Acórdão nº 314/22.9PDPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recurso 314/22.9PDPRT.P1.S1- 5ª Secção Criminal.

Relator: Agostinho Torres Adjuntos: António Latas e Orlando Gonçalves Tribunal recorrido: Colectivo do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Criminal do... - J... ..; Recorrente (s): arguida AA Sumário: Tráfico de estupefacientes- qualificação do crime (artº 21º ou artº 25º do DL 15/93?); reincidência (aplicabilidade); medida da pena e sua desproporcionalidade.

_________________ ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 5ª SECÇÃO CRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I-RELATÓRIO 1.1 - Por acórdão de 18.04.2023 do Tribunal Colectivo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Criminal do ... - .... .. no PCC n.º 314/22.9PDPRT foi decidido, entre o mais: “Condenar AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado pela reincidência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 75º, 76º do CP e art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 6 anos de prisão.” 1.2 – Inconformada, a arguida recorreu directamente para este Supremo tribunal esgrimindo a sua discordância apontando a seguinte argumentação conclusiva: (dada a prolixidade e falta de síntese das conclusões originais, transcrevemos somente as que mais relevam para a boa compreensão do recurso tendo ficada, assim, alterada a numeração inicial ) “(…) 1. Entende a Recorrente, que a identificada decisão padece de vícios que versam Matéria de Direito: Erro de qualificação jurídica e Medida da Pena.

Uma vez que, o crime perpetrado pela aqui arguida se insere no art. 25º do mesmo diploma legal.

  1. O Supremo Tribunal de Justiça, concluiu no Acórdão de 23-11-2011, que a integração dos factos no crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá respeitar os seguintes critérios (transcrição) (que indica por transcrição) (…): 3. Em todo o caso, a imagem global da ilicitude do comportamento do recorrente terá de resultar da interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude.” 4. No caso sub judice a conforme explicitado pela arguida AA em sede de audiência de discussão e julgamento os estupefacientes que detinha ao momento da sua detenção visavam um único e isolado transporte a um indivíduo de ..., que lhe prometera dobrar o valor investido. Com o referido produto do transporte, a Recorrente visava exclusivamente saldar uma dívida que possuía para com outro individuo da mesma etnia, que a ameaçava a si e aos seus familiares mais próximos no caso de não pagamento atempado. Ou seja, agiu num puro acto de desespero e forte receio. O produto foi apreendido e precisamente por isso não foi escoado; 5. A arguida não vendeu, nem pretendia vender a ninguém o produto que foi encontrado.

  2. Relativamente à quantidade que foi apreendida no momento da sua detenção, (111 embalagens individuais de heroína, com o peso liquido total de 10,107 gramas com grau de pureza de 25,1% e correspondente a 25 doses diárias; vários pedaços de cocaína (éster metílico), com o peso liquido total de 44,50 gramas, com um grau de pureza de 31,7% e correspondente a 470 doses diárias) esta afirma que o produto estupefaciente, na prática, pertencia ao outro individuo da ..., que lhe havia convencido realizar o transporte com vista a ter possibilidade de saldar a sua divida. Tal situação pessoal da Recorrente era do conhecimento do agente supramencionado; 7. O período de duração da actividade é, na verdade, inexistente, pois conforme já explicitado em causa estava unicamente um único transporte e não qualquer intenção de venda. De todo o modo sempre se dirá, que nos presentes autos não há investigação por parte do Ministério Público. O que deu origem à condenação em causa foi a apreensão mencionada; 8. Não ocorreram operações de cultivo nem de corte. A embalagem do produto era pouco sofisticada, da forma que lhe chegou à posse, assim entregaria; 9. Não existe qualquer meio de transporte in casu, somente o amplamente escalpelizado na douta Decisão; 10. Os proventos que iria obter seriam unicamente a liquidação da sua dívida para com o indivíduo referido, não tendo qualquer intenção de lucrar com a citada actividade.

  3. A actividade em causa foi exercida em área geográfica restrita, cingindo-se ao bairro social …, visto que a arguida nunca saiu da referida zona, tendo sido imediatamente interceptada e por isso não chegou a ser distribuído; 12. Não se verifica o preenchimento de nenhuma das alíneas do disposto no art. 24.º do DL 15/93.

  4. Destarte, a construção e a estrutura dos crimes de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em patamares distintos dos diferentes padrões de ilicitude. Pelo que, o legislador julgou pertinente definir uma escala dos crimes de tráfico, respondendo às diferentes realidades, atendendo ao agente em si e às condutas por si adoptadas, designadamente: 1 - a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei nº. 15/93); 2 - para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º); 3 - para os traficantes-consumidores (artigo 26º).

