Acórdão nº 62/19.7MAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2023

Data12 Setembro 2023

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Coletivo n.º 62/19.7MAPTM da Comarca ... Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., submetido a julgamento, foi o arguido AA[1] condenado pela prática de um crime de incêndio na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º 1, alínea a) e 22.º do CP na pena de três anos de prisão.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I. O recurso que agora se interpõe, visa toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido em primeira instância nos presentes autos, o qual condenou o recorrente/arguido como autor material de um crime de incêndio na forma tentada p. e p. pelo artigo 272.º/1-a) e 22.º ambos do CP.

    II. O tribunal a quo, deu como provado que: “(…) o arguido retirou a mangueira do encaixe da bomba e acendeu um isqueiro junto à ponta da mangueira, ateando uma chama ao gasóleo (…)”. (facto provado n.º 5) III. A convicção formada no tribunal e plasmada no aresto sub juditio, teve assento essencialmente no testemunho do funcionário da bomba BB, única pessoa a presenciar os factos e descrevê-los na audiência de julgamento, bem como no acervo documental.

    IV. Assim, o depoimento da testemunha BB (gravado no sistema instalado no tribunal para o efeito, tem a referência n.º ………, com início ás 00,00h e finda ás 00,00h (duração – 00:00:01 a 00:00:02), por referência à ata da audiência de julgamento de 00/00/00, resulta que o recorrente/arguido, com o seu isqueiro, não ateou qualquer chama ao gasóleo, junto à ponta da mangueira, os pingos residuais de gasóleo que estavam na mangueira é que ao passarem pela chama do isqueiro, inflamaram-se tendo caído acesos no chão e extinguiram-se quase de imediato.

    V. Relembre-se: “(…) a bomba estava trancada, mas ainda saíram algumas pingas que estavam retidas dentro da mangueira, está sempre algum resto que pinga, e quando passaram pelo lume do isqueiro, caíram no chão e ardeu, mas de resto não foi assim uma coisa, não chegou a causar perigo” (passagem registada das 14:30:40 h a 14:31:47h) VI. O tribunal a quo deu como provado: “ (…) o arguido originou uma chama viva no chão.” (facto provado n.º 6) VII. Não há qualquer prova que afira ter existido uma chama “viva” no chão.

    1. Pelo contrário, o que se retira do testemunho do BB é: “(…) algum resto que pinga, e quando passaram pelo lume do isqueiro, caíram no chão e ardeu, mas de resto não foi assim uma coisa (…). (Passagem acima transcrit

      1. IX. Tanto mais, é do conhecimento geral, que o gasóleo não produz uma chama viva, mas sim uma chama lenta, pois nos motores a gasóleo o movimento destes é provocado por compressão do gasóleo e não por explosão, como sucede com os motores a gasolina.

      X. O tribunal a quo deu como provado: “(…) o fluxo de combustível estava fechado através de um comando de controlo existente no computador no interior da loja e, consequentemente a chama existente no chão extinguiu-se.” (facto provado n.º 7) XI. Como é bem de ver, não existiu qualquer relação entre o facto do fogo se ter extinguido e o facto da bomba estar trancada.

      XII. A bomba estava trancada como sempre está, até ser destrancada no computador para permitir o seu uso pelos clientes (é a prática comum da empresa), XIII. E o fogo exigiu-se, porque o combustível era muito pouco e rapidamente se acabou.

      XIV. Não se pode é dizer, que o fogo se extinguiu pelo facto de a bomba estar trancada.

      XV. O tribunal a quo deu como provado: “O arguido quis atear o fogo aquela bomba, conforme ateou, e o fogo só não se propagou a toda a bomba de combustível e aos tanques cheios de combustível, bem como aos veículos ali estacionados e aos que eventualmente ali pudessem entrar para abastecer, porque o fluxo de combustível estava normalmente fechado através do controlo remoto, e dessa forma evitou a propagação das chamas.” (facto provado n.º 8) XVI. No acórdão decisório lemos: “(…) prática de um crime de incêndio na forma tentada, (…)” XVII. No facto n.º 8, que fundamenta a decisão lemos: “O arguido quis atear o fogo aquela bomba, conforme ateou, (…)” assim sendo, estamos aqui estamos perante um crime de incêndio na forma consumada” XVIII. Temos assim uma decisão num sentido contrário ao do facto dado como provado.

    2. Quando foi questionada pela senhora Juiz Presidente do colectivo: “Haviam carros estacionados?”. (passagem acima registad

      1. XX. A testemunha BB respondeu: “Não, nesta altura a bomba estava vazia.” (cfr. transcrição supra) XXI. Tendo insistido a senhora Juiz: “Está a dizer que não havia carros nem carros perto do restaurante”: XXII. Voltando a testemunha a responder: “Que eu me lembre, ou que me tenha apercebido a bomba estava vazia porque já era bastante tarde na noite (…)”.

