Acórdão nº 1077/22.3JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 5ª SECÇÃO CRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - RELATÓRIO 1.1-Historial do caso e recursos interpostos O arguido e ora recorrente AA foi condenado em 1ª instância pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, pela prática dos seguintes crimes e nas penas adiante indicadas: • um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível pelo artigo 152º, n.ºs 1, b) e 2, a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão; • um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 26º, 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, b) do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão; • um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, previsto e punível pelos artigos 14º, 26º e 254º, n.º 1, a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; Em cúmulo jurídico de penas, ficou condenado na pena única de 21 anos de prisão.

Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto - impugnando a matéria de facto quanto ao crime de homicídio qualificado (pontos 66, 67, 90, 98, 99, 100, 103 e 104), alegando violação do princípio in dubio pro reo e, subsidiariamente, a medida da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado.

Na verdade o Tribunal da Relação do Porto, olhando às conclusões de recurso, retirou as seguintes questões a decidir: -impugnação da matéria de facto quanto ao crime de homicídio qualificado (pontos 66, 67, 90, 98, 99, 100, 103 e 104); -violação do princípio in dubio pro reo e subsidiariamente, -a medida da pena do crime de homicídio qualificado.

Finalmente, por acórdão de 17 de maio de 2023 aquele Tribunal decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA, e em consequência confirmar integralmente a decisão a quo recorrida.

Novamente inconformado, vem agora o arguido recorrer desse acórdão para este Supremo Tribunal de Justiça, por entender, em suma, que o Tribunal da Relação incorreu em omissão de pronúncia sobre questão de que deveria ter conhecido e, subsidiariamente, por considerar que a pena que lhe foi aplicada pela prática do crime de homicídio é excessiva. Adiante se especificarão as conclusões do recurso.

Por via daquela decisão ficou definida a seguinte matéria de facto: II – FUNDAMENTAÇÃO De relevante para a decisão da causa, o tribunal considerou provada a seguinte matéria de facto: Da acusação 1) BB e o arguido AA viveram como se de marido e mulher se tratassem desde o ano de 2020, residindo na mesma habitação e aí partilhando cama e mesa diariamente.

2) BB tem dois filhos menores, de 13 anos e 10 anos, fruto do seu casamento com CC, de quem se divorciou, os quais estão aos cuidados do progenitor.

3) O arguido é de nacionalidade …, tendo também uma filha que está aos cuidados da progenitora e residente em ….

4) BB conheceu o arguido em … no início do ano de 2020, na cidade de ..., num espaço de restauração e bebidas.

5) Passaram a partilhar cama, mesa e habitação em..., ..., em morada não concretamente apurada.

6) Em meados de Outubro de 2020, mudaram-se para ..., visto que o arguido tinha a avó que lá morava e que precisava de apoio familiar por estar com a saúde debilitada.

7) Em data não concretamente apurada, mas em meados de Novembro de 2020, no interior do hotel onde estavam a pernoitar, após uma discussão entre ambos, o arguido deu uma bofetada no rosto de mão aberta do lado esquerdo da BB.

8) De seguida, agarrou-lhe os braços, atirou-a para o chão, colocou-se em cima dela e agarrou o pescoço desta com as duas mãos e apertou-o.

9) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido dizia: “Sua vaca, sua puta!”, tendo terminado quando um funcionário do hotel entrou no quarto devido a outros clientes terem alertado na receção do que se estava a passar.

10) BB foi assistida no local e transportada para uma unidade hospitalar e o arguido foi transportado pela polícia local onde permaneceu detido pelo menos uma noite, tendo no dia seguinte sido presente a um Juiz.

11) Na unidade hospitalar onde deu entrada, BB foi informada que tinha perdido o feto, motivo pelo qual ficou bastante transtornada.

12) Em meados de Janeiro de 2021, BB deslocou-se na companhia do arguido a Portugal, para estar presente no velório de um primo, que tinha sido vítima de homicídio.

13) Durante esta pequena estadia em Portugal, o arguido e BB acordaram vir viver para Portugal, tendo o pai desta encontrado uma empresa de construção civil para o arguido trabalhar, e, por isso, em meados de Fevereiro de 2021, mudaram-se ambos para Portugal, ficando a residir durante três a quatro meses na habitação do pai de BB, sita na Rua ..., ..., ....

14) Em 26 de Abril de 2021, BB começou a trabalhar para a empresa G… e como a maior parte dos colegas de trabalho eram de sexo masculino, o arguido, sabendo disso, começou a controlar e a questionar, via SMS, “Onde estás?”, “Onde andas?”, “Com quem estás?” e a ligar constantemente.

15) Uns dias depois, BB resolveu ir passar uns dias a casa de um amigo, sita no centro da cidade de ..., onde passou dois dias.

16) Quando voltou a casa do seu pai no dia 28 de Abril de 2021, ao início da noite, constatou que o arguido tinha queimado toda a sua roupa numa fogueira que o próprio fez na horta da casa do pai de BB onde então residiam.

17) Na verdade, no referido dia 28.04.2021, o arguido fez uma fogueira no quintal da habitação do progenitor de BB, onde então residiam, nela queimando quase todas as roupas dela, inclusive os pijamas.

