Acórdão nº 555/18.3GBABF.1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO BRANQUINHO DIAS
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Por acórdão proferido, em 21/04/2023, pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... -J3, da comarca de ..., foi o arguido AA condenado, de acordo com o dispositivo, que passamos a transcrever: Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo em proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido AA nos Processos nºs 8/18.0...

, 282/18.1...

, 957/17.2...

, 555/18.3...

e 182/18.5...

, condenando o mesmo na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão (à qual deverá ser descontada a privação de liberdade que o mesmo tenha sofrido à ordem dos processos concorrentes).

  1. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 07/05/2023, recurso para este Supremo Tribunal, apresentado as seguintes Conclusões (Transcrição): 1. Nos presentes autos, operado Cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA nos Processos nºs 8/18.o..., 282/18.1..., 957/17.2..., 555/18.3... e 182/18.5..., condenando o mesmo na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  2. Todavia e, com todo o devido respeito que é muito, o ora Recorrente entende que o Acórdão proferido nos presentes autos padece de nulidade.

  3. Do artigo 374.º nr. 2 emerge que na decisão sobre a matéria de facto, a exigida fundamentação impõe que a sentença contenha o enunciado dos factos provados e não provados.

  4. A enumeração dos factos provados e não provados a integrar a fundamentação que obrigatoriamente deve constar na sentença traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e em relação aos quais a decisão terá de incidir e revestem relevância para a decisão.

  5. Sucede porém que, o Acórdão proferido nos presentes autos, no que toca à fundamentação do mesmo somente considera os factos provados, não enumera os factos não provados, ou seja, omite elementos que devem constar obrigatoriamente numa sentença, nos termos do artigo 374.º do CPP.

  6. Na decisão sobre a matéria de facto, a exigida fundamentação impõe que a sentença contenha o enunciado dos factos provados e não provados.

  7. Não cumprindo o tribunal de julgamento o dever de se pronunciar sobre os factos, omite aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade.

  8. O Tribunal A quo, ao não determinar, de acordo com a prova produzida, a verificação ou não verificação de factos que, ainda que a título instrumental, está a omitir um dos aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade.

  9. Ora, assim entende o ora Recorrente, com todo o devido respeito, que nos termos do preceituado no artigo 379.º nr. 1 do CPP, o Acórdão proferido nos presentes autos é nulo, em consequência da omissão da enumeração dos factos não provados.

  10. O Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 374º., nº.2, 379º., nº.1, al. a), ambos do C.P.P, uma vez que a decisão recorrida é completamente omissa quanto à enumeração dos factos que resultaram como não provados 11. E, conforme tem sido reiteradamente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma, devendo indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – Processo 215/18.5T9PTL.G1.

  11. Assim, a completa omissão dos factos não provados sem qualquer referência à razão da sua não elencagem no acervo factual determina a nulidade da sentença.

  12. Os factos não provados, mesmo que não existente devem ser como tal mencionados na sentença. Pois, só assim, a decisão revela que o Tribunal deles não se esqueceu.

  13. Entende o ora Recorrente que, o Acórdão proferido nos presentes autos deve ser declarado nulo por falta de fundamentação quanto aos aspectos acima indicados e, em consequência, se determinar a sua substituição por outra decisão que supra a apontada nulidade, devendo para tanto os autos baixar à 1.ª instância para que o tribunal assim proceda.

  14. Caso V. Exas., assim não o entendam, sempre se dirá que, a pena aplicada se revela desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pois a mesma é demasiado penosa.

  15. Foi ao recorrente aplicada pena que se situa muito acima do ponto médio da moldura penal abstracta do cúmulo, defendendo-se, face ao que infra exporá, que tal sanção deveria ter-se situado próxima do limite médio da moldura penal.

  16. Conforme resulta do teor do relatório social, o arguido assume o seu percurso criminal e mostra-se arrependido. Tem registado, no global, um padrão comportamental coadunante com as normas vigentes no mesmo, denotando uma atitude proativa no sentido da otimização das suas competências sócio pessoais. Assim, para além de se encontrar a efetuar processo de redução no programa de desintoxicação à base de metadona, o arguido aderiu no EP de ..., em moldes adequados, ao Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, visando a aquisição do 9º ano de escolaridade, tendo já desenvolvido no EP de ..., atividade laboral como faxina, manutenção e na lavandaria.

