Acórdão nº 349/21.9T8CNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 09.11.2021, Conselho Diretivo dos Baldios dos Lugares de ..., AA, BB, CC e DD - os “AA. singulares, enquanto Compartes recenseados e votantes nas Assembleias de Compartes dos ditos Baldios de ...

” - intentaram a presente ação declarativa comum contra EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ e AAA, pedindo, “com respeito a uma reunião ocorrida em 10.10.2021, pelas 9.30 horas, no lugar de ..., FREGUESIA ..., concelho ...

(...), cujos participantes arvoraram a mesma em suposta assembleia de compartes dos Baldios de ...

”, que a dita “reunião”, “a convocatória para a mesma”, “a respetiva ata” e “as deliberações nela tomadas e todos os atos daquela emanados e a ela sequenciais (nomeadamente: a eleição na mesma de uma mesa da assembleia com os respetivos titulares, a admissão de novos compartes, a aprovação de novo caderno de compartes, a aprovação de regulamento eleitoral e o regulamento assim aprovado, a marcação e a convocatória de uma nova assembleia de compartes para eleição dos órgãos dos baldios – a ter lugar a 14.11.2021, entre as 09,00h e as 13,00h, no mesmo local”, sejam dados “por impugnados, inexistentes, írritos e sem qualquer valor jurídico para esses pretendidos efeitos e, como tal, inexistentes, ou nulos, ou anuláveis, ou de toda a maneira, contrários à lei e ineficazes quanto aos compartes dos mesmos baldios”.

Após explanação caraterizada ou identificada como “histórico” (subdividida em “histórico da criação da Assembleia de Compartes”; “histórico da propositura e tramitação de um longo, complexo e demorado processo judicial” e “histórico dos atos societários, e outros, prévios à tal reunião”) e que integrou 164 artigos da petição inicial (p. i.) (46 páginas), fundamentaram os AA. o pedido nos seguintes pretensos vícios adjetivos ligados à mencionada “reunião” de 10.10.2021[1]: ausência de convocatória efetuada nos termos do art.º 26º, n.º 1, da Lei dos Baldios (art.ºs 186º a 194º da p. i.); inobservância, na sessão, da putativa ordem de trabalhos (art.ºs 195º a 201º da p. i.); marcação da data da eleição sem prévia organização e atualização do caderno de recenseamento de Compartes (pelo Conselho Diretivo) e admissão de Compartes sem competência e em violação do disposto no art.º 7º, n.º 6 da Lei dos Baldios (art.ºs 202º a 212º da p. i.); duplicação, sem fundamento válido, da Assembleia de Compartes e da respetiva Mesa (art.ºs 213º a 215º da p. i.); marcação e convocatória da Assembleia de Compartes de 14.11.2021, sem prévio pedido ao Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes (art.ºs 216º a 225º da p. i.); aprovação de novo regulamento eleitoral, sem estar na ordem de trabalhos e sem revogação do que fora aprovado por deliberação de 06.6.2021 (art.ºs 226º a 229º da p. i.) e falta de leitura e de aprovação da ata (art.ºs 230º a 236º da p. i.).

Por requerimento de 24.11.2021, os AA. ampliaram o pedido (visando, designadamente, a declaração de nulidade das deliberações tomadas na reunião de compartes que decorreu no dia 14.11.2021, de cuja convocatória já haviam peticionado a declaração de nulidade no primeiro pedido) e suscitaram a intervenção principal (provocada) de BBB, CCC, DDD, BBB, EEE, FFF e GGG.

Os Réus FF, II, LL, SS e UU - referindo a sua qualidade de “compartes, devidamente recenseados, com os nomes constantes no Caderno de Recenseamento de Compartes dos Baldios dos Lugares de ..., aprovados para os referidos baldios em reunião de Assembleia de Compartes de 06.6.2021 (...), em que os AA. nesta ação estiveram também presentes”[2] - contestaram a ação, por exceção e impugnação, invocando, nomeadamente, a incompetência material, a ineptidão da p. i., a falta de interesse em agir, a ilegitimidade passiva dos Réus e a ilegitimidade ativa do Conselho Diretivo [afirmando, quanto a esta última exceção dilatória, que “tal como os AA. configuram a presente ação, é inquestionável que as deliberações foram tomadas pelos órgãos dos baldios e não pelos compartes em nome individual” e que “sendo o Conselho Diretivo atualmente eleito um órgão colegial tem necessariamente de estar em juízo; é a vontade do Conselho Diretivo e da Assembleia de Compartes e não a vontade de cada um dos compartes individuais que estiveram presentes na votação deliberativa que tem efeitos legais no universo dos baldios; as deliberações são dos órgãos e não de cada um dos compartes, pelo que a legitimidade passiva deve ser dos órgãos dos baldios e não dos compartes individuais; nas reuniões de 10.10.2021 e 14.11.2021 os compartes reuniram-se em assembleia e aí tomaram e aprovaram deliberações, resultando na eleição de novos e atuais órgãos sociais”]. Concluíram pela procedência da matéria de exceção ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação, porquanto, além do mais, foi validamente convocada e marcada a reunião da Assembleia de Compartes de 10.10.2021, constituída validamente a Assembleia e a respetiva Mesa e aprovado o Regulamento Eleitoral pela Assembleia de Compartes (por unanimidade); eventuais deliberações e decisões a tomar pelos órgãos dos baldios, legitimamente eleitos a 14.11.2021, não colidem e não podem ser antagónicas com quaisquer outras, já que os antigos órgãos deliberativos e executivos dos baldios deixaram de produzir deliberações ou tomar decisões, valendo tão somente as dos atuais órgãos eleitos que tomaram posse no dia 14.11.2021 perante a Presidente em Exercício da Mesa da Assembleia, assinando e sendo empossados todos os eleitos na lista única que se apresentou a sufrágio e que obteve 66 votos favoráveis num universo de compartes votantes de 68.

