Acórdão nº 229/21.8T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução27 de Setembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

… Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. …, na sequência do despacho proferido pelo Ministério Público finda a fase de inquérito, nos termos e para os efeitos do art 285º, nº 1 do CPP, vieram os assistentes … apresentar acusação particular contra a arguida …, imputando-lhes a prática de um crime de difamação p.p. pelos artigos 180º e 183º, al. b) do Código Penal. do Código Penal.

  1. Tal acusação particular veio a ser rejeitada - ao abrigo do artigo 311.º, n.º 3, al. d), do Cód Proc. Penal, - por manifestamente infundada.

    * 3. Inconformados com a decisão recorreram os assistentes, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto do despacho que rejeitou liminarmente a acusação particular, pelos mesmos deduzida, “por manifestamente infundada: art.º 311.º, n.º3, al. d) do C.P.P.” 2. … o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 283.º, 285.º e 311.º do C.P.P., 180.º, 181.º do C.P., 26.º da C.R.P.

  2. Após a denúncia da prática de crime, e findo o inquérito respetivo, os ofendidos e assistentes foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 285.º do C.P.P. para, querendo, deduzir acusação particular em relação ao crime de natureza particular do qual haviam apresentado queixa … 4. De tal notificação constava expressamente a indicação de que, de acordo com o Ministério Público, nos autos foram recolhidos indícios suficientes da prática pela arguida de um crime de difamação contra os assistentes.

  3. Os ofendidos e assistentes deduziram acusação particular contra AA, a quem imputaram a prática de um crime de difamação p. e p. pelos artigos 180.º e 183.º, al. b) do C.P., … 6. O Ministério Público acompanhou a acusação particular deduzida pelos assistentes, nos termos do disposto no art.º 283.ºdo C.P.P., e acusou a arguida pelos factos descritos e constantes da acusação particular.

  4. Pelo despacho ora recorrido, a acusação deduzida foi liminarmente rejeitada, por ter a Mm.ª Juiz a quo entendido que a mesma era manifestamente infundada, … … 12. Estamos perante uma rejeição de uma acusação particular por alegadamente ser “manifestamente infundada: art.º 311.º, n.º3, al. d) do C.P.P.”, mas que se fundamentou apenas e tão só numa apreciação subjetiva e de entre várias possíveis, como o denota claramente a afirmação feita pela Mm.ª Juiz a quo “atento o teor da factologia alegada não cremos que a mesma integre os elementos objetivo e subjetivo dos crimes de difamação ou injúria”(sublinhado nosso).

  5. Nos termos do disposto no art.º 311.º do C.P.P. nos seus n.ºs 2 e 3, só estamos verdadeiramente perante uma acusação manifestamente infundada no caso de estarmos perante factos que não constituem crime.

  6. O juízo feito pela Mm.º Juiz a quo não foi um juízo inequívoco e incontroverso de que os factos descritos pelos assistentes não constituem crime, como necessariamente tinha que suceder … 15. Considerou a Mm.ª Juiz a quo que as expressões em causa nos autos não se incluem no núcleo inviolável da dignidade humana e foram proferidas no decurso de uma litigância civil que opõe os sujeitos processuais sem o propósito exclusivo de achincalhar os denunciantes.

    … 18. Não estamos assim perante um juízo de que factologia descrita na acusação particular inequívoca e incontroversamente não preenche os elementos objetivo e subjetivo que tipificam este tipo de crimes, mas antes perante um juízo proferido no acolhimento de uma das posições defendidas relativamente a este tipo de crimes.

    … 21. É indubitável que o nosso ordenamento jurídico continua a ocupar-se da defesa da honra - o direito à honra assume carácter constitucional, nomeadamente nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa: … 22. Na fase processual de saneamento, só e apenas quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não constituem crime, é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la.

  7. O que no caso em concreto manifestamente não sucede.

    … 26. A factualidade descrita na acusação, mormente os pontos 31 a 40 que aqui se dão por integralmente reproduzidos, preenche indubitavelmente o tipo legal de crime de difamação.

