Acórdão nº 2320/23.7T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 2320/23.7T8VIS-C1 (Juízo de Competência Genérica de Mangualde) Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório AA, melhor id. nos autos, instaurou PROCEDIMENTO CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE contra BB, divorciada, residente em ..., ... ..., ..., pedindo a sua condenação a reconhecer a posse exclusiva do Requerente como fiel depositário do imóvel melhor id. no artigo 8.º do requerimento inicial; a deixar de praticar atos de uso ou posse sobre o referido imóvel e ao pagamento do montante diário de € 200,00, a título de sanção pecuniária compulsória até ao efetivo reconhecimento da posse exclusiva do Requerente, ou por cada dia de desrespeito pelas medidas decretadas pela providência cautelar requerida e, por último, a inversão do contencioso.

Para tanto, o Requerente alega, em suma, que corre em juízo o processo de partilha de bens comuns de casal, no âmbito do qual foi nomeado cabeça de casal. Continua que, nessa sequência, remeteu uma missiva à Requerida dando conta dos motivos pelos quais passaria a estar impedida de usufruir do referido imóvel e que as fechaduras haviam sido mudadas.

Assevera o Requerente que tramitou por apenso o arrolamento dos bens comuns do casal, no âmbito do qual foi nomeado fiel depositário, tendo a Requerida sido citada e deduzido oposição.

Prossegue o Requerente com a narração de circunstâncias em que a Requerida alegadamente terá entrado no imóvel e os atos aí praticados.

Pelo Juízo de Competência Genérica de Mangualde, após contraditório, foi proferida a seguinte decisão: Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.

Custas pelo Requerente, cf. o disposto no art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Registe, notifique e dê a competente baixa.

Mangualde, d.s”.

O Requerente, AA, não se conformando com tal decisão, dela interpõe recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: 1º. O requerente é cabeça de casal no inventário interposto depois do divórcio.

  1. O requerente é fiel depositário depois de ter sido nomeado, no procedimento cautelar de arrolamento.

  2. Como tal é a ele quem compete a administração do imóvel em causa, sendo, por isso, seu possuidor, ainda que em nome de uma entidade autónoma formada pelo património do ex-casal (à semelhança do que acontece nas heranças indivisas).

  3. O requerente é, portanto, único legitimo possuidor efetivo do imóvel.

  4. A requerida, ao praticar os atos descritos está a atuar como “por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade” (v.g. art.º 1251º do Código Civil), porquanto se sente no direito de entrar em casa, estroncar uma fechadura, colher os limões, lá dormir com o seu companheiro.

  5. Depois da carta que foi enviada pelo requerente, ao rebentar uma fechadura, a requerida praticou esbulho violento, como considera o Tribunal da Relação de Guimarães numa situação análoga no Ac. onde se dispõe que “Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento;”- 1 Proc.º 69/11.2TBGMR-B.G1; disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4f1ff5ece9bc4671802579520042980d - , tendo em conta que a requerida colocou novas fechaduras na porta sabendo que impediria o requerente de lá entrar.

  6. Por tudo, e até pelo conflito latente entre RR, a ação da requerida impossibilita o exercício da posse que está adstrito ao fiel depositário, cabeça de casal, requerente.

  7. Essa coação moral que a requerida exerce sobre o requerente, para além de configurar esbulho (pelo exposto em 7º) também o torna violento, tendo em conta que o requerido tem justo receio das eventuais consequências que possam advir de tais atos.

  8. O recurso aos Tribunais, e a presente providência cautelar é o único meio que fará cessar a conduta da requerida, e apenas a cessação da sua conduta trará, novamente a completude da posse que o requerente exerce.

  9. Já decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça que a violência sobre as coisas transforma o esbulho em violento, quando essa violência coaja o desapossado e o coloque numa situação de incapacidade de reagir perante tal desapossamento.

  10. Provada que está (de direito) a posse do requerente; o esbulho; e a violência no esbulho.

  11. As decisões judiciais não devem promover nem branquear atos de violência que representem limitação ao exercício dos direitos a quem os próprios tribunais conferiram 13º. Com a decisão do Tribunal a quo mostram-se violadas as normas constantes dos art.º 1, 366, 377, 378, 757, 1082/1/a), 1085/b do Código do Processo Civil e os art.º 255, 1197, 1261, 1261/2, 1279, 1286, 2088 do Código Civil.

    Deverá ser a presente providência ser julgada por provada, sendo anulada a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que não contenha as mesmas violações, e que assim se faça a acostumada justiça! 2. Do objecto do recurso No requerimento inicial estão vertidos (ou não) os pressupostos - a posse, o esbulho e a violência - que permitem pedir a restituição provisória da posse? A 1.ª instância entendeu no seu despacho, que proferiu ancorado na norma do artigo 590.º do Código do Processo Civil – que será o diploma a citar sem menção de origem –, que “não estão verificados, nem são suscetíveis de verificação ulteriormente, mormente através de convite ao aperfeiçoamento, os pressupostos fáctico jurídicos de que depende o decretamento da presente providência cautelar, mesmo através da sua convolação em procedimento cautelar comum”.

    Avaliando.

    É conhecida a divergência, na doutrina e na jurisprudência, sobre o exacto sentido do conceito de “violência” (no esbulho): a que considera que para haver violência tem a mesma que ser exercida sobre a pessoa do possuidor; e a que considera que basta a violência exercida sobre a coisa, quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral.

    No Acórdão do STJ de 09.11.2022, publicado em www.dgsi.pt, escreve-se: “E também alinhamos pela resposta menos exigente e restritiva, ou seja, que igualmente preenche o conceito de violência a que, em certos termos e circunstâncias, for exercida sobre a coisa.

    A tal propósito – para justificar em que termos a violência seria relevante – escrevia o Prof. Manuel Rodrigues (in a posse, pág. 365 e ss): “(…) pode perguntar-se se, em face do direito português, só é de atender à violência contra as pessoas ou também à violência contra as coisas; se só à violência física, ou também à violência moral.

    A violência tanto pode ser contra as pessoas como contra as coisas. A história do art. 494.º do CPC de 1876, permite-nos fazer esta afirmação.

    O projeto de Seabra não definia violência nem indicava os seus elementos; mas no primeiro projeto da Comissão Revisora, art. 366.º: «quer fosse exercida contra as coisas quer contra as pessoas».

    (…) O pensamento que dominava os...

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