Acórdão nº 0417/20.4BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão 1. RELATÓRIO 1.1.

ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social (doravante designada simplesmente por ERC ou Recorrente) interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Sintra que anulou a liquidação impugnada na parte que se refere à «Taxa de Regulação e Supervisão» aplicada sobre o programa temático «A... Especial» e a condenou a restituir o montante liquidado em excesso acrescida de juros indemnizatórios contados desde a data em que foi efectuado o pagamento até ao processamento da respectiva nota de crédito.

1.2.

Com a interposição do recurso fez a Recorrente juntar aos autos a respectiva motivação, que concluiu aduzindo os seguintes fundamentos: «A.

A Sentença recorrida julgou procedente a ação de Impugnação Judicial apresentada contra a ERC, quanto ao ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, referente à liquidação da Taxa de Regulação e Supervisão, respeitante a 2016, na parcela respeitante ao canal “A... Especial”, no montante de € 15.096,00, tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidido no sentido de: a.

Existe um erro nos pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação impugnado, na parte a que se refere à liquidação da Taxa de Regulação e Supervisão aplicada sobre o serviço de programas temático “A... Especial”; b.

Existe um erro imputável aos serviços, nos termos e para os efeitos da segunda parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da Lei Geral Tributária (de ora em diante abreviadamente designada por “LGT”), tanto nos pressupostos de facto, como nos pressupostos de direito do ato de liquidação impugnado.

B.

Salvo o devido respeito, a sentença recorrida, ao decidir da forma que decidiu, incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito, cuja correção se impõe em sede de recurso.

C.

Em primeiro lugar, refira-se que apenas é possível admitir o facto b) dado como provado na sentença recorrida, porque a ERC cumpriu as suas funções de regulação e supervisão, pois a ERC apenas tem conhecimento da atividade operada num canal se levar a cabo os seus poderes de regulação, prestando e desenvolvendo serviços de regulação e supervisão (nos termos do estabelecido no artigo 24.º, dos Estatutos da ERC), afetando recursos e meios, com todos os custos inerentes.

D.

A Recorrida poderia, quando e sempre que assim o entendesse, retomar as suas emissões, sem nada requerer previamente à ERC, na medida em que a mesma era titular de autorização para o exercício de atividade de televisão, através do serviço de programas temático de cobertura nacional e acesso não condicionado, denominado “A... Especial” (Deliberação 3/AUT-TV/2011, do Conselho Regulador da ERC, de 19/04/2011). Mas mais, sendo a ERC conhecedora, de antemão, da natureza irregular das emissões, de caráter meramente ocasional e esporádico, tal reforça a necessidade de supervisão do regulador.

E.

Não podem as ações de regulação e supervisão da ERC limitar-se à existência de programas a serem difundidos ou conteúdos complementares a serem fornecidos pelos respetivos operadores – como entende o Tribunal a quo –, na medida em que a ERC empreende muito mais ações de regulação e supervisão, mormente em cooperação e colaboração com outras entidades com vista à eficiência do mercado do sector da comunicação social.

F.

Assim, erra o Tribunal a quo quando entende que as atribuições da ERC só podem ser desenvolvidas caso os meios de comunicação estejam em funcionamento, na circunstância de fornecerem um conteúdo.

G.

O pressuposto da taxa de regulação e supervisão é que exista a prestação de uma atividade de regulação e supervisão pela ERC, nos moldes acima aduzidos, a qual não depende de uma efetiva emissão ou transmissão de conteúdos como pretende agora Recorrente.

H.

Apenas a partir de 31/03/2016 é que as atividades de regulação e supervisão da ERC para com o serviço de programas televisivo telemático de cobertura nacional e acesso não condicionado com assinatura, denominado “A... Especial”, cessaram, na medida em que se procedeu à revogação da autorização concedida para o exercício da atividade de televisão, ficando a Recorrida impossibilitada de emitir qualquer conteúdo.

I.

Não pode aqui, no entanto, esquecer-se a qualificação jurídica da Taxa de Regulação e Supervisão. Isto porque, não se tratando de uma verdadeira taxa, mas antes um tributo parafiscal, uma contribuição para o financiamento da ação quotidiana da ERC, o facto tributário da Taxa de Regulação e Supervisão gera-se, nos termos do disposto no artigo 16.º, alínea a), do RTE, no dia 1 de janeiro do ano a que respeita.

J.

No dia 01 de janeiro de 2016 a autorização para o exercício da atividade de televisão através do serviço “A... Especial” de que a Recorrida era titular encontrava-se em vigor, sendo a Taxa de Regulação e Supervisão relativa ao ano de 2016 devida! DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO IMPUGNADO K.

