Acórdão nº 0684/17.0BECBR-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução14 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. AA, Autora na presente ação administrativa, interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido em 30/10/2020 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 517 e segs. SITAF), que negou provimento ao recurso de apelação por si interposto, e confirmou a sentença proferida pelo TAF/Coimbra em 8/11/2019 (cfr. fls. 422 e segs. SITAF), que julgara improcedente a ação, instaurada pela Autora, contra a “Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG)” e o “Instituto Politécnico ... (IP...)”.

  1. A Autora/Recorrente concluiu do seguinte modo as suas alegações no presente recurso de revista (cfr. fls. 577 e segs. SITAF): «(1) As questões centrais sub judice consistem (1) em determinar se, à luz do disposto no artigo 64º, nº 6, do CPTA, a situação dos autos se subsume nos artigos 164º, nº 5, e 173º, nº 3, do CPA, ainda que através de interpretação extensiva; (2) se, no caso de invocação de assédio moral com intuito discriminatório, cabe ao trabalhador consubstanciar um fator de discriminação nomeando o trabalhador ou os trabalhadores em relação aos quais é discriminado, sem que tal indicação seja contrária às regras do ónus da prova previstas no artigo 25º, nº 5, do Código do Trabalho; (3) se a acrescida exigência de fundamentação de uma norma excecional, neste caso de atribuição de mais de três unidades curriculares exigida pelo nº 7 do artigo 7º do Regulamento de distribuição de serviço letivo do Instituto Politécnico ..., tem de ser necessariamente fundamentada com a impossibilidade de outros professores lecionarem estas Unidades, ou seja, se a fundamentação tem de conter a negação das proposições contrárias e se estão dados como provados factos suficientes para se aferir da fundamentação substancial e não apenas formal; (2) Os novos atos praticados, após anulação dos atos administrativos impugnados, enquadram-se no artigo 173º, nº 3, do CPA, pois pensamos estar perante uma substituição do ato anulado por outro do mesmo conteúdo, porquanto estava em causa o ato de distribuição do serviço de docente e o ato de aplicação à Recorrente do Regulamento do Horário de Trabalho do pessoal não docente que foram substituídos por outros atos sem as invalidades que inicialmente feriam estes atos impugnados, ou seja, substituindo por outro que efetivamente distribui serviço à Recorrente e por outro que desaplica aquele Regulamento; (3) No presente recurso de revista, o fundamento que justifica, em nosso entendimento, a sua admissibilidade prende-se com a clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito na medida em que, por um lado, no que toca à questão do artigo 64 º n º 6, do CPTA, a interpretação defendida pelo Tribunal a quo, coloca a Recorrente numa situação em que, para ver indemnizados os danos sofridos, com os atos administrativos entretanto anulados, e que eram objeto da presente ação, tem que recorrer a nova ação para o efeito, o que deixa patente uma situação de deficiências de tutela efetiva e, por outro, no que toca à questão do assédio moral, a interpretação do douto Acórdão recorrida deixa a Recorrente numa situação de ainda maior fragilidade perante o seu empregador, situação que a inversão do nus da prova do n º 5 do artigo 25º do Código do Trabalho visa precisamente acautelar; (4) Quanto à questão da falta de fundamentação, a questão é relevante face à eventual sua aplicabilidade a casos semelhantes, sendo necessário saber se, perante a exigência de uma especial fundamentação, para aplicação de uma norma excecional, como é o caso do nº 7 do artigo 7º do Regulamento de distribuição de serviço letivo do Instituto Politécnico ..., esta não tem também de demonstrar que outras situações que permitam a aplicação do regime geral se aplicam ou não, ou seja, se esta fundamentação tem ou não que conter a negação das proposições contrárias e se estão dados como provados factos suficientes para se aferir da fundamentação substancial e não apenas formal.

