Acórdão nº 0777/15.9BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO MACHETE
Data da Resolução14 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório 1.

Nos presentes autos de recurso de revista vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), vêm AA e BB, melhor identificados nos autos, recorrer do acórdão daquele Tribunal, de 16.09.2022, que, negando provimento ao recurso de apelação pelos mesmos interposto, manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (“TAF Porto”) pela qual foi julgada parcialmente procedente a ação originariamente intentada por CC – marido e pai dos ora recorrentes, e entretanto falecido – contra o ora recorrido ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, condenando-o a pagar a quantia de 9 000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais causados pelo atraso na decisão do Processo n.º 1897/04.0BEPRT.

2.

Tal processo correspondeu à ação proposta no TAF Porto, em 15.09.2004, pelo falecido CC contra o Estado (Ministério da Saúde) e o Hospital de São João, no Porto, pedindo a condenação dos réus a pagar a quantia de 109 518,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da prática de atos médicos, a qual, depois de diversas vicissitudes, veio a ser julgada improcedente em 12.11.2012. Interposto o pertinente recurso jurisdicional, foi aquela decisão confirmada pelo acórdão do TCAN de 28.06.2013. O recurso de revista interposto desta última decisão não foi admitido por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) prolatado em 24.06.2014.

3.

Alegando ter sofrido de forte angústia, incerteza, tristeza, mágoa, frustração e revolta em virtude do atraso e delonga indevidos na resolução daquele litígio, veio CC, em 5.03.2015, intentar a ação que deu início aos presentes autos, pedindo a condenação do ora recorrido a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 50 000,00 euros, acrescido de juros contados desde a citação. Poucos meses depois, em 29.07.2015, ocorre o decesso do autor, facto que está na origem da sua substituição pelos ora recorrentes, enquanto herdeiros habilitados por sentença proferida em processo apenso aos presentes autos, datada de 11.07.2017.

Terminada a fase dos articulados, realizaram-se a audiência prévia (em duas sessões: em 22.03.2018 e em 7.06.2018) e a audiência final (em 19.10.2018), tendo sido o processo concluso para decisão em 6.11.2018.

Por sentença de 21.10.2021, fundada na aplicação dos regimes constantes do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, e do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (“RCEEP”), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro – ambos considerados aplicáveis ratione temporis aos factos dados como provados (v. p. 26 da sentença) –, foi a ação julgada parcialmente procedente e o ora recorrido condenado a pagar aos recorrentes a quantia de 9 000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais. Na conclusão da respetiva fundamentação pode ler-se (v. pp. 74-75 da sentença): «[… C]onsideramos que é de valorizar, para efeitos de determinação da indemnização a atribuir aos AA. pelos danos morais sofridos pelo falecido CC, a circunstância do processo ter durado, globalmente, cerca de 10 anos, sendo que cerca de 4 anos e meio consubstanciam demora excessiva e injustificada do processo n.º 1897/04.0BEPRT. Assim sendo, a angústia, a ansiedade, a preocupação, os aborrecimentos, a frustração e a incerteza vividas pelo falecido CC em virtude da referida delonga processual assumiram maior intensidade e gravidade em atenção à longevidade do processo em causa e, bem assim, à demora na resolução da disputa que incidia sobre os atos médicos praticados pelo Hospital de São João e das sequelas que os mesmos provocaram.

Desta feita, atendendo à gravidade e intensidade dos sofrimentos e aflições de que padeceu o falecido CC, à repercussão do litígio posto no processo n.º 1897/04.0BEPRT nos seus termos de vida, nomeadamente, na planificação da sua vida, à duração global do aludido processo, julgamos justo e adequado fixar a indemnização devida aos AA. pelos danos morais respeitantes ao falecido CC no montante de 2.000,00 Euros por cada ano de delonga processual injustificada, o que perfaz um total de 9.000,00 Euros, correspondentes a 4 anos e meio.» 4.

Não conformados, os autores ora recorrentes apelaram para o TCAN, sustentando, com base na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (“TEDH”) e deste STA – designadamente, o acórdão de 11.05.2017 (P. 1004/16) –, que aquela sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto não ponderou nem decidiu oficiosamente e com respeito do contraditório que o próprio atraso injustificado dos presentes autos – que computaram em 3 anos e meio – deveria ser considerado no valor da indemnização que lhes é devida por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável. Assim, a indemnização a pagar pelo réu, segundo o critério já fixado na 1.ª instância – 2 000,00 euros por cada ano de atraso injustificado – deveria ser aumentada em 7 000,00 euros, condenando-se o réu/recorrido no montante global de 16 000,00 euros.

