Acórdão nº 504/22.4JELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução11 de Outubro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 5ª SECÇÃOCRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I-RELATÓRIO 1.1 – Por Acórdão de 18/05/2023, do Tribunal Central Criminal de Lisboa o arguido o AA foi condenado na pena de 6 Anos de Prisão, pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL nº 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B anexa ao citado diploma.

1.2 – O arguido, inconformado com a medida da pena, que considera excessiva, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual porém, julgando-se incompetente, remeteu para este Supremo Tribunal. E formulou a partir da sua motivação as seguintes conclusões: “ I. O Recorrido não concorda com a medida da pena a que foi condenado, tendo delimitado o seu Recurso à escolha e à medida da pena, fazendo a sua análise sobre os critérios que subjazem à determinação da mesma.

  1. O Acórdão recorrido não ponderou correctamente os circunstancialismos especiais na prática do crime e, por esse motivo, violou uma norma imperativa: o artigo 71.º do Código Penal, bem como o referido princípio constitucionalmente consagrado (escusando-se o Recorrente de transcrever novamente qualquer texto do Aresto colocado em crise, assim como, não irá repetir as transcrições sobre jurisprudência ou doutrina mencionadas, fazendo-se desde já a devida remissão para as Motivações acima escritas).

  2. O seu relatório social, que sobe juntamente com os presentes autos, descreve cabalmente as condições de pobreza extrema e as elevadas necessidades dos bens mais elementares e básicos à sua sobrevivência e à sua dignidade enquanto ser humano, que no fundo, estão na base da dominação sofrida pelo Recorrente, ao ter sucumbido às ameaças e ao poder dos grandes traficantes de droga.

    Toda esta realidade, embora não seja desculpante da prática do crime, deverá ser levada em linha de conta no que diz respeito à motivação do agente, a intensidade do dolo e o grau de culpa com que actuou.

  3. Falamos, pois, de alguém que não teve o domínio da preparação da mala, que desconhecia qual o produto estupefaciente que seria transportado e as respectivas quantidades.

    O Recorrente que viajava com destino a... não mais iria mexer na mala que estava a transportar em seu nome e de acordo com o seu relato em Tribunal, seria alguém ligado ao aeroporto em ... que iria proceder ao desvio da mala, sem que este tivesse de a ir buscar.

  4. Milita também a favor da necessária ponderação, o facto de o Recorrente ter sido interceptado, evitando-se a sua dispersão pelas ruas de..., bem como, a circunstância de não ter recebido qualquer pagamento por parte dos traficantes que se aproveitam de pessoas carenciadas, como aqui é relatado.

  5. Pela conjugação do artigo 71.º, n.º 1 e do artigo 40.º, n.º 2, ambos do Código Penal, concluímos que a medida da pena será computada em função da culpa do agente, bem como as necessidades de prevenção, não podendo a pena aplicada, em caso algum, ser superior à culpa do agente, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, sempre sem perder de vista um juízo de equidade.

  6. Entende o Recorrente que a pena em que foi condenado é excessiva e inadequada ao caso em apreço devendo ficar mais próxima do mínimo legal. O Acórdão agora colocado em crise, na parte a que temos vindo a fazer alusão, apresentou uma fundamentação igual a tantas outras (a este propósito remetemos para as Motivações acima, que transcrevem o trecho da decisão), limitando-se a mencionar os normativos legais aplicáveis, sem verdadeiramente fazer uma análise aos elementos subjectivos do tipo legal de crime.

  7. O artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, estatuí as exigências de prevenção, quando se reporta à determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, obviamente em abstracto. Ao ser invocada e determinada a pena a aplicar por tal ordem de considerações, o douto Acórdão Recorrido violou uma norma imperativa: o mencionado artigo 71.º do Código Penal, bem como o referido princípio constitucionalmente consagrado VIII. Já nos termos do estatuído no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, a medida concreta da pena concorre por um lado, com a culpa e grau de ilicitude e, por outro lado, o escopo da ressocialização do agente.

