Acórdão nº 614/20.2T9PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução03 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Por sentença proferida nestes autos em 7 de Outubro de 2 022, foi proferida decisão que condenou o arguido AA, nos seguintes termos: - pela prática de um crime de coação sexual agravado, p. e p. pelos arts.º 163º/2 e 177º/7 C.P.

, como inimputável perigoso, na medida de internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, pelo período mínimo de 3 (três) anos; - foi ainda condenado no pagamento da quantia de 600€ (seiscentos euros) à vítima BB, a título de arbitramento de indemnização oficiosa.

Discordando da decisão proferida, dela interpôs recurso o arguido AA, peça que sintetizou nas seguintes conclusões e pedidos: “1. O arguido deverá ser absolvido, dado que não foram alegados e em consequência dados por provados os factos atinentes ao tipo subjetivo de ilícito.

  1. Face ao plasmado nos arts. 91º e 13º do CP, não pode o arguido ser condenado, na falta de alegação e prova dos factos atinentes ao tipo subjetivo do ilícito, uma vez que para a aplicação de medida de segurança, nos termos do art. 91.º, é necessário que seja praticado um facto ilícito típico, e isso significa que terão que ser alegados e provados quer o tipo objetivo do ilícito quer o seu tipo subjetivo, não relevando aqui a sua condição de inimputável, pois tal apenas releva ao nível do tipo de culpa.

  2. Sem prescindir, 4. Deverá ser, porque se impõe, aditada a matéria de facto, face à prova produzida e a toda a prova constante nos autos.

  3. Em consequência dos aditamentos à matéria de facto, deverá a medida de segurança de internamento determinada ser suspensa na sua execução, dado que reúne os pressupostos previstos no art. 91.º n.º 2 in fine e art. 98.º do CP.

    Nestes termos e nos mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência:

    1. Ser o arguido absolvido da acusação; B) Se assim não se entender, ser aditada a matéria de facto, dado que a mesma se impõe, face a toda a prova produzida e em consequência, ser determinada a suspensão da execução da medida de internamento, sujeita à aplicação das regras de conduta, nomeadamente as sugeridas no relatório social, ou outras que V. Desembargadores entenderem ser de aplicar, como será de JUSTIÇA.” O M.P. contra-alegou. Refere, em primeiro lugar, que a matéria referente ao dolo do arguido e inimputabilidade constam dos pontos 10. A 14. da matéria de facto da sentença, pelo que o 1º dos argumentos do recorrente, no sentido da sua absolvição, improcede. Concorda com o aditamento do facto novo 16, tal como pretendido pelo recorrente, uma vez que é o que consta do relatório social constante dos autos. Mais, considera que os factos ocorreram quando o arguido não estava medicado com o injetável que lhe foi prescrito, por razões incidentais e que, estando medicado, não oferece perigosidade. Entende também que os factos praticados pelo arguido não tiveram grande gravidade. Em termos de prevenção geral, também não foram de conhecimento generalizado, pelo que eventual suspensão da medida de internamento não poria em causa questões de prevenção geral. Considera assim, que o recurso do arguido deverá obter parcial provimento, no sentido da suspensão da execução da medida de segurança de internamento.

    O Dignm.º Procurador Geral Adjunto emitiu também o seu parecer, já neste Tribunal da Relação. Quanto à questão do dolo vertido nos factos provados, remete para as contra-alegações do M.P., em 1ª instância. Considera ainda, que os factos em causa nos autos se deveram à ausência pontual de medicação e controlo médico e que os factos não foram excessivamente graves. Considera assim, que o perigo está mitigado pela atual vigilância médica. Adotando o relatório social defende a possibilidade de suspensão da medida de segurança de internamento, se estabelecida uma rede de proteção constituída pela acompanhante da arguida, intervenção da D.G.R.S.P. e acompanhamento médico e medicamentoso eficaz. Finaliza, referindo que o recurso merece parcial provimento, quanto à suspensão da medida de internamento, nos moldes referidos.

    Notificado o arguido nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P.

    , o mesmo não respondeu.

    Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

    2 – Fundamentação A fim de melhor se percecionarem as questões em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, o Acórdão recorrido: “Neste processo comum colectivo n.º 614/20....

    , o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, nascido a .../.../1987 em ..., ..., filho de CC e de DD, solteiro, agricultor, residente na Rua ..., ..., ..., ..., a quem, por ser inimputável perigoso, requer que seja aplicada a medida de segurança de internamento, uma vez que terá praticado factos susceptíveis de integrar um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos arts. 163.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, b) e c), n.º 6 e n.º 7, todos do Código Penal[1].

    O Ministério Público requereu o arbitramento de uma indemnização a favor de BB, a pagar pelo arguido, a título de reparação dos danos sofridos com a conduta deste; foi cumprido o contraditório na pessoa do arguido.

