Acórdão nº 1184/19.0GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 1184/19.0GBABF, do Juízo Local Criminal ... [Juiz ...] da Comarca ..., o Ministério Público acusou AA, divorciado, nascido a .../.../1989, no Brasil, filho de BB e de CC, residente na ..., n.º ..., ..., em ..., ..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 5 de janeiro de 2023, foi decidido: «

  1. Absolver AA pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. nos termos conjugados dos art.º 3.º, n.º 2 do DL 2/98 de 3.1, com referência aos arts. 121.º, n.º 1 e 122.º, n.º 1 do Código da Estrada.

  2. Condenar AA pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 125.º, n.º 1, al d) e 130.º, n.º 7, todos do Código da Estrada, na coima de € 200,00 (duzentos euros).

  3. Condenar o arguido no pagamento das custas, que se fixam nos seguintes termos: 2 UC» Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1.ª AA foi acusado pela prática, no dia 26 de março de 2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

    1. Conduziu no dia 26 de junho de 2019 fazendo uso de uma carta de condução emitida pela República Federativa do Brasil com prazo de validade até ao dia 18 de março de 2019.

    2. Foi absolvido da prática do crime e condenado em coima por se considerar que a conduta de conduzir com uma carta de condução com o prazo de validade excedido integrou a prática de contraordenação ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 7 do Código da Estrada.

    3. O seu título de condução emitido pelo Brasil habilitá-lo-ia para conduzir em Portugal de acordo com o artigo 41.º, n.º 2 da Convenção de Viena sobre a Circulação Rodoviária, celebrada em Viena em 8 de novembro de 1968, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 107/2010 se no momento da condução estivesse válido.

    4. Segundo a Convenção de Viena, o Acordo Bilateral existente entre Portugal e o Brasil e o Despacho n.º 10942/200 do Diretor-Geral da DGV, publicado no DR, 2.ª série de 27-5-2000 deve considerar-se que o reconhecimento tem como pressuposto a validade do título.

    5. O título é válido se estiver dentro do prazo de validade aposta no próprio documento pela entidade emitente. A carta do arguido foi válida até ao dia 18 de março de 2019 como resulta de fls. 37.

    6. A validade do título identifica-se com o prazo de validade nele aposto na data do exercício da condução – é o que ressalta do artigo 41.º, n.º 2 da Convenção de Viena, interpretação que encontra algum apoio no determinado no respetivo Anexo 6 ponto 4 referência 7, do artigo 13.º n.º 1 al. a), n.º 3 e n.º 6 do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (aplicável por via do artigo 125.º, n.º 2 do Código da Estrada).

    7. Por ter um título caducado desde 18 de março de 2019, quando conduziu no dia 26 de junho de 2019, não estava habilitada a conduzir em Portugal com a sua carteira de habilitação brasileira.

    8. O artigo 130.º do Código da Estrada não se aplica ao título de condução do arguido porque não se verifica o pressuposto do reconhecimento: a sua validade, em consequência da caducidade.

    9. A redação mais atual dada ao artigo 125.º do Código da Estrada pelo DL n.º 46/2022, de 12/07, no seu n.º 5 e n.º 8, confirma e reforça o requisito da validade do título de condução estrangeiro abrangido pelo n.º 1 para conduzir em Portugal.

    10. A conduta do arguido ao ter conduzido com uso de título brasileiro caducado não se reconduz à prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 130.º, n.º 7 do Código da Estrada mas sim à previsão do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

    11. Ao absolver da prática de crime afastando a aplicação do artigo 3.º Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro o tribunal errou na concretização do elemento típico objetivo – falta de habilitação legal – violando tal norma e violou as normas jurídicas contidas nos artigos 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro e 125.º do Código da Estrada por não submissão ao seu âmbito de factos que estas abarcam.

    12. Deve condenar-se pela prática um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

    Nestes termos, deverá ser dado provimento ao recurso e em consequência, condenar-se AA pela prática do crime previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro.» O recurso foi admitido.

    Não houve resposta.

    û Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer [transcrição]: «Nada obstando ao conhecimento do recurso, emite-se parecer no sentido da sua procedência, ciente dos diferentes entendimentos jurisprudenciais a propósito, com os aditamentos que seguem.

    O arguido foi acusado pela prática, no dia 26 de junho de 2019, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, por conduzir nessa data fazendo uso de uma carta de condução emitida pela República Federativa do Brasil a 17.01.2015 e com data de validade até 18.03.2019.

