Acórdão nº 01034/21.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pelo qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção que intentou contra o Ministério da Administração Interna para declaração de invalidade da decisão do Ministro da Administração Interna, de 23.02.2021 que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Autor, da não qualificação de evento como acidente de serviço, assim como para a condenação da Entidade Demandada a tal qualificação e ao pagamento dos consequentes danos.

Invocou para tanto, em síntese, que decisão recorrida errou ao não considerar o evento em causa nos autos como um acidente de serviço, julgando assim a acção totalmente improcedente.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. O aqui Recorrente interpõe as presentes alegações de recurso por discordar, inteiramente, da sentença proferida que julgou totalmente improcedente a ação por si intentada e, nessa sequência, absolveu o Réu, Ministério da Administração Interna, dos pedidos, II. Na medida em que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, considerou a sentença recorrida não se encontram preenchidos os requisitos para qualificar o evento sofrido como acidente em serviço, nos termos dos artigos 8.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), por remissão do artigo 7.º, n.º1, do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

III. No entanto, não pode, nem deve o aqui Recorrente aceitar o teor de tal decisão, por desprovida de qualquer fundamento, quer legal, quer factual válido, IV. Vejamos: V. Conforme resulta do constante dos presentes autos, em 11 de Junho de 2021, intentou, o aqui Recorrente, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., a competente ação especial de impugnação do ato, VI. Visando o Despacho proferido pelo Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna, datado de 23 de Fevereiro de 2021, no âmbito do processo de acidente em serviço n.º PAS 836/18....

VII. Isto porque: VIII. Em virtude de, em 07 de Outubro de 2018, o aqui Recorrente ter elaborado uma participação por acidente em serviço, IX. Participação essa em que, claramente, consta que o mesmo “apresenta um quadro clínico pautado por sintomatologia ansiosa com exacerbação recente, irritabilidade fácil, queixas no domínio cognitivo (nomeadamente falta de concentração e atenção), pensamentos de menos valia e alteração de sono com insónia inicial, reativa a fatores de vivência, nomeadamente laborais (com superior hierárquico direto, o senhor Comandante de Posto)”, X. Foi-lhe prescrita uma incapacidade absoluta temporária, XI. Motivo pelo qual, foi determinada pelo Exmo. Comandante da Unidade, Coronel «BB», a abertura do procedimento por acidente em serviço n.º PAS 836/18....

XII. Porém, no seio do processo de acidente em serviço referenciado, para enorme surpresa do aqui Recorrente, foi proferida decisão no sentido de não qualificar o evento por si sofrido como acidente em serviço, XIII. Razão pela qual apresentou os competentes recursos hierárquicos, primeiramente junto do Comandante geral da Guarda Nacional Republicana e, posteriormente, junto do Ministro da Administração Interna, XIV. Alegando, em suma, que, contrariamente à posição adotada, o evento sofrido configurava, e ainda configura, um verdadeiro acidente em serviço.

XV. Contudo, tudo o alegado pelo aqui Recorrente não foi devidamente considerado, pois, em 23 de Fevereiro de 2021, foi proferida pelo Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna, negando provimento ao recurso interposto, XVI. Pelo que, não se podendo o Autor, aqui Recorrente, conformar com o entendimento adotado em tal decisão, XVII. Principalmente tendo na devida consideração tudo o alegado em sede de recurso apresentado, XVIII. Mormente, o facto das vivencias laborais que o mesmo sofrera com o seu superior hierárquico, o Senhor Comandante do Posto, 1.º Sargento, «CC», terem configurado nada mais menos do que acontecimentos súbitos, de verificação inesperada e origem externa, XIX. Até porque, as lesões manifestadas por este último, apesar de não configurarem uma lesão física ou corporal, configuram uma afetação nervosa, mental ou psíquica, sendo causa direta, adequada e necessária das mesmas, XX. Isto é, a postura adotada pelo seu superior hierárquico, provocou no aqui Recorrente, conforme medicamente comprovado, “sintomatologia ansiosa, socialização, desmotivação, irritabilidade fácil, falta de concentração e atenção, pensamentos de menos valia e incapacidade e insónia”, o que o incapacitou para o seu exercício profissional, XXI. Intentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... a competente ação de impugnação do ato administrativo.