    O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e invocando que, pela sua inimputabilidade, não deverá ser arbitrada qualquer indemnização a seu cargo.

    * O tribunal é competente, o processo é o próprio e válido e as partes são legítimas.

    Não há nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

    Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal e registo fonográfico da prova.

    * FACTOS PROVADOS (com relevância para a decisão da causa) (Da acusação) 1. BB nasceu em .../.../2013 e é filha de EE e de FF, conhecido por “GG”, com quem sempre residiu.

  4. Em domingo não concretamente apurado de Julho de 2020 (mas antes de dia 29), BB, da parte da tarde, deslocou-se com os pais à casa da sua tia HH, sita na Rua ..., ..., ..., ..., onde residia, pelo menos desde 2014, o arguido, que conhecia BB e a sua idade.

  5. O arguido sempre foi tratado como membro da família, de tal ordem que BB, quando a ele se referia, dizia tratar-se de um “primo emprestado”.

  6. Já na residência de HH, a hora não concretamente apurada, mas ao fim da tarde, BB deslocou-se para as traseiras da habitação para ver os gatos recém-nascidos, momento em que foi abordada pelo arguido.

  7. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, apesar de advertido pelo seu irmão II de que “o GG não ia gostar de o ver lá”, manteve-se junto de BB.

  8. Nessa ocasião, o arguido empurrou BB contra a parede, colocou-se na sua frente, impedindo a sua saída do local e, de seguida, beijou-a na testa e depois na face, questionando-a se podia beijá-la na boca.

  9. Após esta lhe ter dito que não, nas referidas circunstâncias e a sós com BB, o arguido beijou-a na barriga, por cima da roupa.

  10. Após, o arguido levantou a saia de BB, puxou-lhe as cuecas para baixo e, acto contínuo, beijou-a na zona genital.

  11. Naquele momento, ao ouvir a mãe de BB chamar por ela, o arguido beijou-a na boca e deixou-a sair do local.

  12. O arguido actuou, nas circunstâncias descritas, com uso da força física, com o propósito concretizado de se satisfazer sexualmente e de ofender a liberdade e a autodeterminação sexual de BB, sabendo que agia contra a vontade desta.

  13. Agiu o arguido ciente de que BB tinha idade inferior a 14 anos e que não era capaz, pela sua idade e perante a superioridade física do arguido, de se defender e de se opor, de forma eficaz, aos actos deste, e desse modo afectou-a no seu processo de crescimento, em termos de salvaguarda daquela liberdade.

  14. À data dos factos, o arguido, como hoje, apresentava um quadro clínico compatível com deficiência intelectual grave, tanto que foi decretada a sua interdição por decisão judicial de 12 de Fevereiro de 2014 e designada como sua tutora HH.

  15. Por força dessa condição clínica, o arguido não podia compreender a ilicitude e gravidade da sua descrita conduta, consequências da mesma ou reconhecê-la como errada, nem de se determinar de acordo com esse entendimento.

  16. Por via da sua deficiência intelectual grave, o arguido não consegue apresentar uma consciência mórbida para o sucedido nem crítica acerca da ilicitude dos actos descritos, pelo que há fundado receio de que, no futuro, volte a cometer factos da mesma espécie. (Da discussão da causa) 15. Por sentença de 26 de Janeiro de 2010, transitada em julgado a 2 de Março seguinte, o arguido foi condenado, como imputável, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, pela prática, a 20 de Setembro de 2008, de um crime de abuso sexual de crianças, do art. 171.º do Código Penal; a pena foi declarada extinta, por decurso do prazo de suspensão, a 22 de Novembro de 2012.

  17. Na sua infância, entre os pais e quatro irmãos, o arguido foi exposto a pais alcoólicos (ele com défice cognitivo) e de baixos recursos económicos; foi institucionalizado por volta dos 5 anos, juntamente com os irmãos, altura em que frequentou o ensino, vindo a concluir o 9.º ano. Reintegrou o agregado familiar de origem após a maioridade, altura em que iniciou o consumo exagerado de bebidas alcoólicas e o convívio com episódios de violência intrafamiliar. Ao longo desse período, o arguido manteve o contacto próximo com o agregado familiar da sua (hoje) acompanhante, HH, onde ajudava na agricultura mantida pelo agregado, a troco das refeições e de pequenas verbas para as suas despesas pessoais. A mãe faleceu quando o arguido tinha 25 anos, com maior degradação do ambiente familiar, o que levou HH a acolher o arguido e o irmão mais novo na sua casa, integrando-os no seu agregado familiar e tendo iniciado processo judicial de interdição de ambos. Actualmente, o arguido integra o mesmo agregado, constituído por aquela, seu marido, 3 filhos destes, o arguido, o seu irmão e 3 idosos, uma vez que a acompanhante também é família de acolhimento, além de produtora agrícola e animal; residem em moradia...

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