresentada uma nova PI que considere tais lapsos, para melhor compreensão do peticionado.

Prazo: 10 dias.» Em 15.04.2021, sob a referência Citius ...16, as Autoras apresentaram petição inicial aperfeiçoada.

*1.2.

Após outras vicissitudes, em 12.04.2023, foi proferido despacho saneador e, além do mais, despacho que se pronunciou sobre os requerimentos de prova, onde constam três segmentos decisórios relevantes para a apreciação do objeto do recurso, que se transcrevem: A) – «(…) Nas respostas que apresentaram às contestações, iniciaram as autoras os seus articulados com os seguintes dizeres, mais próprios de uma escrita quântica: “Preliminarmente: Dos Lapsus Lingua # As Autoras, ao longo da sua P.I., por lapso, referem-se sempre a “Réus” e não a Réus, pelo que onde se lê “Réus” deve entender-se Réus”.

… E, porventura na procura da demonstração da fácil correção do “lapso”, atiram sob o artigo primeiro da resposta à contestação da ré, a frase: “Alegaram as Autoras, no art.º 14.º da douta P.I., que a 1.ª Autora faturou à Réus os valores…” (sublinhado do signatário).

Veja-se, ainda, entre o mais, o vertido nos artigos 36.º e 38.º da resposta à contestação da ré: “O que consta de artigos 28.º, 29.º e 30.º da douta P.I. não são alegações das Autoras ou de sua responsabilidade, mas antes o resultado de uma sondagem a empresas concorrentes sobre experiências contratuais que tenham tido com a Réus”; “Assim, não compreendem as Autoras o porquê de pretender a Réus ver estas condenadas em litigância de má-fé e, especialmente, condenadas ao pagamento de uma indemnização a favor da Réus.”… Espantoso! Mas adiante… A 8.3.2021, proferiu o tribunal um despacho, subsequente ao que indeferiu um chamamento de terceira pessoa à demanda, nos seguintes termos: Considerando ainda os lapsos admitidos pelas AA no que diz respeito aos valores contantes da PI, deverá ser apresentada uma nova PI que considere tais lapsos, para melhor compreensão do peticionado.

Prazo: 10 dias.

Este despacho é, crê-se, suficientemente escorreito. Dele resulta, inequivocamente, terem sido as autoras convidadas à apresentação de nova petição inicial que ostentasse a retificação dos lapsos atinentes aos valores indicados na p.i. original, ou seja, e porque o despacho é proferido no contexto dos inúmeros articulados até aí apresentados nos autos, para exclusiva retificação dos valores que as autoras afirmam terem recebido da ré e daqueloutros que afirmam ainda estar pela ré em dívida.

Sucede que as autoras, ao arrepio dos estritos limites do convite formulado pelo tribunal, decidiram, a 15.4.2021, apresentar nova petição inicial onde, sob os artigos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 8.º, 13.º, 17.º, 20.º, 21.º, 24.º, 27.º, 29.º. 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 46.º, 49.º, 55.º, e 56.º, bem como no pedido, alteram a alegação original e passam a redigi-la no plural, por forma a, assim, incluírem o réu tanto na causa de pedir como no pedido.

Chegam ao ponto de, sob os artigos 13.º e 17.º, alterarem a alegação da propriedade do imóvel onde foram realizadas as obras, atribuindo agora a sua pertença aos réus, quando no articulado original atribuíam a propriedade somente à ré. Escapou apenas às autoras a alteração da alegação para o plural no artigo 50.º. Percebe-se. Passou-lhes despercebido. Onde está “cabendo-lhe [a ré] o pagamento” teria agora de estar “cabendo-lhes [aos réus] o pagamento”… E, portanto, ao contrário dos que afirmam as autoras no cabeçalho do requerimento em que a apresentam, a petição inicial “aperfeiçoada” não foi apresentada “nos termos determinados”.

A petição inicial foi, antes, apresentada num uso manhoso (para se repetir um termo já usado nestes autos, ainda que a despropósito) de uma faculdade concedida pelo tribunal às autoras.