    (5) É, ainda, evidente que as presentes questões, a serem decididas por este Supremo Tribunal, poderão estender-se a situações semelhantes, assumindo, por isso, uma especial importância; (6) Os atos substituídos impunham deveres e restrições à Recorrente, nomeadamente a restrição de exercício da profissão e o dever de sujeição a um horário de trabalho não correspondente com a função de docente desempenhada, tendo causado efeitos lesivos que a sua anulação não sanou, nomeadamente o encurtamento do tempo de período experimental em exercício efetivo de funções para a aquisição das valências necessárias; (7) Nessa medida, deverá considerar-se estarmos perante uma situação do artigo 173º, nº 3, do CPA e, como ensina LUIZ S. CABRAL MONCADA, ob. cit., p. 624, de acordo com o nº 3, se o ato substituído for desfavorável aos interessados por lhes impor deveres, ónus, encargos ou sujeições, a renovação do ato não impede a destruição administrativa (ou judicial) retroativa dos efeitos gerados antes da substituição do ato nem, acrescentaríamos, um pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual da Administração por ato ilícito pelos danos produzidos durante esse período anterior à substituição» - no mesmo sentido veja-se o comentário de ELIANA ALMEIDA PINTO, ISABEL SILVA e JORGE COSTA, Juízes de Círculo, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Quid Juris, 2018, Lisboa, p. 432, que, em comentário ao nº 3 do artigo 173º referem que este preceito admite «(…) a possibilidade de, além da destruição retroativa dos efeitos por aquele entretanto produzidos, os interessados podem ser indemnizados por responsabilidade civil extracontratual da Administração por ato ilícito, caso o ato substituído tenha gerado»; (8) Caso assim não se entenda, isto é, caso se entenda que os atos que vieram substituir os atos impugnados não se enquadram em nenhuma das situações do artigo 164º, nº 5, e do artigo 173º, nº 3, do CPA, por não serem atos sanatórios com o mesmo conteúdo dos atos substituídos, entendemos que deverá fazer-se uma interpretação extensiva do preceito constante do artigo 64º, nº 6, do CPTA – para abranger não só aquelas situações mas situações semelhantes à da Recorrente –, nomeadamente uma interpretação conforme a Constituição, uma vez que a não aplicação do preceito ao caso violará, de forma clara, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, pois impede a Recorrente de anular os efeitos lesivos do ato ou substituir tal anulação por um pedido indemnizatório, caso tal anulação não seja possível, sendo que em relação a este último pedido, obriga a que a Recorrente intente nova ação para o efeito; (9) Haverá, assim, uma interpretação inconstitucional do artigo 64º, nº 6, do CPTA, por violação do artigo 20º e 268º, nº 4, do CRP, que impõe, nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2006, Coimbra, p. 416, “(…) uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de proteção e garantia”; (10) Procura-se, assim, também, que a parte que recorre aos tribunais não se tenha que desdobrar em múltiplos processos, com as suas naturais delongas, para ver o seu direito efetivamente reconhecido, referindo aqueles constitucionalistas, em relação à justiça administrativa, a «(…) prevalência da decisão de fundo sobre a mera decisão de forma e com a adoção do princípio da adequação formal (cfr. Cód. Proc. Civil, art. 265º 2)» bem como a «adoção de decisões que julguem adequadamente todas as pretensões dos particulares dirigidas à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos»; (11) Concretamente em relação aos deveres do juiz da causa e ao artigo 268º, nº 4, face a este direito à tutela jurisdicional efetiva, ensina GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, 20ª Reimpressão, Almedina, 2003, Coimbra, p. 503, «[o] facto de se tratar de uma imposição legiferante não significa que o juiz não possa aplicar diretamente este preceito interpretando o direito ordinário em conformidade com a Constituição. Isso terá desde logo relevância prática: (1) na desaplicação por inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma proteção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares; (2) na formatação judicial constitucionalmente adequada de instrumentos processuais existentes (..)» (o sublinhado é nosso); (12) Ou seja, in casu, perante uma situação de anulação de ato e substituição por um novo ato que se entenda não se enquadrar nos artigos 164º, nº 5, e 173º, nº 3, do CPA, deveria ter sido aplicado o instrumento processual previsto no artigo 64º, nº 6, do CPTA, por forma a não deixar desprotegidos os direitos e interesses legais da Recorrente, não a obrigando a intentar nova ação administrativa, multiplicando os meios necessários à sua pretensão única com os correspondentes custos que lhe estão adjacentes, para ver a totalidade da sua pretensão satisfeita; (13) A entender-se, ainda, não ser possível a interpretação extensiva ora defendida e conforme a Constituição, o que também não se concede, então deverá considerar-se estarmos perante uma lacuna do legislador e, perante a mesma, nos termos do disposto no artigo 10º, nº 1, do Código Civil, regulá-la pela lei aplicável aos casos análogos; (14) No caso sub judice é possível perceber que as situações previstas nos artigos 164º, nº 4, e 173º, nº 3, do CPA, são semelhantes à da Recorrente, no sentido em que, colocando a hipótese de não serem iguais, as semelhanças são mais relevantes que as diferenças e que, por isso, deverá ser aplicável o regime do artigo 64º, nº 6, do CPTA; (15) Para além do erro de julgamento quanto à aplicabilidade do artigo 64º, nº 6, do CPTA, considera a Recorrente que houve também erro de...

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