    …” 4. O recurso admitido e fixado o respectivo regime de subida e efeito.

  8. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: “(…) … 5ª - Afigura-se-nos assistir razão aos assistentes, sendo aliás essa a posição dominante na jurisprudência dos tribunais superiores portugueses; … 7ª - Sucede que o juiz do julgamento não pode, em sede de saneamento do processo, formular um pré-juízo sobre os fundamentos da acusação (efetuando um controlo substantivo da acusação), sob pena de violação do princípio da acusação, constitucionalmente consagrado no artº 32º, nº 5, da CRP.

    8ª - Ora, a acusação deduzida pelos assistentes cumpre os requisitos previstos nos artºs 283ºe 285º, do CPP, …. Acresce que os factos nela descritos são integradores dos elementos típicos, objetivo e subjetivo, de um crime contra a honra (previsto nos artºs 181º, nº 1 e 182º, do CP e cujo bem jurídico tem tutela constitucional, no artº 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), não estando o Tribunal a quo vinlulado à qualificação jurídica nela efetuada.

    …” * 7. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procuradoro-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interporto pelos assistentes.

    8. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve reacção.

  9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

    1. Fundamentação A questão que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelos recorrentes na sua motivação, resume-se a saber se ocorre motivo para rejeição liminar da acusação, por manifestamente infundada.

  10. A decisão recorrida Ficou a constar do despacho recorrido: BB e CC Ré vieram deduzir acusação particular contra AA.

    Alegam, para tanto, os seguintes factos: 1. Os ora ofendidos … são, pelo menos desde o ano 2000, arrendatários de quatro prédios rústicos sitos na ... e no ....

    … 3. Tais prédios rústicos advieram à propriedade e posse da denunciada …, por sucessão hereditária, conforme escritura de habilitação de herdeiros exarada em 27 de Fevereiro de 1989, ….

  11. …, desde o ano de 2000 têm vindo os queixosos a celebrar com a denunciada, …, vários contratos de arrendamento rural, por documento particular, tendo por objeto os citados prédios rústicos, tendo o último contrato de arrendamento rural, agrícola, sido celebrado em 1 de Novembro de 2015, pelo prazo de cinco (5) anos, contrato que se encontra atualmente em vigor e que tem o seu termo em 1.11.2022, por força dos nºs 1 e 2 do artigo 9º do RJAR … … 6. O arrendamento rural foi celebrado pelo prazo de cinco (5) anos, com início em 1 de Novembro de 2015 e termo no início do mês de Novembro de 2020 (1.11.2020), devendo, contudo, considerar-se celebrado pelo prazo de sete (7) anos, por força dos nºs 1 e 2 do artigo 9º do RJAR … 7. Tal facto que os denunciantes comunicaram por diversas vezes à senhoria, quer verbalmente quer ainda por carta remetida à denunciada, pelo seguro do correio registado, em 31.10.2020 … 8. O arrendamento dos supra identificados prédios rústicos destinou-se exclusivamente ao amanho e semeadura dos mesmos, abrangendo a totalidade dos imóveis, … 9. A renda anual acordada pelo arrendamento dos quatro (4) prédios rústicos foi uma renda única, global de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a pagar pelos arrendatários, ora denunciantes/assistentes, à denunciada, até ao final do mês de Outubro de cada ano … 10. E, com efeito, os denunciantes pagaram sempre à arguida … a renda anual contratualmente acordada … … 13. O contrato de arrendamento rural celebrado entre a arguida e os assistentes em 1.11.2015, como, aliás, todos os demais contratos que o antecederam, foram sempre elaborados, redigidos e minutados pela arguida e assinados por ela e pelos ofendidos, em três exemplares, ficando um para cada uma das partes e o 3º destinado à Repartição de Finanças.

    … 15. Assim, enquanto arrendatários dos referidos prédios rústicos, assiste aos ofendidos, nos termos do artigo 31º do RJAR, o direito de preferência na transmissão/aquisição dos citados prédios.

    ...

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