      XXIII. Ora, se o testemunho do funcionário BB é perentório, quanto à inexistência de pessoas ou viaturas na bomba naquele espaço de tempo, XXIV. Como pode ser dado como provado que os carros ali estacionados correram perigo? XXV. Leia-se o facto provado n.º 8: “(…) só não se propagou a toda a bomba de combustível, bem como, aos veículos ali estacionados (…)” XXVI. Efectivamente como se pode ouvir do testemunho, a bomba estava completamente vazia.

      XXVII. Devia o facto nº 8 ter sido dado como não provado, XXVIII. Tendo sido incorrectamente julgado, violando o disposto nos limites que balizam a livre apreciação da prova.

      XXIX. Concluindo que a condenação do arguido assenta em factos dados como provados desconformes com a prova produzida em audiência! XXX. O tribunal a quo, ao ter dados como provados, os factos 5,6,7,e 8, constantes no acórdão agora sob recurso, prova que não resultou da prova produzida em julgamento, viola o disposto nos artigos 127º e 355º/1 do CPP.

      XXXI. Fossem estes factos dados como não provados, e a fundamentação do acórdão condenatório não existiria ou pelo menos estaria muito abalada. Por insuficiência.

      XXXII. De todos os factos dados como provados ou não, em nenhum deles se retira que tenha havia qualquer manifestação de vontade ou intensão de incendiar a bomba de combustível, XXXIII. Apenas se pode retirar que o arguido pretendia chamar a atenção sobre si, por estar doente, necessitado de socorro, mentalmente instável.

      XXXIV. Que na eventualidade do incêndio da bomba se tornasse realidade, faria do arguido a primeira vítima.

      XXXV. Que estando a bomba trancada o meio utilizado pelo arguido/recorrente para incendiar a bomba, era impossível de concretizar.

      XXXVI. Caindo na figura da tentativa impossível do artigo 23º do CP, cuja punibilidade carece da existência de um dolo de duplo grau, cuja prova do mesmo não foi demonstrada suficientemente no acórdão apreciando. Muito menos ficando realizada a imputação objectiva dos factos ao agente.

      XXXVII. O crime pelo qual o arguido foi condenado, incêndio, tem uma componente quantitativa, “incêndio de relevo”, e a prova produzida, não concretizou qualquer incêndio de relevo, XXXVIII. mormente pela forma enferma como os factos que sustentaram a decisão, foram dados por provados.

      Também já se viu que não houve qualquer viatura posta em perigo, mais uma vez existindo erro quanto à valoração da prova produzida em audiência.

      Por tanto, a verdade material procurada, não terá sido alcançada, ou perdida no princípio in dubio pro reo.

      Também, o fundamento que estribou a não suspensão da pena na sua execução, foi erradamente dado como provado, pois o recorrente confessou ter abandonado todas as drogas, à excepção do álcool, mantendo hoje um estilo de vida muito diferente daquele que praticava ao tempo dos factos pelos quais foi julgado.

      XLI. Sem conceder, por razões de proporcionalidade, oportunidade, confissão, arrependimento, prevenção geral e especial, a suspensão da pena aplicada, na sua execução, parece ser aquela que melhor serve os fins das penas e a realização da melhor Justiça.

      Termos em que, e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, o recorrente ser absolvido, ou caso assim se não entenda não punido pelo eventual crime praticado, ou se ainda assim se não entender, seja suspensa na sua execução a pena que lhe possa ser aplicada. (…)”.

      2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1 – O arguido AA, vem recorrer do douto Acordão proferido nos autos à margem referenciados, que o condenou, pela prática pela prática de um crime de Incêndio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 272.º, n.º 1, alínea a) e 22.º, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

      2 – O recorrente entende que o Tribunal fez uma errada apreciação da prova já que não foi produzida prova suficiente que permita a sua condenação pela prática do referido crime.

      3 – Em concreto considera que os factos provados em 6 a 8 foram mal julgados.

      4 - Resulta claro da motivação do Acordão, que a sua convicção teve assento nas declarações prestadas pelo arguido, que confirmou ter estado no local, mas não se recordar dos factos, no depoimento da testemunha BB, funcionário da “Repsol” e de CC, agente da Polícia Marítima autuante.

      5 - Desses depoimentos conjugados não restam dúvidas de que os factos dados em 6., 7. e 8. como provados tiveram pleno apoio na prova produzida em audiência sendo que as questões levantadas pelo recorrente são de mera semântica.

      6 - Discorda que se haja referido que foi originada uma chama viva no chão, mas concorda que “um resto/pinga” de combustível caiu no chão e ardeu.

      7 - Impugna o facto 7. Porque entende que não existiu qualquer relação entre o facto do fogo se ter extinguido e o facto da bomba estar trancada, mas depois refere que a razão da extinção foi a pequena quantidade de combustível existente na mangueira.

      8 - Coloca em causa o facto 8...

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