Acórdão nº 21/20.7T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução03 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Singular nº 21.20...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foram submetidos a julgamento os arguidos [1]: 1.1. AA, divorciado, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1951, natural de ..., residente na Rua ..., ..., ... Guimarães, titular do CC nº ...; e 1.2.

DD, casado, filho de EE e de FF, nascido em .../.../1972, natural de ..., com domicílio profissional na Rua ..., ... ..., titular do CC nº ....

*2.

Em 09/01/2023 foi proferida a sentença que consta de fls. 638/654, depositada no mesmo dia, da qual emerge o seguinte dispositivo (transcrição [2]): “(...) Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas decido julgar a acusação pública procedente, por provada e, consequentemente:

  1. Condeno o arguido AA, como co-autor material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107º, nº 1 e 105º, n.ºs 1 e 5, todos do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, ficando no entanto a suspensão condicionada ao pagamento, em igual período e a contar do trânsito em julgado da presente sentença, da prestação devida à SS referida em g) dos Factos Provados e demais acréscimos legais.

  2. Condeno o arguido DD, como co-autor material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107º, nº 1 e 105º, n.ºs 1 e 5, todos do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, ficando no entanto a suspensão condicionada ao pagamento, em igual período e a contar do trânsito em julgado da presente sentença, da prestação devida à SS referida em g) dos Factos Provados e demais acréscimos legais.

  3. Condeno os arguidos AA e DD no pagamento ao Estado do valor de € 110.912,52 (cento e dez mil, novecentos e doze euros e cinquenta e dois cêntimos), nos termos dos artigos 110º n.ºs 1, al. b) e 4, do Código Penal.

  4. Mais julgo procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante Instituto de Segurança Social, IP, fls. 405 e ss. e, consequentemente, condeno os demandados AA e DD, no pagamento à demandante de € 110.912,52 (cento e dez mil, novecentos e doze euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo pagamento.

  5. Condeno os arguidos AA e DD nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (a cada um) e nas custas cíveis.

(...)”.

*3.

Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido DD interpor recurso para este tribunal da Relação, nos termos da peça processual junta a fls. 666/674, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1.

O arguido vem interpor recurso da Sentença proferida nos autos que o condenou na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p.p. nos artºs. 107º, nº 1, e 105º, nº 1 e 5, ambos do RGIT, ficando a suspensão condicionada ao pagamento, em igual período e a contar do trânsito em julgado da sentença da prestação devida à Segurança Social e fixada na mesma sentença.

  1. O arguido não se conforma com tal decisão, nomeadamente por a mesma resultar de errada decisão quando à matéria de facto dada como provada, sustentada em insuficiência de fundamentação dos factos dados por provados, contradição entre a fundamentação da prova e errada apreciação da mesma.

  2. Considera, também, que a sentença recorrida aplicou mal o direito aos factos provados, nomeadamente quanto à consideração do número de crimes e qualificação jurídica dos mesmos, quanto à decisão no que toca à invocada perda de vantagens e, por último, quanto à medida da pena aplicada ao arguido.

  3. A sentença em recurso violou de forma evidente os mais elementares princípios legais e constitucionais da valoração da prova em processo penal, designadamente na aplicação do artigo 127º do CPP, em desrespeito pelo artigo 32º, nº 2 da CRP, por violação do princípio “in dúbio pro reo”.

  4. A análise da prova pelo julgador tem de respeitar o princípio base do processo penal da presunção de inocência, previsto no artigo 32º, nº 2 da CRP, que implica um superior grau de convicção, consistente na reunião de indícios para além da presunção de inocência – guilt beyond reasonable doubt.

  5. A regra da livre apreciação da prova pelo julgador não pode, nunca por nunca, fundar a sua livre apreciação em face da “livre apreciação” e mera convicção das testemunhas.

  6. O Juiz a quo valorou de forma injustificável e ilegal a prova trazida aos autos, mormente quando valoriza os juízos conclusivos de testemunhas e a análise que tais testemunhos fazem, que são manifestamente insuficientes para as conclusões contidas na sentença.