    O arguido foi absolvido da prática do crime e condenado em coima por se considerar que a conduta de conduzir com uma carta de condução com o prazo de validade excedido integrou a prática de contraordenação ao abrigo do disposto no artigo 130.º, n.º 7 do Código da Estrada.

    A República Federativa do Brasil e a República Portuguesa subscreveram a Convenção de Viena de 8 de novembro de 1968 sobre circulação rodoviária.

    A Lei n.º 102-B/2020 de 9 de dezembro, alterou o Código da Estrada e legislação complementar transpondo a Diretiva (UE) 2020/612.

    No seu preâmbulo pode ler-se “É também alterado o regime de trocas de títulos de condução estrangeiros por forma a reforçar a qualidade da análise da equivalência das categorias de habilitação, estabelecendo -se um regime diferenciado para os condutores do Grupo 1 e do Grupo 2, com aumento das exigências de verificação de conhecimentos e aptidões para a condução relativamente aos condutores que vão exercer a condução enquanto profissão ou atividade de risco. Nessa sequência, e porque se pretende manter relações institucionais de reciprocidade, mantêm -se os acordos bilaterais de reconhecimento e troca de títulos de condução estrangeiros já celebrados. São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também a previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei.” O artigo 2º do DL n.º 46/2022, de 12/07, alterou o artigo 125º do Código de Estrada (aprovado pelo DL nº114/94 de 3 de maio).

    Ora, quer Portugal, quer a República Federativa do Brasil, fazem parte da CPLP e ambos subscreveram as Convenções Internacionais a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 125.º do CE.

    A Carteira Nacional de Habilitação de que o arguido é titular, integra os títulos de condução previstos nas alíneas c), d) e e), do n.º 1, do artigo 125.º, do CE, cuja validade é expressamente reconhecida, como tal, pelo Estado português – cfr. Despacho n.º 10942/2000, publicado em Diário da República, Série II, em 27/05/2000.Importa no caso considerar a Lei n.º 102-B/2020 de 9 de Dezembro, que alterou o Código da Estrada e legislação complementar transpondo a Diretiva (UE) 2020/612, o artigo 125.º do Código da Estrada e a norma constante do artigo 130.º do Código da Estrada.

    E da sua leitura conjugada, extrai-se que, a alteração legislativa operada pela Lei n.º 102-B/2020, de 24 de agosto, pôs termo às divergências existentes na interpretação do que era considerado título cancelado e título caducado.

    E hoje discutem-se as noções de título caducado por ter atingido o seu termo de validade, em que ainda é possível a sua revalidação, e de título caducado que, atingido o seu termo, já não permite a revalidação.

    No caso dos autos, o título de que era portador o arguido encontrava-se caducado, sendo que, sobre a data do termo da sua validade, ainda não decorreram dez anos, pelo que, pelo menos em teoria, era possível a sua “renovação” - artigo 130.º, n.3 alínea d) [a contrario] do Código da Estrada.

    Importando depois saber, se o citado artigo 130.º do Código da Estrada, se aplica, ou não, aos títulos estrangeiros, como o dos autos, ou, como há quem defenda, apenas se aplica a títulos portugueses.

    A carteira nacional de habilitação de que o arguido é titular, integra os títulos de condução previstos nas Convenções de Trânsito Rodoviário de 1949 e assim, é um dos títulos previstos na alínea d) do n.º1 do artigo 125.º do Código da Estrada.

    Posto isto, há quem entenda que o Código da Estrada não afasta a aplicação do disposto no artigo 130º aos títulos estrangeiros, atenta a inserção sistemática dos artigos 125.º e 130.º do Código da Estrada – cfr. Acórdão do TRE de 25.05.2021, processo n. 135/20.3GCABF.E1, in www.dgsi.pt.

    E, neste entendimento, é de aplicar o regime de caducidade e de cancelamento, legalmente consagrado no artigo 130.º, nºs 1 a 5, do CE, caindo-se na previsão do nº 8 do referido artigo 125º, (na redação do D.L. n.º 46/2022, de 12/07) e sendo o arguido titular de um título de condução emitido pela República Federal do Brasil, válido, mas caducado, a sua conduta configura uma contraordenação - cfr., neste sentido Acórdão TRE de...

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