Acórdão nº 6200/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2023
Magistrado Responsável | FRANCISCO SOUSA PEREIRA |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Por participação entrada no Juízo do Trabalho ... a 15 de Dezembro de 2020 deu-se conta da ocorrência de um acidente de trabalho de que teria sido vítima AA, quando prestava serviço para a sua entidade empregadora C..., Lda, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a seguradora G..., S.A., todos nos autor melhor identificados.
Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo, porque: - o sinistrado não aceitou o grau de IPP e a data da alta fixadas pelo GML; - a seguradora defendeu que o acidente ocorreu por violação pela empregadora das normas e condições de segurança impostas para o local de trabalho, e não aceitou o resultado do exame do GML; mas aceitou a ocorrência do acidente e a descrição que dele foi feita pelo sinistrado nessa diligência, a sua caracterização, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, assim como aceitou estar transferida para si a eventual responsabilidade da ré pela retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado; - a empregadora negou a existência de violação de regras de segurança e existência de nexo causal entre essa eventual violação e a produção do acidente.
O sinistrado apresentou petição inicial, pedindo a condenação da ré seguradora (a título principal) ou da ré empregadora (a título subsidiário): i. a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de 9.791,50€ desde o dia seguinte ao da alta, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à alta; ii. a pagar-lhe 30,00€ pelas deslocações obrigatórias já feitas e 15,00€ por cada uma das deslocações que realizar nesta fase dos autos, acrescida de juros de mora desde o dia da realização da tentativa de conciliação; iii. a fornecer-lhe seis pares anuais de calçado ortopédico/compensado, fabricado à medida da sua perna direita encurtada.
Ambas as rés contestaram.
Conforme consta da síntese efectuada na sentença recorrida, a seguradora alegou que o sinistrado não tinha equipamento de protecção individual, designadamente cinto de segurança ou arnês ancorado a um ponto resistente, não existia na obra qualquer protecção contra o risco de queda em altura, não havia guarda-corpos laterais e o guarda-corpos frontal não evitou a queda do trabalhador, que resultou da necessidade de se dobrar para desenrolar o rolo/tela.
Mais alegou que a empregadora não providenciou aos trabalhadores formação sobre riscos de trabalhos em altura, nomeadamente aquando do desenrolamento de tela de voltex, segura por uma grua sobre o guarda-corpos e sobre a necessidade de utilização dos equipamentos de protecção individual e colectiva.
A empregadora alegou, em resumo, que o trabalhador executava as suas funções observando as normas de segurança que se impunham, executando tais tarefas com prudência e com equipamento de protecção individual, assim como alegou que a obra estava dotada de equipamentos de segurança colectiva adequada aos trabalhos em curso, mormente guarda-corpos devidamente colocados.
Realizou-se audiência de julgamento tendo, a final, sido proferida sentença da qual consta (e no que para aqui importa) o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a acção procedente por provada e, consequentemente, condeno a ré “G... S.A.”: a) a pagar ao autor/sinistrado 322,22 Eur. (trezentos e vinte e dois euros e vinte e dois cêntimos), a título de indemnização remanescente devida por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva, a contar de 30.03.2021; --- b) a pagar ao autor/sinistrado 60,00 Eur. (sessenta euros), a título de reembolso de despesas de transportes, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva, a contar de 1.10.2021 (dia da tentativa de conciliação); c) a pagar ao autor/sinistrado o capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 929,68 Eur. (novecentos e vinte e nove euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva, a contar de 30.03.2021; --- d) a fornecer ao autor/sinistrado quatro pares anuais de sapatos adaptados com palmilha e compensação do tacão, de forma vitalícia.” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré seguradora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões (transcrição): “1 - A demandada entende, modestamente, que a factualidade dada como provada sob os nºs 4, 5, 6, 7, 8 e 13 dos Factos Provados impõe decisão diversa da que foi proferida e que aqui, sempre com o devido respeito, é sindicada, apenas e só no que à culpa da entidade patronal pela eclosão do sinistro dos autos diz respeito.