  7. Não se conforma o arguido DD com a conclusão constante da alínea b), quando dá como provado que este arguido exerceu a gerência de facto efetiva da sociedade no período em causa nos autos.

  8. Mais se insurge o arguido, de forma específica, quanto à imputação, dada como provada na alínea i); 10.

    Não há, na acusação a descrição de factos concretos e necessários para dar como provadas as alíneas b) e i) da matéria de facto da sentença, que reproduz os termos da acusação.

  9. O conteúdo de tais alíneas não corresponde à invocação de factos concretos, sendo, outrossim, afirmações conclusivas.

  10. Nos termos do artigo 283.º, nº 3, alínea b), do CPP, a acusação deverá conter, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;”.

  11. Ora, para além da manifesta nulidade da acusação, por violação do citado dispositivo legal, que expressamente se invoca, importando a nulidade de todo o julgado subsequente, a matéria de facto dada como provado na sentença, máxime quanto às alíneas b) e i) é meramente conclusiva e manifestamente insuficiente para fazer concluir pela participação criminosa do arguido DD e, muito menos, quanto à conclusão de ter existido uma única resolução criminosa.

  12. Sem prejuízo da procedência da invocada nulidade, a aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea b) do CPP, na dedução de acusação, e a prolação de sentença condenatória, sustentada no artigo 374º, nº 2 do CPP, sem que seja feita a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a acusação ou condenação do arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bastando-se com imputações genéricas e conclusivas, viola as garantias de defesa constitucionalmente previstos, designadamente o estabelecido nos artigos 2º, nº 4 e 31º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

  13. Para atribuir ao arguido DD a qualidade de gerente de facto da sociedade, o Tribunal a quo encontrou a sua fundamentação no depoimento das testemunhas indicadas pelo MP, desqualificando o depoimento das testemunhas arroladas pela defesa.

  14. O sentido do depoimento de tais testemunhas não pode ser interpretado como o fez o Tribunal a quo.

  15. Não pode a sentença recorrida extrair, com o faz, uma conclusão de que, sem margem para dúvidas, o arguido DD era gerente, com conhecimento dos factos atinentes ao cumprimento das obrigações para com a Segurança Social.

  16. A versão dos factos apresentada pelo arguido não mereceu um juízo de credibilidade do Tribunal a quo. Mas isso é bem diferente de poder concluir que a sua versão dos factos não é possível (ou verdadeira), quando esta, no fundo, não se afasta significativamente dos testemunhos valorados na sentença, os quais nada referem, como se reconhece, quanto à intervenção do arguido DD na gestão financeira e fiscal da empresa.

  17. E o Tribunal acaba por reconhecer que não estão verdadeiramente apurados os relacionamentos entre o arguido DD e o arguido AA, no que se prende com a atividade da gerência da sociedade.

  18. Desta forma, entende o recorrente que não há nos autos fundamentação probatória para imputar ao arguido DD a gerência de facto de sociedade, devendo ser dado como não provado o que consta da alínea b) da matéria de facto, afetando toda a demais factualidade dada como provada, por manifesta violação dos sãos princípios da análise da produção de prova, designadamente violando o disposto nos artigos 127º do CPP e o artigo 32º, nº 2 da CRP, por violação do princípio “in dubio pro reo”.

  19. Por maioria de razão e igual fundamentação não pode ser dada como provado que os arguidos atuaram na forma descrita na alínea i) da matéria de facto provada, mesmo que por absurdo se considerasse qualquer forma de intervenção do arguido DD na gerência da sociedade.

  20. Tal conclusão, arredada da fundamentação da prova e das regras de experiência, aceitando o tipo de intervenção dos arguidos como descrito, é claramente abusiva, infundada e não provada.

  21. Os arguidos foram pronunciados, imputando-se-lhes a prática de um crime, em coautoria, de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 6º, 107º e 105º, nºs 1, 4 e 7 do RGIT.

  22. Por douto despacho de 15.12.2022, entendeu a Senhora Juiz proceder à alteração da qualificação jurídica, havendo lugar à agravação do crime através do nº 5 do artigo 105º do RGIT, plasmando na sentença essa agravação e condenando o arguido DD pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p.p. nos artºs. 107º, nº 1, e 105º...

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