  5. Não existe qualquer investigação que esteja na base dos presentes autos. Na verdade, com o devido respeito, foi a aqui Recorrente condenada pelos seus antecedentes criminais e por ter sido interceptada com o produto estupefaciente e com a quantia monetária de 6.420,00€ (seis mil quatrocentos e vinte euros) e o Tribunal a quo por convicção entendeu que a aqui arguida cometeu o crime de tráfico de estupefacientes agravado pela reincidência, não podemos concordar com tal entendimento, que na nossa perspectiva, peca por excesso. a ser a Recorrente condenada por tráfico de estupefacientes, tendo em conta as circunstâncias do caso e os elementos que efectivamente o Tribunal dispõe, estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade nos termos do art. 25º do DL 15/93.

  6. Com efeito, segundo a versão da arguida, esta estava amedrontada e acatou realizar esta actividade ilícita por estar sob coação e com vista à liquidação da dívida que não conseguia saldar, baseando-se num só acto isolado, numa zona restrita e utilizando meios arcaicos e rudimentares 16. Sem mais delongas, pugnamos que a imagem global e todas as circunstâncias do caso, que se prendem com um modus operandi simples, arcaico e rudimentar da arguida, caracterizado pelo mero transporte de quantidades diminutas, pela sua intervenção de forma não organizada e a actuação numa área geográfica restrita, bem como o facto de o produto não ter sido escoado, não poderão conduzir senão à punição pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artº. 25º do DL15/93 de 22 de janeiro.

    Da não aplicação do instituto da reincidência 17. O conceito de reincidência está ligado à ideia de recaída, de algo que se repete. E esta recaída será sempre a recaída num crime. O erro que o agente volta a cometer é, a prática de um novo crime depois de já se ter cometido outro anteriormente. E daqui, retiramos dois elementos essenciais associados ao conceito de reincidência, designadamente: um sujeito único, ou seja, o agente, aquele que comete os crimes; e uma pluralidade de delitos.

  7. A estes vectores acresce um terceiro, que se afigura fundamental à definição de reincidência e que consiste na necessidade de uma decisão judicial condenatória pela prática do primeiro crime.

  8. É precisamente este último elemento que permite distinguir a figura da reincidência dos demais casos de repetição de delitos e que vem justificara agravação da moldura penal pela prática dos crimes posteriores. no caso sub judice os requisitos objectivos da aplicação da reincidência não se encontram verificados, uma vez que a ora Recorrente foi condenada no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 62/09.5..., no Tribunal Judicial de …, por acórdão proferido em 18-05-2012 e transitado em julgado em11-02-2013, pela prática em 06-2010 de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, tendo cumprido pena de prisão efectiva.

  9. Com efeito, o último crime foi praticado em 2010, transitado em 2013 e o actual foi cometido em 04 de Agosto de 2022, mais de 10 anos após a práctica do último, o que significa que objectivamente, se encontra afastada a reincidência.

  10. No nosso modesto entendimento, o conceito de reincidência não tem aplicação no caso vertente pois também não se verifica o seu requisito subjectivo: isto é, tendo em conta as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

  11. De facto, com a introdução deste requisito, tornou-se evidente que não basta a prática pelo agente de um crime doloso punível com pena de prisão superior a 6 meses, antes de terem decorrido 5 anos da prática de um outro crime doloso também ele punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses e cuja condenação tenha transitado em julgado.

  12. Não é suficiente a reunião desse conjunto de requisitos para que de uma forma imediata o agente seja declarado reincidente sem mais. Na verdade, o legislador exige a verificação de um requisito relativo à personalidade do arguido, através do qual seja possível provar que a condenação ou condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime.

  13. Mas como é que se faz prova de que o agente não se sentiu devidamente intimidado pela condenação anterior, sendo por isso merecedor de uma condenação penal mais grave nesse novo processo? Paro o efeito, exige-se uma averiguação das circunstâncias do caso, de onde se possa concluir que de facto o agente assume uma postura contrária ao direito.

  14. Assim, afigura-se fundamental avaliar as circunstâncias do caso, tais como por exemplo, a motivação para a prática dos factos e a personalidade da arguida de modo a concluir que entre os crimes anteriores e o crime actual, no qual se pondera a sua punição como reincidente, existe uma conexão, nomeadamente a...

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