2 - Ficou demonstrado o seguinte: A) Que o sinistrado estava a trabalhar em altura; B) Que o sinistrado não fazia uso de qualquer EPI, designadamente arnês de segurança ou linha de vida; C) Que a existência de guarda-corpos na parte da frente não impediu, de todo, a queda do sinistrado; D) Que a demandada entidade patronal não deu formação ao sinistrado sobre os riscos dos trabalhos em altura, nomeadamente quanto ao desenrolar do rolo de tela e quanto à sua fixação.
3 - A queda do sinistrado apenas e só ocorreu:Primeiro, porque este não fazia uso de qualquer EPIs, designadamente arnês de segurança ou linha de vida; Segundo, porque não lhe foi dada, pela sua entidade patronal, formação específica sobre os riscos dos trabalhos em altura, nomeadamente quanto ao desenrolar do rolo de tela e quanto à sua fixação.
4 - Não colhe, sempre com o devido respeito, o argumento de que a conduta da entidade patronal não impediria que o acidente dos autos, se verificasse, quer quanto à falta do uso dos EPIs, quer pela total ausência de formação ao sinistrado; NÃO IMPEDIRAM, como resulta evidente.
5 - Atente-se na seguinte passagem da Douta Sentença, que se transcreve: “No entanto, é forçoso reconhecer que não logrou a ré/empregadora provar que deu ao autor, que era um dos funcionários que iria desenrolar a tela e posteriormente fixar a mesma, e assim executar trabalhos em altura, formação específica sobre os riscos a que se iria expor ao desenvolver esses trabalhos, bem como quais os procedimentos que devia observar para evitar acidente através da respectiva queda” (sublinhado e carregado nosso)..
6 - COMO RESULTA PROVADO, O SINISTRADO, APESAR DA EXISTÊNCIA DE GUARDA-CORPOS FRONTAIS, CAIU, AINDA ASSIM, AO SOLO.
7 - SENDO QUE TAL QUEDA NÃO SE TINHA VERIFICADO SE O SINISTRADO FIZESSE USO, COMO ALIÁS ESTAVA OBRIGADO POR LEI, DOS EPIs que a entidade patronal era obrigada a disponibilizar.
8 - NÃO USAVA, NEM ARNÊS, NEM CINTO DE SEGURANÇA, NEM LINHA DE VIDA.
9 - Se as condições físicas em que o sinistrado desenvolvia a sua actividade fossem suficientes para não provocarem a sua queda, esta nunca teria ocorrido; não só não evitaram a queda, como, pelo contrário, a provocaram; só que o sinistrado, em função dessa queda, como não tinha qualquer protecção, caiu ao solo; se fizesse uso do arnês e do cinto de segurança, o sinistrado não tinha caído em altura.
10 - E se a entidade patronal lhe tivesse dado formação específica para aquela tarefa, certamente o sinistrado estaria esclarecido e, seguramente, motivado para as vantagens no uso dos EPIs, o que manifestamente não sucedeu.
11 - Não pode deixar de se considerar que o sinistro dos autos ocorreu exclusivamente por culpa da entidade patronal, por violação das regras de segurança, nos termos e para os efeitos do artº 14º da Lei 98/2009, de 04/09.
12 - É entendimento da demandada, embora modesto, reconhece-se, que a violação das regras de segurança por parte da entidade patronal faz presumir a sua responsabilidade.
13 - Nem o sinistrado fazia uso de qualquer EPI, nem a entidade patronal lhe tinha dado formação específica quanto aos riscos da tarefa que iria desempenhar; portanto, duas violações das regras de segurança.
14 - Havendo violação objectiva das regras de segurança, como é manifestamente o caso, deverá, através do instituto da presunção legal, operar-se uma inversão do ónus probatório, passando a ser a entidade patronal, enquanto “violadora” das regras de segurança, a afastar o nexo de causalidade entre a sua própria conduta e o acidente; não se tendo, nos presentes autos, verificado, de todo, tal afastamento do nexo de causalidade.
15 - Faz-se...
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