Acórdão nº 1660/23.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução12 de Setembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ... - Juiz ..., no âmbito dos autos com o NUIPC 1660/23.... foi, em 24 de maio de 2023, proferido o seguinte despacho (transcrição): “ O arguido AA veio apresentar providência de habeas corpus em virtude de detenção ilegal, nos termos do disposto no art. 220.º, do CPP.

Para o efeito, arroga que o arguido, enquanto militar da GNR, goza de todos os direitos, liberdades e garantias plasmados no Estatuto dos Militares da GNR e que foi preterido o art. 25.º de tal diploma legal, tendo a detenção do arguido por mandados emitidos fora de flagrante delito sido efetuada pela PSP.

* Cumpre apreciar.

O artigo 220.º, do CPP alinhava que «1 - Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes fundamentos:

  1. Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) Manter-se a detenção fora doa locais legalmente permitidos; c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente; d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite.».

    O art. 25.º, do Estatuto dos Militares da GNR delineia que «1 - Fora de flagrante delito, a detenção de militares no ativo ou reserva na efetividade de serviço é requisitada aos seus superiores hierárquicos pelas autoridades judiciárias competentes, nos termos da legislação processual penal aplicável. 2 - O militar da Guarda detido mantém-se à ordem do Comando, até ser presente à autoridade judiciária competente. 3 - O cumprimento da prisão preventiva e das penas e medidas privativas de liberdade por militar da Guarda é assegurado em instalações próprias da Guarda ou das Forças Armadas. 4 - O disposto no número anterior não se aplica ao militar a quem, nos termos do artigo 98.º, tenha cessado definitivamente o vínculo com a Guarda, cujas penas privativas de liberdade podem ser cumpridas em estabelecimento prisional destinado a elementos das forças de segurança.».

    Importa, aqui, destrinçar que a petição de habeas corpus não se destina a sindicar outros fundamentos diversos dos plasmados no art. 220.º, do CPP, já que a mesma é vocacionada para casos de abuso de poder e/ou de erro grosseiro.

    Ora, e com relevo para o fundamento da presente providência, é de elevada importância atentar que a alínea c), do n.º 1, do 220.º, do CPP, que define os casos em que a detenção é efetuada por entidade competente se destina apenas aos casos somente de incompetência material e já não funcional ou territorial, pois que só assim haverá claro abuso de poder. Esquadrinha-se que tal situação só ocorrerá se a entidade que expendeu a detenção não tiver estatuto legal que lhe atribua essa competência.

    Nas palavras de Maia Costa in Código Processo Penal - Comentado, 2022, Almedina, 4ª Edição Revista, pág.854, «A incompetência a que se refere a al. c) do nº 1 é a incompetência material, não a funcional ou territorial. Ou seja, haverá incompetência se a entidade que procedeu à detenção não tiver um estatuto legal que lhe permita proceder a essa detenção».

    Denota-se, assim, que a providência de habeas corpus não engloba o argumento esgrimido pelo arguido.

    Compulsado o processo n.º 1590/23...., que foi distribuído à signatária para primeiro interrogatório judicial de arguido detido logo após a entrada da presente providência, no âmbito do qual o arguido se encontra detido, constata-se que o mandado de detenção fora de flagrante delito foi emitido pelo Ministério Público fls. 46 daqueles autos, o qual percorre e respeita o disposto no art. 257.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPP, e que se encontra salvaguardado o prazo máximo delimitado no art. 254.º, do CPP.

    De igual feita, a PSP é órgão de polícia criminal com competência material para cumprir mandados de detenção fora de flagrante delito emitidos pelo Ministério Público cf. art. 1.º, al. c), do CPP e art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto.

    Acresce que de fls. 67 resulta que a questão em análise já se encontra regularizada, já que o arguido, por determinação do Digno Magistrado do Ministério Público, apesar de detido pela PSP, após 51 minutos foi entregue ao Tenente Coronel BB da GNR .... Tal resulta do facto de que o arguido foi detido no dia 22 de maio de 2023, pelas 23h29 fls. 41v, e entregue ao seu Superior Hierárquico no dia 23 de maio de 2023, pelas 00h20 fls. 67v.

    Em face da fundamentação alinhavada, ao abrigo do disposto nos arts. 220.º e 221.º, do CPP, rejeita-se a providência de habeas corpus apresentada por manifestamente infundada, nos termos do disposto no art. 221.º, do CPP.

    ** Custas pelo arguido, que se fixam em 6 UCs cf. art. 221.º, n.º 4, do CPP.

    Notifique e d.n. “ * Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da decisão que rejeitou a providência de habeas corpus do Arguido, por detenção ilegal fora de flagrante delito realizada no âmbito do processo n.º 1590/23...., que corre termos pela ... Secção do DIAP ..., condenando-o no pagamento de 6 UC’s, por “manifestamente infundado”, nos termos do disposto do artigo 221.º, n.º 4, do CPP.

    1. O Arguido requereu a providência de habeas corpus no dia 23.05.2023, pelas 15h24m, em virtude de detenção ilegal, fora de flagrante delito, realizada no dia 22.05.2023, alegando, para tanto, a violação do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (doravante “EMGNR”).

    2. Mostra-se inequívoco que, enquanto militar da Guarda Nacional Republicana, o Arguido goza de todos os direitos, liberdades e garantias plasmados no referido Estatuto.

    3. Resulta também suficientemente demonstrado nos autos que a detenção do Arguido, fora de flagrante delito, foi efetuada pela Polícia de Segurança Pública (cfr. fls.41 e seguintes do Processo n.º 1590/23....).

    4. Inquestionável é ainda que a detenção do Arguido não foi precedida de requisição aos seus superiores hierárquicos, nem o Arguido ficou inicialmente detido à ordem do Comando, conforme legalmente se impunha, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do EMGNR.

    5. Com efeito, o Arguido só foi colocado à ordem do Comando após o contacto dos seus superiores hierárquicos com o Ministério Público, que, nessa sequência, determinou a entrega do Arguido à GNR (cfr. fls. 67 do Processo n.º 1590/23....).

    6. Acresce ainda que, no momento da detenção, não foi entregue ao Arguido o mandado de detenção, tendo-lhe apenas sido disponibilizada uma cópia do despacho que ordenou a emissão do mandado, em manifesta violação do disposto no artigo 258.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, sendo que aquele despacho excluía qualquer urgência, uma vez que ordenava o cumprimento dos mandados no prazo de 30 dias.

    7. Não obstante, no dia 24.05.2023, o Juízo de Instrução Criminal ..., rejeitou a providência de habeas corpus, do que consegue depreender, por considerar que a mesma apenas tem lugar nos casos de incompetência material e que, no caso concreto, estaríamos perante uma incompetência meramente funcional.

    8. A decisão recorrida, no entanto, limita-se a enquadrar juridicamente a questão da incompetência por apelo ao exercício das competências e atribuições dos órgãos de polícia criminal, olvidando que, apesar de tanto a PSP como a GNR terem competência para cumprir mandados de detenção, é também verdade que têm um quadro de competências perfeitamente delimitado, em função da natureza das atribuições que prosseguem.

    9. É a própria lei que estabelece as competências de cada órgão administrativo, destinando-se o exercício dessas competências a prosseguir as atribuições das pessoas coletivas públicas em que se integram.

    10. Conforme ensina Freitas do Amaral “existe incompetência em razão da matéria quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo”.

    11. Estabelecendo o artigo 25.º do EMGNR a competência material da própria GNR, no que respeita à detenção fora de flagrante delito de militares das suas forças, tornando a validade daquela dependente da requisição aos superiores hierárquicos, não pode a PSP...

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