Acórdão nº 919/20.2PWPRT-A.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução28 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 919/20.2PWPRT-A.P1-A.S1 Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência * Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1.

A assistente AA, vem nos termos e para os efeitos do art.437.º do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 3 de maio de 2023, no proc. n.º 919/20.2PWPRT-A.P1, porquanto se encontra em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 9 de novembro de 2021, prolatado no âmbito do processo n.º 735/19.4PBEVR-A.E1, acessível em www.dgsi.pt.

  1. São do seguinte teor as conclusões que a assistente AA extrai da motivação do recurso que apresentou (transcrição): “A) - A questão que a recorrente pretende submeter à sempre sábia e prudente decisão de Vossas Excelências, Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, é a de uniformizar a jurisprudência em relação a esta matéria de direito que trata da preclusão de um direito, em procedimento dependente de acusação particular, para saber se face à tramitação que dos presentes autos consta, seria de proferir aquele citado douto despacho ou outro diverso do mesmo no sentido de admitir a requerida constituição de assistente da ora recorrente no que aos crimes de natureza particular concerne, de forma a resolver o litígio em causa; B) - Há uma clara contradição entre a solução normativa acolhida neste acórdão de 04 de maio de 2023, proferido nos autos, e a solução adotada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09 de novembro de 2021 proferido no processo nº 735/19.4PBEVR-A.E1, que se indica como acórdão fundamento do recurso extraordinário que se interpõe; C) - Os acórdãos citados neste recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, como acórdão fundamento e recorrido são completamente contraditórios entre si, tendo sido proferidos no domínio da mesma legislação, acerca da mesma matéria de direito e possuem grandes divergências relativamente às suas decisões sobre a concreta questão em apreço; D) - A recorrente surge como denunciante junto da autoridade policial e é entendimento da mesma, sempre salvo sempre melhor opinião, que as notificações feitas pela autoridade têm carácter meramente informativo e delas não pode resultar a imposição de um qualquer prazo preclusivo; E) - Entende ainda a recorrente que compete ao ministério público apurar a veracidade dos factos denunciados e classificá-los juridicamente e apenas após notificação da parte do mesmo se pode exigir à notificada determinado comportamento e imposto um prazo preclusivo como o requerimento de constituição de assistente; F) - A ora recorrente apresentou requerimento de constituição de assistente em momento anterior a qualquer autoridade judiciária, mormente a Exma. Procuradoria da República, ter classificado juridicamente os factos denunciados e ordenar a notificação para o efeito; G) - Deve assim ser fixada jurisprudência no sentido que do citado douto acórdão fundamento consta e que por mera questão de economia processual aqui se dá por reproduzido.

    Termos em que, e nos melhores de direito que Vossas Excelências, Exmos. Srs. Doutores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, doutamente suprirão, se deve conceder provimento ao presente recurso, e dessa forma fixar-se a jurisprudência acerca desta concreta matéria de direito, revogando-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, aqui em crise e do qual se recorre, admitindo-se assim a requerida constituição de assistente da recorrente, com todos os devidos e legais efeitos, com o que se fará Justiça!” 3.

    O Ministério Público , junto do Tribunal da Relação do Porto, respondeu ao recurso extraordinário, concluindo (transcrição): 1- Devem considerar-se não verificados os requisitos formais da admissibilidade de recurso ordinário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto aqui recorrido; 2 - E, consequentemente, rejeitar-se o recurso interposto, por inadmissibilidade, nos termos do artigo 441º, n.º 1, 1ª parte, do Código de Processo Penal; 3 - Importando, também, salientar que a orientação perfilhada no acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do nº 1/2011 (relatado por Isabel Pais Martins, publicado no DR, Série I, de 26/01/2011).

  2. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, no Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se, igualmente, no sentido da rejeição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por inexistência dos respetivos pressupostos substanciais (artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.º, n.º1, do Código de Processo Penal).

  3. Respondeu a recorrente ao douto parecer do Ministério Público neste Supremo Tribunal, mantendo a posição assumida no recurso.

  4. Realizado o exame preliminar a que alude o art.440.º, n.º1 do Código de Processo Penal, e colhidos os vistos, cumpre decidir em Conferência, nos termos do art.440.º, n.º4 do Código de Processo Penal.

    II – Fundamentação 7.

    A questão objeto de recurso, nos termos em que a recorrente/assistente AA a configura consiste em saber se, tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a não apresentação do requerimento para constituição de assistente, no prazo de 10 dias, a contar da advertência contida no n.º4 do art.246.º, do Código de Processo Penal, nos termos do art.68, n.º2, do mesmo Código, preclude ou não o direito do ofendido se constituir assistente.

  5. A apreciação da questão impõe, antes do mais, a fixação do regime legal que lhe subjaz.

    O Código de Processo Penal, no Capítulo II, epigrafado «Da fixação de jurisprudência» - do Título II «Dos recursos extraordinários», do Livro IX «Dos recursos» -, estabelece um conjunto de normas sobre a finalidade, objeto, fundamentos e eficácia da fixação de jurisprudência (artigos 437.º a 448.º).

    Integra-se este recurso no âmago da competência do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que vela pela correta aplicação da lei por todos os tribunais judiciais.

    Submetidas à mesma rúbrica estão três especiais de recursos, cada um com as suas especificidades: - recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito (artigos 437.º a 445.º); - recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada (art.446.º); e - recursos interpostos no interesse da unidade do direito (art.447.º).

    A finalidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência é a interpretação uniforme da lei, evitando contradições entre acórdãos dos tribunais superiores.

    Como observa o Prof. Alberto dos Reis, justificando o recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, no exercício da sua atividade de interpretação da regra formulada pelo legislador “…há-de assegurar-se ao magistrado plena independência e completa liberdade; o juiz deve ter o poder de interpretar a lei segundo os ditames da sua consciência, sem estar sujeito a pressões nem a influências exteriores. Só assim se obterá Justiça, que mereça respeito e inspire confiança.”. Porém, existe o reverso da medalha, podendo o princípio da liberdade de interpretação conduzir a resultados indesejáveis: “A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a fórmula vã, se, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional, a casos concretos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos é a atuação concreta da lei, e não a sua formulação abstrata.

    Sente-se, pois, a necessidade de conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos. Quer dizer, reconhece-se a conveniência de tomar providências tendentes a assegurar, quanto possível, a uniformidade da jurisprudência.”.

    1 O que está em causa não é, pois, a reapreciação da decisão de aplicação do direito ao caso no acórdão recorrido, transitado em julgado, mas verificar, partindo de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa.

    2 O recurso fundado em oposição de acórdãos, tem vocação «normativa», ou de fixação de uma quase-norma, com efeito de generalidade, tendencialmente destinada a ter validade geral, que exprime a posição do S.TJ através do pleno das respetivas secções.

    3 A oposição de julgados suscetível de fazer seguir o recurso para fixação de jurisprudência pressupõe a verificação de determinados requisitos.

    8.1.

    Estando em causa um recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, interessa aqui considerar o disposto nos artigos 437.º e 438.º do Código de Processo Penal.

    O art.437.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «fundamentos do recurso», dispõe o seguinte: «1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

    2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

    3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

    4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

    5 - O recurso previsto nos...

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