Acórdão nº 717/20.3T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução14 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I.RELATÓRIO 1 Generali Seguros, S.A.

intentou acção declarativa comum contra AA pedindo a condenação deste no pagamento de € 48 000,00€ (quarenta e oito mil euros) acrescidos de juros de mora vencidos, desde a citação e vincendos até integral pagamento , assim como de todas as quantias que a Autora venha despender em virtude do acidente dos autos, mormente, as decorrentes do também acidente de trabalho do ocupante do veículo seguro BB que, nesta data, ainda não foram devidamente liquidadas e apuradas.

Para tanto, alegou ter direito de regresso sobre o Réu pelos montantes pagos a coberto de um contrato de seguro por responsabilidade civil automóvel, ante a circunstância de ter sido o sinistro em causa causado por condução com excesso de álcool no sangue e consumo de estupefacientes.

O Réu contestou negando a respetiva culpa na produção do acidente e referindo que fumou canábis cerca de 48h antes do acidente e que a TAS que apresentava não determina a existência de presunção para efeitos de direito de regresso.

Realizou-se audiência final vindo, subsequentemente, a ser proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Assim e pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente e, em consequência:

  1. Condeno o Réu a pagar à Autora a quantia de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal civil desde a citação até integral pagamento.

  2. Condeno o Réu a pagar à Autora a quantia, que se vier a liquidar em execução de sentença, emergente do dano por perdas salariais e do dano patrimonial futuro devidos às lesões decorrentes do acidente.

  3. Condeno o Réu no pagamento das custas da ação.”.

    1. É desta sentença que recorre o Réu, formulando na sua apelação as seguintes conclusões: (i) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. .... dos autos, nos termos da qual foi a acção julgada procedente por provada, tendo, em consequência sido o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de 48.000,00€ (quarenta e oito mil euros), acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal civil desde a citação até integral pagamento e ainda condenado pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, emergente do dano por perdas salariais e do dano patrimonial futuro devidos às lesões decorrentes do acidente. (sublinhado nosso).

      (ii) Não se conforma o Apelante com os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, com enquadramento jurídico adoptado na sentença recorrida, nem com a própria decisão recorrida.

      (iii) Entende o Apelante que de acordo com a prova produzida, não poderia o tribunal a quo ter dado provado que o acidente adveio da sua condução em excesso de velocidade, desatenta e alheada à configuração da via.

      (iv) Porquanto, para além do ocupante - o qual não se poderá dizer que não tenha interesse na causa – mais ninguém assistiu ao acidente.

      (v) As suas declarações de parte prestadas pelo Apelante foram-no de forma sincera e verdadeira e pese embora admitisse que conduzia a uma velocidade superior a legalmente admitida, disse que o fazia de forma consciente e atenta, tendo ainda oferecido uma versão “alternativa” do acidente, afirmando que tal poderia ter ocorrido por haver brita na estrada devido ao elevado número de camiões a circular naquela estrada na sequência das obras existentes na região, o que fez com que na curva a viatura lhe fugisse.

      (vi) Entende deste modo o Apelante que não ficou provado que o acidente tenha ocorrido por sua culpa exclusiva e consequentemente que tenha sido ele a dar causa ao acidente, assim como entende que não foi provado que conduzia sob o efeito do álcool e de estupefacientes, motivo pelo qual não se poderia dar como não provado que os valores de alcoolemia e canabinoides de que o Apelante era portador, não influenciaram a sua condução.

      (vii) A prova documental produzida a este respeito impunha decisão diversa uma vez que os níveis apresentados pelo Apelante, permitiram que o MP de Moura arquivasse o processo crime, porquanto considerou que este não se encontrava sob a influência de quaisquer substâncias psicotrópicas na altura em que conduzia o veículo, conforme Documento oportunamente junto com a contestação.

      (viii) Também nenhuma prova foi feita que demonstrasse que o Apelante tivesse sofrido alguma contraordenação estradal por conduzir sob o efeito do álcool.

      (ix) Exigir-se do Apelante que provasse que os valores que apresentava no sangue de álcool e canabinoides, não influenciaram a sua condução, era exigir do mesmo a chamada prova diabólica.

