Acórdão nº 071/22.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução28 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – Z..., S.A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 29 de março de 2022 no processo n.º 781/21-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido na decisão arbitral proferida em 10 de dezembro de 2021 no processo arbitral n.º 97/2021-T, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto contra a decisão arbitral proferida no processo n.º 781/2021-T CAAD que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra o ato de autoliquidação de IRC relativo ao ano de 2018, na parte em que não reflete a dedução à coleta do IRPC moçambicano suportado pela RECORRENTE em resultado da obtenção dos com os serviços de fretamento e de cedência de pessoal técnico prestados a diversas sociedades de direito moçambicano.

  1. A admissibilidade do presente recurso justifica-se, por seu turno, em virtude de a decisão recorrida se encontrar em contradição com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 97/2021-T CAAD e datado de 10 de dezembro de 2021, posto que: i) Na decisão recorrida se entendeu, «pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º n.º 3, da CDT»; ii) Na decisão fundamento, pelo contrário, se observou que «os rendimentos de fonte moçambicana auferidos pela Requerente em resultado do contrato de afretamento de navio e de protocolo de acordo de cedência de pessoal técnico celebrados com a sociedade Y... eram efectivamente subsumíveis ao conceito de “royalties” nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da CDT”.

  2. Permite-se, concluir, por conseguinte, que tanto a decisão recorrida, como a decisão fundamento, se pronunciaram sobre a mesma questão de direito - ou seja, sobre a questão de saber se os rendimentos obtidos pela RECORRENTE em Moçambique a título de fretamento de navios e a título de cedência de pessoal técnico são subsumíveis no conceito de royalties ínsito no artigo 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique -, tendo a apontada questão, porém, merecido respostas contraditórias (comprovando-se, deste modo, a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência, por se encontrarem verificados todos os requisitos prescritos pelos artigos 25.º n.ºs 2 e 3 do RJAT e 152.º do CPTA, e que impõe o prosseguimento dos presentes autos com a apreciação da (in)validade da decisão recorrida).

  3. Por seu turno, demonstrando o erro incorrido pela decisão recorrida, recorde-se que, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique (norma convencional que, faz-se notar, adotou uma solução distinta da que vem proposta no artigo 12.º n.º 2, do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE) «O termo «royalties», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

    O termo «royalties» inclui também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos» (os destacados são da RECORRENTE).

  4. Assim, considerando que a RECORRENTE se vinculou, através dos contratos de afretamento, a colocar à disposição das referidas sociedades moçambicanas navios de pesca e a conceder o respetivo uso com vista à captura, por estas, das quotas de pesca que lhe são atribuídas pelas autoridades públicas moçambicanas, sempre se terá de concluir que os rendimentos dos mesmos derivados se subsumem, claramente, no elemento literal 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique – mais especificamente, na expressão «retribuições de qualquer natureza atribuídas (…)pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico» - devendo, em consequência, ser qualificados como royalties.

    1. ª Por seu turno, considerando que os serviços prestados com a cedência de pessoal consistem na transmissão, a título meramente complementar ou acessório, de informações técnicas e de conhecimento especializado à tripulação moçambicana (trabalhadores das empresas afretadoras) com vista à otimização do objeto principal do contrato (o fretamento de navio de pesca), também não podem restar dúvidas de que os mesmos devem ser qualificados como serviços de assistência técnica para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 3, da Convenção Portugal-Moçambique, sendo, por conseguinte, os rendimentos daí decorrentes enquadráveis no conceito de royalties.

    2. ª Consequentemente, impõe-se concluir que os rendimentos auferidos pela RECORRENTE em Moçambique, seja a título de fretamento de navios, seja a título de cedência de pessoal técnico devem ser qualificados como royalties, na aceção do artigo 12.º n.º 3, da CDT Portugal- Moçambique.

    3. ª Esta é, de resto, a conclusão alcançada pela própria RECORRIDA, quando afirma, expressa e claramente, em informação prestada pela Direção de Serviços de Relações Internacionais da Administração Tributária e Aduaneira, que «não se vislumbram quaisquer dúvidas» que «o fretamento (de navios) deve ser incluído na expressão “concessão do uso de um equipamento industrial ou comercial”» e que a cedência de pessoal técnico «(assume) um papel meramente instrumental relativamente ao objeto principal (o fretamento de navio), por via da transmissão de informações técnicas (Know-how), de carácter preparatório e auxiliar, que permitem à tripulação moçambicana (massa trabalhadora da empresa “afretadora”), manobrar o navio fretado e, assim, desenvolver a atividade (pesca) que motivou o fretamento do navio», razões pelas quais «tanto o fretamento do navio como a cedência de pessoal técnico para a preparação dos tripulantes moçambicanos, se afiguram passíveis de enquadramento no conceito de royalties previsto na Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Moçambique, em concreto o n.º 3 do seu artigo 12.º», devendo, por conseguinte, «ser tributados conforme o disposto nos n.ºs 1 e 2 do referido art. 12.º da CDT – As royalties provenientes de um Estado Contratante (Moçambique) e pagas a um residente do outro Estado Contratante (Portugal), podendo, todavia, ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm (Moçambique) e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as royalties for o seu beneficiário efetivo, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties» (os destacados são da RECORRENTE).

    4. ª Em face do exposto, sendo de concluir que os rendimentos auferidos pela RECORRENTE em Moçambique, seja a título de fretamento de navios, seja a título de cedência de pessoal técnico, devem ser qualificados como royalties, na aceção do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique, impõe-se revogar a decisão recorrida e, nessa sequência, determinar a baixa do processo ao Tribunal Arbitral para o mesmo se pronunciar sobre a questão jurídica cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução ali alcançada.

      TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA NO PROCESSO DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA QUE CORREU TERMOS NO CAAD SOB O N.º 781/2021-T E, EM CONSEQUÊNCIA, DETERMINANDO-SE A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL ARBITRAL PARA O MESMO SE PRONUNCIAR SOBRE A QUESTÃO JURÍDICA CUJO CONHECIMENTO FICOU PREJUDICADO PELA SOLUÇÃO ALI ALCANÇADA.

      2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos: A.

      A factologia relevante em ambas as decisões arbitrais comporta, nos seus elementos essenciais, rendimentos provenientes quer de contratos de fretamento de embarcações de pesca, equipadas (equipamentos, artes e materiais de pesca) e com tripulação portuguesa, quer de...

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