Entende o Tribunal a quo que tendo a base de cálculo da taxa anual como base o valor individual de 148 UC na Regulação Média (artigo 6.º, n.º 7, al. b), do RTE) e, não tendo sido emitidos, no ano de 2016, quaisquer serviços ou programas pelo operador, os mesmos acabam por não se inserir na atividade do concreto operador, não podendo ser compreendidos pelos serviços da ERC.

L.

Não assiste, no entanto, razão ao Tribunal a quo.

M.

Refira-se, uma vez mais, que não é pelo facto de não terem sido emitidos conteúdos pelo serviço de programas televisivos que a ERC deixou de prestar e desenvolver serviços de regulação e supervisão, afetando recursos e meios, com custos inerentes.

N.

O pressuposto da Taxa de Regulação e Supervisão é que haja a prestação de uma atividade de regulação e supervisão pela ERC, a qual não depende de uma efetiva emissão ou transmissão de conteúdos.

O.

A taxa de Regulação e Supervisão não constitui propriamente uma taxa, mas tem antes a natureza de uma contribuição financeira – neste sentido, veja-se o Acórdão n.º 365/2008, do Tribunal Constitucional, de 02/07/2008, proferido no âmbito do processo n.º 22/2008 e o Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal a 20/10/2015, no âmbito do processo n.º 539/2015; bem como os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0582/10, de 07/12/2010 e n.º 0836/11, de 08/02/2012.

P.

Se o legislador pretendesse que a taxa incidisse sobre a emissão efetiva de conteúdos, tê-lo-ia referido expressamente, o que, na verdade, não fez.

Q.

Assim, a taxa criada pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 07 de junho, visa remunerar os custos específicos despendidos pela ERC no exercício da sua atividade contínua e prudencial de regulação e supervisão de toda a comunicação social.

R.

Refira-se, além disso, que o sujeito passivo desta Taxa de Regulação e Supervisão nunca são os canais televisivos, mas sim as entidades que, sob jurisdição do Estado Português, prossigam atividades de comunicação social, como os operadores de televisão (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do RTE em conjugação com o artigo 6.º, dos Estatutos da ERC).

S.

O que está em causa são tributos que visam financiar os custos gerais da atividade reguladora e não tributos devidos como contraprestação de atos ou serviços concretos prestados individualmente aos regulados (cfr. Parecer de J. J. Gomes Canotilho, junto com a Contestação).

T.

Não estamos perante uma verdadeira “taxa” – esta, sim, é que pressupõe que se verifique um sinalagma direto entre o custo da prestação efetuada pela entidade pública e o sujeito passivo enquanto causador e beneficiário direto daquela prestação –, sendo tal tributo qualificável como “contribuição”.

U.

Assim, ainda que não tenha sido emitido, durante o ano de 2016, qualquer conteúdo ou transmitido qualquer programa, tal não é pressuposto para o preenchimento da norma de incidência do n.º 1 e 2, do artigo 4.º, do RTE, uma vez não estamos perante uma retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade púbica ao sujeito passivo, não se exigindo a existência de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre a Recorrida e a ERC.

V.

Atento todo o exposto, o Tribunal a quo, ao decidir pela existência de erro nos pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação impugnado, interpretou e aplicou incorretamente o Direito aplicável à situação sub judice, nomeadamente no que concerne à norma de incidência da Taxa de Regulação e de Supervisão, contida no artigo 6.º, dos Estatutos da ERC.

W.

De facto, o artigo 6.º, dos Estatutos da ERC, conjugado com o RTE, designadamente os artigos 4.º, 5.º e 6.º, devem ser interpretados no sentido de que a Taxa de Regulação e Supervisão em causa visa financiar os custos gerais da atividade reguladora, não ficando dependentes da contraprestação de atos ou serviços concretos prestados individualmente aos regulados. Ou seja, o pressuposto da Taxa de Regulação e Supervisão é que exista a prestação de uma atividade de regulação e supervisão pela ERC, nos moldes acima aduzidos, a qual não depende de uma efetiva emissão ou transmissão de conteúdos.

X.

Importa ainda aqui referir que, independentemente do pedido de revogação da autorização para o exercício da atividade do Serviço de Programas “A... Especial” apresentado pela Recorrida no dia 11/05/2016, com efeitos retroativos a 31/03/2016, sempre seria devida a liquidação da Taxa de Supervisão e Regulação uma vez que esta é fixada anualmente para a remuneração global dos serviços de regulação e supervisão prestados pela ERC em benefício do grupo onde se insere o sujeito passivo A… o que decorre da própria natureza jurídica deste tributo – que, repita-se, é uma contribuição financeira e não um imposto ou uma taxa –, sendo assim adequado e necessário aos objetivos e fins que o regulador pretende atingir.

Y.

De facto, nos termos do disposto no artigo 16.º, alínea a), do RTE, o facto tributário da Taxa de Regulação e Supervisão gera-se no dia 01 de janeiro do ano a que respeita, pelo que ter-se-á sempre de atender a essa data para...

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