    Por isso insistimos que, em caso algum, a pena aplicada pode ultrapassar a medida da culpa, dependendo ainda da personalidade do arguido. Como referido, há, pois, que levar em consideração o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, as motivações do agente, etc., tudo em obediência ao artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.

  8. Atenta toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, as declarações do Arguido e o relatório social elaborado, não nos parece tão acentuada e reveladora da necessidade de uma pena de prisão tão elevada, estando provado que a sua actuação foi reflexo de alguém que, estando refém da sua necessidade, da sua precária saúde, que sem as várias intervenções cirúrgicas, nem sequer consegue ter um emprego (a este propósito o Estado Português já teve intervenção junto do Recorrente, o qual tem já agendada cirurgia para Setembro próximo).

  9. Ainda a este propósito importa referir que sendo as necessidades de prevenção especial diminutas, atento os limites máximo da moldura penal em termos de pena abstractamente aplicável a este tipo de crime, parece-nos que a medida da pena decidida aplicar ao Recorrente se mostra desajustada, por manifestamente excessiva.

  10. Como deixámos expresso nas Motivações, “A pena é castigo, mas o castigo não é apenas prisão.”. Queremos com isto dizer que, embora exista uma forte possibilidade de nem sequer passar pela cabeça do julgador, o qual até pode nem sequer considerar relevante, a verdade é que o Recorrente ao ter sido condenado numa pena de prisão, enfrenta uma dupla punição, isto porque, terá em todos os dias da reclusão vivenciar a violência existente nas prisões, a sobrelotação dos espaços, a falta de condições alimentares, o atentado à dignidade humana com a entrega de comida estragada, a violência sexual, as doenças contagiosas e muitas delas mortais. Também a ausência de condições para trabalharem, a falta de ensino e, a par de tudo isto, a gravíssima falta de profissionais especializados que possa dar resposta às necessidades básicas da humanidade dos reclusos, havendo uma grande carência de acompanhamento dos educadores.

  11. Somos de opinião que não está apenas em causa uma teoria sobre a culpa, mas sim, uma ideia de prevenção geral e ética, a qual será entendida não apenas como uma ideia de segregação, mas também, no sentido da ressocialização.

    Essa ressocialização, na prática, ou funciona precariamente, ou não funciona – motivo pelo qual ouvimos vezes sem conta que a prisão, é a escola do crime.

    Também a ausência de condições para trabalharem, a falta de ensino e, a par de tudo isto, a gravíssima falta de profissionais especializados que possa dar resposta às necessidades básicas da humanidade dos reclusos, havendo uma grande carência de acompanhamento dos educadores.

  12. São todas estas razões que estão subjacentes ao entendimento do Recorrente de que a pena de prisão a que foi condenado deverá ser diminuída, mais próxima do mínimo legal, ajustando-se assim à sua culpa.

  13. Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de Vossas Excelências, desde já se requer se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão proferido na parte em que aplicou uma pena de prisão de seis anos, substituindo a referida pena por outra mais próxima do limite mínimo.” 1.3 - Em resposta, disse o MºPº, em síntese: “1. O Acórdão recorrido atendeu às finalidades da punição, ínsitas no Código Penal, mais concretamente, nos arts. 40º, 70º e 71, uma vez que aplicou uma medida da pena totalmente compatível com a consideração dessas realidades.

    1. Ao fixar a pena do Arguido como o fez, a dignidade da pessoa humana, princípio consagrado constitucionalmente, corporizada, neste caso, pelo Arguido, de que o princípio da culpa é decorrência directa, não foi, de modo algum, ignorada.

    2. A pena fixada foi claramente respeitadora do princípio da culpa, que refere que não há pena sem culpa, que esta determina a medida da pena e constitui limite inultrapassável da pena, o que o Tribunal observou sem reservas.

    3. As necessidades de prevenção geral e especial foram atendidas de forma clara.

    4. Atendendo às realidades que devem presidir à aplicação das penas, entende-se que a sanção encontrada pelo Tribunal é a adequada, consentânea com o nosso sistema...

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