Ora, em inúmeros anos de prática judiciária, esta é a segunda vez que o signatário deteta este comportamento de uma parte num processo judicial, que, evidentemente, se atribui ao seu mandatário judicial. Por força deste comportamento, e na sequência do estudo sério de todo o processado – estudo sério que é efetuado no evidente pressuposto de que toda a atividade processual das partes é séria também – foi o signatário confrontado com a necessidade absolutamente inusitada de comparar, palavra a palavra, toda a alegação levada às duas petições iniciais – a inicial e a dita “aperfeiçoada”. Atividade que, precisamente pela seriedade que se espera e exige de todos os intervenientes processuais num processo judicial, não só não era esperada como, acima de tudo, tomou tempo (horas) de trabalho mais próprio de um copista.

Ora, o signatário não admite que a seriedade do propósito das partes na vinda a tribunal, que tem sempre de se pressupor, seja assim, desta forma, desbaratada, sem consequências.

É que, como é evidente, com este comportamento procuraram as autoras única e exclusivamente alterar a alegação que formularam na petição inicial e introduzi-la sub-repticiamente no processo. Não há, como é notório, qualquer lapso na alegação levada à petição inicial no que à absoluta e total falta de alusão ao réu diz respeito. Esse lapso não se retira do contexto da alegação (ao contrário do que sucede com os valores alegadamente em débito). E, por outro lado, são as próprias autoras que o desmentem, designadamente quando sob o artigo 1.º da petição inicial dita “aperfeiçoada” afirmam: “As Autoras e a Ré AA celebraram acordos verbais, através dos quais os Réus encomendaram a cada uma das Autoras diversos serviços, designadamente, obras de empreitada, assistência técnica e fornecimentos”. Então, as autoras e a ré acordam e a obrigação que desse acordo resulta também cabe ao réu? A que título? Seguramente que as autoras não acreditarão que o contrato de empreitada constituirá um dos exemplos de produção de efeitos em relação a terceiros a que se reporta o artigo 406.º, 2 do Código Civil. Seria, portanto, pior a emenda que o soneto, pois pior que absolvição da instância seria a absolvição do réu do pedido que resultaria de tão atabalhoado “aperfeiçoamento”, por manifesta inexistência, quanto ao réu, de fonte da obrigação peticionada.

Assim sendo, e para que dúvidas não subsistam (pois, na realidade, pode sempre ter escapado ao signatário outra divergência, já que também a numeração dos quesitos periciais foi introduzida na nova pi “aperfeiçoada”…), desde já se determina que a única petição inicial que importa para os presentes autos é a original, a primeira entrada nos autos.

Com as seguintes alterações, as únicas que correspondem a uma efetiva alegação em lapso (que se retira, desde logo, da comparação do vertido nos artigos 16.º e 22.º da petição inicial): (…) Em rigorosamente tudo o mais – em tudo o mais! – vale a petição inicial original apresentada nestes autos.

*É lamentável que tenha tido o signatário a necessidade de proceder como até aqui.

Ora, tudo o que até aqui foi dito constitui clamoroso e inequívoco preenchimento da previsão da norma levada ao artigo 531.º do Código de Processo Civil. Para se ser benévolo (porque na realidade o que está indiciado é o dolo), dir-se-á somente que as autoras, aquando da apresentação do requerimento com a petição inicial “aperfeiçoada”, não agiram nem com a diligência, nem a prudência mínima que lhes é exigível num processo judicial.

Assim, condenam-se as autoras no pagamento de uma taxa sancionatória excecional no valor de 4UC.

» B) – «Quanto à legitimidade passiva do réu.

É evidente que lhe falta. Inexistindo norma legal determinativa dos titulares dos interesses relevantes numa causa como a presente, aferir-se-á tal interesse em função da relação jurídica controvertida tal como configurada pelas autoras na petição inicial – artigo 33.º do Código de Processo Civil.

Ora, vista a petição inicial, concretamente a factualidade atinente à causa de pedir, não se encontra a mais pequena sombra da contribuição do réu para a fonte da obrigação de pagamento peticionada, nem, aliás – valha-se a coerência – a dedução contra o réu de qualquer pedido.

E, portanto, estamos perante um raro caso de ilegitimidade processual passiva do réu para a demanda, que por ser uma ilegitimidade singular, é insuprível, e determina a absolvição do réu da instância – artigo 278.º, 1, d) do Código de...

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