Porém, o TCAN, no seu acórdão de 16.09.2022 – o acórdão ora recorrido –, ainda que por maioria, e sem prejuízo de aditar à matéria de facto apurada na 1ª instância os factos referidos pelos recorrentes na sua alegação, não lhes reconheceu razão e negou provimento ao recurso. Para tanto, considerou estar em causa uma questão nova introduzida pelos recorrentes apenas na sua alegação do recurso de apelação e, por conseguinte, não suscitada junto do tribunal de 1.ª instância, que por isso mesmo não foi por este apreciada nem sequer considerada prejudicada no seu conhecimento. Como tal, e também por entender não se tratar de questão de conhecimento oficioso devido a não estar em causa o interesse público, decidiu o TCAN inexistir qualquer erro de julgamento.

5.

Ainda irresignados, os recorrentes interpuseram o presente recurso de revista, tendo no final da sua alegação formulado as seguintes conclusões: «1. O tribunal recorrido não ponderou, no arbitramento da indemnização que atribuiu à aqui recorrente [sic] o próprio atraso injustificado dos presentes autos.

2. Como resulta destes próprios autos, a própria ação de indemnização fundada na violação do direito dos autores, aqui recorrentes, à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável teve atrasos manifestamente excessivos e injustificados: - A citação do réu demorou 3 meses a ser feita.

- O incidente de habilitação de herdeiros, que correu por apenso, incidente manifestamente simples, demorou 22 meses.

- Os presentes autos estão pendentes desde 5 de Março de 2015.

- O julgamento realizou-se em 26 de Outubro de 2018 e a sentença foi proferida 3 anos depois, em 22 de Outubro de 2021.

- A tramitação destes autos perdura há cerca de 7 anos e meio.

3. Tais atrasos, excessivos e injustificados, têm que ser considerados no âmbito da indemnização a arbitrar, sob pena de a presente ação de indemnização ficar absolutamente desprovida de sentido e impondo aos aqui autores a propositura de nova ação, mas agora para aferir da responsabilidade do réu/recorrido no que concerne ao atraso verificado nestes próprios autos, num ciclo [sic] vicioso sem fim, na senda do decidido por este Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do proc. nº 01004/16, de 11/05/2017, disponível em www.dgsi.pt.

4. A decisão recorrida violou assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 20º, nº 4 e 22º da CRP, 6º, nº 1 da CEDH, 12º, 7º e 9º da Lei 67/2007, devendo ser revogada e substituída por outra que, nos termos do art. 202º da CRP, reconheça a violação do direito dos recorrentes à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável no âmbito destes autos indemnizatórios, atraso injustificado esse computado sempre em, pelo menos, 3 anos e meio, e que seguindo o mesmo critério indemnizatório da decisão recorrida, condene o réu/recorrido em 2.000,00 euros de indemnização por cada ano de atraso, num total de 7.000,00 euros, assim condenando o réu/recorrido no montante global de 16.000,00 euros.» 6.

O recorrido contra-alegou, concluindo que: «1.º O recurso deve ser admitido por suscitar uma questão que pela sua relevância jurídica ou social revestem importância fundamental sendo a admissão do recurso claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

  1. A fixação de uma indemnização complementar em sede de ação de responsabilidade civil do Estado por delonga na administração da justiça, decorrente de eventual atraso na própria ação, não constitui um dever do tribunal “A quo”, mas um mero poder exercido de acordo com o livre arbítrio subjacente a uma decisão judicial.

  2. Não constituindo a fixação de indemnização complementar um dever do Tribunal “A quo”, a não pronúncia, sobre esta matéria, não consubstancia qualquer nulidade que o tribunal superior tenha o dever de conhecer oficiosamente.

  3. [sic] A condenação do Estado Português em indemnização suplementar, sem que lhe tenha sido dada oportunidade de exercer o contraditório, em articulado próprio, e não em sede de contra-alegações, violava os princípios do dispositivo, da estabilidade da instância e o exercício do contraditório.

  4. Em sede de recurso para o TCA, os recorrentes não invocaram qualquer nulidade, nem fundamentaram a existência da mesma.

  5. Não tendo o tribunal de 1ª Instância proferido pronúncia sobre esta matéria, e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, por não constituir qualquer nulidade, e tendo a questão sido suscitada inovatoriamente em sede de recurso, o TCA estava impedido de pronunciar-se sobre a mesma, sob pena de nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.

  6. A decisão recorrida não violou por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 20º, nº 4 e 22º da CRP, 6º, nº 1 da CEDH, 12º, 7º e 9º da Lei 67/2007, pelo que não [deve] ser revogada e substituída por outra que, condene o R. Estado, sob pena...

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