      (x) Baseia a Apelada o direito de regresso, que pretende lhe seja reconhecido, no estatuído na al. c), do nº1, do art.º 27.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08 por ter dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e nessa circunstancia o direito de regresso da seguradora emerge do cumprimento da obrigação por aquela para com o lesado, ficando a mesma na posição de credora relativamente ao segurado ou a terceiro, a quem incumbirá satisfazer as quantias que tenha liquidado, uma vez verificado o fundamento de tal direito de regresso.

      (xi) “O direito de regresso consiste no direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta”. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição, Almedina, 2014, p. 346, pelo que vigoram as regras normais de direito probatório material, incumbindo à Seguradora o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca, em conformidade com o art.º 342º nº 1 do Código Civil, o que claramente não aconteceu. Neste mesmo sentido veja-se o Ac TRP de 19/05/2022, 2791/20.3T8PNF.P1.

      (xii) Não desconhece o Apelante que existe jurisprudência que dispensa a seguradora de provar o nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a condução sob o efeito do álcool, mas tal não significa necessariamente que o preceito em análise apenas consinta uma interpretação mecanicista que leve a desconsiderar quaisquer outras circunstâncias que tenham rodeado o acidente. Ao invés, em determinado contexto, pode justificar-se um esforço suplementar que conduza a um resultado diverso do anteriormente referido, crendo o Apelante que tal deverá suceder no caso concreto porquanto o acidente ocorreu no dia 22/06/2016 e o Apelante tinha carta desde 17/09/2014, sendo à data o regime probatório de 2 anos, pelo que se o acidente tivesse ocorrido apenas 3 meses depois da data em que ocorreu, deixariam de estar preenchidos os requisitos formais do supra referido preceito legal.

      (xiii) Acresce que no caso concreto o valor apresentado pelo Apelante foi de 0,47g/l sem aplicação da margem de erro admitida inferior aos 0,5g/l previstos na lei e ainda que, em termos de direito estradal, o facto de este se encontrar em regime probatório e se presumir que ao apresentar uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,2g/l se encontra sob a influência do álcool, cientificamente não significa que o mesmo efectivamente se encontrasse sob o efeito do álcool no momento do acidente. Tal presunção apenas releva em termos de contravenção estradal, o que não é de todo o caso.

      (xiv) Condenar o Apelante no direito de regresso seria impor-lhe um ónus excessivamente gravoso, implicando uma responsabilidade patrimonial pessoal particularmente onerosa, sendo indispensável que esta imposição de uma responsabilização definitiva pelas quantias satisfeitas pela seguradora aos lesados se possa conformar com os princípios fundamentais da proporcionalidade e da culpa.

      (xv) Entende a apelante que a sentença ora recorrida é nula nos termos da alínea c) do Art.º 615.º do Código de Processo Civil, porquanto a decisão proferida é ambígua e obscura, ao condenar o Apelante a “pagar à Autora a quantia, que se vier a liquidar em execução de sentença, emergente do dano por perdas salariais e do dano patrimonial futuro devidos às lesões decorrentes do acidente.” (xvi) Não alcança o apelante, em concreto a que foi condenado para além dos 48.000,00€ que a Autora havia inicialmente peticionado, devendo ser nesta parte a sentença considerada nula nos termos e para os efeitos da alínea c) do Art.º 615.º do CPC Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com douto suprimento de V/ Exas, deverá ser julgado procedente o presente Recurso e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo e, em consequência, absolver o Apelante do pedido em que foi condenado, assim se fazendo a costumada. JUSTIÇA, 3. Não houve contra-alegações.

    2. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), constata-se que nas mesmas o apelante circunscreveu a impugnação da matéria de facto aos factos vertidos nos pontos (que, aliás, nem sequer explicita) 15 e ii) dos factos “Não Provados”.

      No que se refere ao facto vertido no ponto 15 entende que não deveria ter ficado provado porque os depoimentos do militar da GNR e da perita averiguadora se basearam apenas em suposições, sendo que as declarações do Réu, ao invés, permitem infirmar tal factualidade.

      Porém, nem sequer no corpo das alegações dá cumprimento integral cumprimento ao disposto no art.º 640º do CPC.

      Na verdade, quando pretender impugnar a matéria de facto, o recorrente terá de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do CPC.

      De tal preceito decorre que a lei exige o cumprimento pelo Recorrente dos seguintes requisitos cumulativos: ii) A...

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