AA. e Réus apresentaram novos articulados, reafirmando as suas posições e pedindo a condenação da parte contrária por litigância de má fé (fls. 459 verso, 506 verso e 546).

Por despacho de 05.6.2022 admitiu-se a ampliação do pedido[3] e a intervenção principal.

Por saneador-sentença de 10.01.2023, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo julgou improcedentes as exceções de incompetência material do Tribunal e de ineptidão da p. i.

[4], e verificada a exceção de ilegitimidade passiva, absolvendo os réus e chamados da instância.

[5] Inconformados, os AA. apelaram formulando as seguintes conclusões: A) Ao abrigo do disposto no n. º 1 do art.º 421º do Código de Processo Civil (CPC), que consagra o valor extraprocessual da prova produzida no procedimento cautelar noutra ação, é admissível aos Compartes/Autores/Recorrentes/Apelantes valerem-se, na presente alegação – como fazem –, de transcrições das gravações de depoimentos de testemunhas e de partes, tais como produzidos, e registados no sistema informático Citius, na audiência de prova contraditória a que houve lugar, entre as mesmas partes, no procedimento cautelar que corre por apenso a esta presente ação declarativa de processo comum, que àquele é principal.

B) O despacho-saneador-sentença recorrido demonstra labor, primor na escrita, espírito de síntese e clareza de exposição, padecendo, no entanto, a decisão de um prejuízo, em que se confunde mérito com forma, o qual ditou um erro de julgamento, que os Apelantes reputam de clamoroso, sendo que esse pré-julgamento do demérito dos próprios fundamentos da ação, de acordo com o critério de julgamento adotado, perpassa por toda a sentença recorrida, apesar de a mesma se qualificar como apenas de forma e não de mérito.

C) Como o Tribunal a quo reconhece, os Autores configuram a ação a incidir sobre reuniões de pessoas e não em verdadeiras Assembleias de Compartes, as quais consideram inexistentes por falta de convocatórias válidas para as mesmas, por haver outros órgãos – os verdadeiros – em funções, e etc., ou seja, por não ter existido uma válida “transmissão de testemunho”, ou uma tradição ou trato sucessivo institucional, para os ditos “novos órgãos”, como detalhadamente explicam e fundamentam em factos concretos, e é essa configuração que os Autores conferem à ação, a que releva para aferir, neste caso, da ocorrência de interesse dos Réus, todos eles singulares, como parte legítima, em contradizer o que contra eles é pedido e a eles imputado – e não aos novos órgãos, os quais, na ótica dos mesmos Autores, e como estes alegaram e tentam demonstrar, inexistem.

D) Ressalta de toda a sentença que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo de todo não apreciou a p. i. da presente ação e que, em reação à densidade da lide, reputada de desnecessária e imputada aos Autores, tentou o Julgador reduzir o processo a uma fórmula simples.

E) Segundo a decisão recorrida, o âmago da lide consiste tão só numa mera impugnação de deliberações sociais emanadas de órgãos de gestão dos baldios, mas tal não corresponde à realidade dos factos, tais como alegados e descritos, ou seja, com a versão da realidade carreada para os autos pelos Autores, a qual tem outro, mais denso, enquadramento, densidade que o Tribunal no entanto reconhece, com respeito ao âmago da questão da legitimidade, no seguinte trecho: «Destes (considerações de natureza conclusiva ou de direito, assim como … juízos de valor ou … opiniões pessoais), por não terem carácter factual, não poderão ser colhidos quaisquer subsídios no exercício hermenêutico que há-de necessariamente presidir à identificação dos titulares do interesse em demandar e contradizer quando, como é o caso, a complexidade da matéria não os permite discernir sem dificuldade» (p. 18)».

F) Contrariando a complexidade da lide conclui-se na decisão recorrida, que: «Da análise ora empreendida à PI, nas suas múltiplas asserções, é de concluir que, reduzida à sua essência, a relação material que subjaz à presente demanda se reconduz à disputa, entre compartes, pelos órgãos dos baldios dos Lugares de .... A polarização manifesta-se em termos muito simples: os compartes eleitos, e aqueles que os apoiam, preferem que se não realizem eleições até que o processo n.º 90/12.... esteja definitivamente decidido; o 5º réu e os compartes que o apoiam...

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