18) Em inícios de Junho de 2021, BB e o arguido mudaram-se ambos para uma habitação, sita na Avenida ..., em..., neste concelho de... e no dia 1 de Outubro de 2021 BB e o arguido mudaram-se para a habitação sita na Rua ..., em ..., ....

19) A BB foram prescritos medicamentos para a epilepsia, para dormir e relaxantes musculares.

20) Pelo menos nessa última habitação, o arguido, por várias vezes, em diferentes datas, quando se ausentava para o trabalho, obrigava BB a tomar medicamentos além dos prescritos por forma a que BB ficasse em casa a dormir até o mesmo chegar ao fim do dia.

21) Quando saía de manhã, o arguido trancava a porta de acesso ao exterior, levando a chave com ele, impossibilitando que BB se ausentasse de casa, já que a mesma não tinha chave de casa.

22) No dia 03.12.2021, pelas 22:00 horas, quando estavam na sala, na companhia de DD, a dado momento, o arguido começou a discutir com BB, elevando ambos o tom de voz.

23) Após esta perguntar ao arguido “Que foi? Vais bater-me?”, o mesmo levantou-se e abeirou-se dela para logo encostar a cabeça dele à cabeça dela.

24) No dia 7 de Dezembro de 2021, cerca das 24:00 horas, BB deslocou-se ao estabelecimento “A.. Café”, em... (...) com o arguido, a fim de assistirem a um espetáculo de karaoke.

25) Após terminar tal espetáculo, BB convidou DD, amigo deles e promotor do espetáculo, para ir a casa de ambos, para conviverem um pouco.

26) Pela 01:00 hora do dia 08.12.2021 já na referida habitação, sita na Rua ..., em ..., ..., encontrando-se na companhia de DD e no espaço da casa dedicado à cozinha, o arguido envolveu-se em discussão com BB, por esta o ter questionado por que motivo o telefone de casa se encontrava com as chamadas a serem reencaminhadas para o telefone do arguido.

27) No decurso de tal discussão e após BB dizer “Tens medo que ande com amantes ou és tu que andas com alguma amante?”, o arguido pegou num telemóvel e no telefone de casa e partiu ambos contra a mesa da cozinha, deixando-os completamente inutilizados.

28) Ato contínuo, o arguido abeirou-se de BB e desferiu-lhe uma bofetada na cara do lado esquerdo, que a atingiu na bochecha e na orelha, provocando de imediato uma hemorragia no ouvido, de onde começou logo a sangrar de forma algo abundante.

29) Ao mesmo tempo, aos gritos, o arguido, dirigindo-se àquela, apelidou-a de “filha da puta”, “vaca” e “puta”. 30) Isto mesmo na presença de DD.

31) Como o arguido estava na cozinha a preparar uma refeição, mantinha na mão uma faca de cozinha com cerca de 20 a 25 centímetros de comprimento.

32) A troca de palavras continuou e, a dado momento, BB acusou o arguido de noutras ocasiões já a ter agredido, dizendo: “Tu bateste-me. Bate-me agora. Bate-me mais. Está aqui o DD”.

33) Ato contínuo, o arguido começou a agredi-la com vários murros, atingindo-a com violência na face, o que levou DD a intervir para tentar pôr cobro às agressões, mas sem sucesso, até porque, a dado momento, BB caiu para o chão e, nessa altura, o arguido começou a agredi-la com vários pontapés na zona da barriga e das costas.

34) Após tal agressão, DD conseguiu auxiliar BB a levantar-se do chão, mas logo após a mesma ter dito que ia chamar a polícia, o arguido voltou a abeirar-se dela, agarrou com a mão direita e apertou com força o pescoço da mesma, forçando-a a deitar-se no sofá da sala enquanto continuava a agarrar-lhe e apertar-lhe o pescoço.

35) BB voltou a dizer que ia chamar a polícia e o arguido voltou novamente a abeirar-se dela e agarrou-a com a mão direita na zona da boca (o polegar sobre a bochecha direita e os restantes dedos sobre a bochecha esquerda), apertando com uma violência tal que quase instantaneamente BB começou a sangrar pela boca.

36) Já com BB muito abalada e quase a perder os sentidos, a mesma tentou em desespero alcançar e fugir pela janela da sala (localizada num rés-do-chão), mas quando estava a abrir a persiana, o arguido correu atrás dela e puxou-a com força por trás pelos cabelos, provocando com tal gesto a queda dela para o chão.

37) Seguidamente, o arguido deslocou-se para a cozinha, regressando instantes depois à sala, trazendo com ele uns comprimidos que queria que BB ingerisse, ao que a mesma logo reagiu dizendo: “Ele quer-me drogar. Ele anda-me a drogar. Ele dá-me medicamentos de manhã e à noite”.

38) Ato contínuo, o arguido agarrou-a pelos maxilares para a forçar a ingerir esses comprimidos.

39) Instantes depois, EE, vizinho de BB e do arguido, bateu à porta e o arguido foi abrir a porta e quando ele abriu a porta, o mesmo...

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