XXII. Todavia, realizada a competente Audiência de Discussão e Julgamento, foi, aqui e agora, o mesmo notificado da sentença proferida nos presentes autos, que, de modo inesperado e inusitado, decide julgar improcedente a ação intentada pelo Autor, e nessa sequência, absolver o Réu, Ministério da Administração Interna, dos pedidos, XXIII. Decisão com a qual não pode, nem deve, mais uma vez, concordar por desprovida de qualquer fundamento, quer legal, quer factual válido.

XXIV. E diz-se que não pode, nem deve, mais uma vez, o aqui Recorrente, concordar por desprovida de qualquer fundamento, quer legal, quer factual válido, XXV. Pois, salvo o devido respeito por opinião contrária, é notoriamente vislumbrável, na Sentença recorrida, erro de julgamento de direito, por errada interpretação dos artigos 7.º, n.º1 do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de Novembro e 8.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009.

XXVI. No entendimento do aqui Recorrente, o Tribunal a Quo, contrariamente ao que se impunha, atenta a materialidade apurada, proferiu decisão puramente formal, impedindo-o de ver apreciada a sua pretensão, ou seja, de ser feita Justiça Material.

XXVII. Isto porque, o Tribunal a Quo considerou, indevidamente, que o evento sofrido pelo Autor, aqui Recorrente, não é subsumível ao conceito de acidente em serviço, XXVIII. Quando, de facto, em face da factualidade dada como provada, pode-se afirmar que estão verificados todos os pressupostos para se concluir pela existência dum verdadeiro acidente em serviço e consequente direito à reparação por todos os danos sofridos pelo Recorrente.

XXIX. Decide a sentença recorrida de “uma leitura global do probatório permite inferir que não está em causa uma situação isolada e delimitada num preciso momento temporal, mas sim um conjunto de situações prolongadas no tempo”, XXX. Conclui-se, assim, que “é entendimento deste Tribunal que a situação do Autor não é enquadrável no conceito de acidente de trabalho”, XXXI. Até porque, “(...) não se trata de um evento lesivo isolado e súbito, de verificação inesperada, mas sim de um conjunto de situações, perpetuadas num determinado lapso temporal, faltando-lhe, justamente, as características de instantaneidade e verificação inesperada.” XXXII. Contudo, a interpretação operada pelo Tribunal a Quo dos artigos 7.º, n.º1, do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de Novembro e 8.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, XXXIII. Concluindo pela não subsunção da situação vivenciada pelo Autor ao conceito de acidente em serviço, por não se tratar de um evento isolado e súbito, de verificação inesperada, XXXIV. Faltando-lhe, portanto, as características de instantaneidade e verificação inesperada, XXXV. Foi totalmente errónea.

XXXVI. Como tal, não pode soçobrar.

XXXVII. Conforme supra referido, o acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal.

XXXVIII. Contudo, o acidente de trabalho em termos naturalísticos pode não ser instantâneo nem violento.

XXXIX. Este é o entendimento que tem vindo a ser defendido na Jurisprudência dos Tribunais Comuns e Superiores, mormente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30 de Maio de 2012, no âmbito do Processo n.º 159/05.0TTPRT.P1.S1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21/11/2001, no âmbito do Processo n.º SJ200111210015914.

XL. Segundo tais decisões: “No entanto, continua este autor, esta caracterização está longe de ser completa, pois “nem o acontecimento exterior direto e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente”.

Por isso, sustenta este autor que a violência não constitui, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho. E quanto à subitaneidade, que constitui uma característica importante que permite a possibilidade de localizar no tempo o evento lesivo, e por isso distinguir o acidente de trabalho da doença profissional, também este critério não resolve, sozinho, todas as situações da vida real (obra citada, 36 e 37).

Efetivamente, já Veiga Rodrigues sustentava que o carácter repentino do acidente naturalístico não quer dizer que este deva ser instantâneo, pois pode tratar-se dum acontecimento que coincida com o dia de trabalho. E continuando a citar este autor, acidente é qualquer facto ou ocorrência modificadora de um estado físico anterior, sendo que “essa modificação há-de objetivar-se na produção de uma lesão ou doença física ou psíquica, aparente ou não, interna ou externa, profunda ou superficial, de evidenciação imediata ou mediata”.

Donde podermos concluir que o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência dum acidente, entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que...

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