  17. O arguido tem usufruído do apoio da mãe e é de salientar que, apresenta um percurso prisional globalmente estável e proactivo, mantém tratamento à toxicodependência, o que pode indicar vontade de mudança na sua atitude pró-criminal para o futuro, mostrando-se preocupado com a construção do seu projeto de reinserção social.

  18. É assim o Recorrente do entender que, salvo o devido respeito, não foi feita a melhor interpretação e aplicação do disposto no artigo 71º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada, numa pena manifestamente excessiva.

  19. O acórdão em recurso valorou excessivamente os elementos de conduta do recorrente (grau de ilicitude, intensidade do dolo, gravidade do facto ilícito), bem como os seus antecedentes criminais.

  20. A condenação do arguido numa pena de prisão demasiado prolongada no tempo poderá comprometer um novo percurso de vida, que se revela mais consentâneo com uma vida conforme ao Direito e à Lei.

  21. Teme-se que os efeitos da reclusão, condenando o arguido em 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, sejam nefastos, na vida futura do mesmo, pois que, a idade do arguido de 45 anos, aliada ao facto da baixa escolaridade deste, irá agravar a sua capacidade de conseguir emprego e, assim sustentar-se.

  22. O que se pretende é a ressocialização, a reintegração do arguido na sociedade, sendo igualmente importante, a cominação de sanção para que o efeito sancionatório previna o arguido de reincidir. Porém, a aplicação de uma pena tão pesada terá, certamente, o efeito contrário, por impeditiva de qualquer reintegração desta.

  23. Para que a reintegração e reabilitação social do Recorrente venha a ser uma realidade não basta apenas que aquele seja punido pelos crimes que cometeu, mas também que se tenha em consideração a pessoa singular o seu arrependimento e comportamento actual, sendo imperativo que lhe seja dada outra oportunidade de recomeçar.

  24. Uma pena de 17 anos e 6 meses de prisão é demasiado gravosa e longa para que no fim do cumprimento da mesma ainda seja possível alcançar a almejada reintegração e reabilitação social do Arguido.

  25. Pelo que, existiu, também, por parte do Tribunal uma inadequada ponderação de todas as circunstâncias pessoais e de facto, quer passadas quer actuais, do Arguido, conforme estatui o art. 77º nº 1 do Código Penal.

  26. As finalidades das penas, é «a proteção de bens Jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40., n.1 do Código Penal).

  27. é inegável que a aplicação ao Recorrente de uma pena cumulada tão gravosa como a que lhe foi imposta pelo tribunal a quo só poderá ter como consequência o desabonar de todo o trabalho e empenho que, no Estabelecimento Prisional onde se encontra em reclusão, o mesmo tem demonstrado no sentido de se melhorar e convenientemente se preparar para o regresso à liberdade.

  28. Ao decidir como decidiu, o Douto Recorrido violou as disposições previstas nos artigos 77.º e 40° do Código Penal.

  29. Pelo que, deverão V. Ex.as determinar a redução da pena única aplicada ao Recorrente em cúmulo jurídico.

  30. Entende o Recorrente que a pena que lhe deve ser aplicada não deve ser tão elevada, pois que o seu confinamento demasiado prolongado poderá comprometer a sua ressocialização 32. Ao assim não decidir o Tribunal “a quo” fez, com o devido respeito, errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 50º, nºs 1 e 2 e artigo 52º do Código Penal.

  31. E por todo o exposto deverão V. Exas conceder provimento ao presente recurso sendo, por efeito do mesmo, substituída o Douto Acórdão recorrido por uma outra nos termos da antecedente motivação.

    Nestes termos e nos demais de Direito, e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deverá o douto Acórdão do Tribunal A quoser declarado nulo.

    Sem prescindir e, na eventualidade de o Venerando Tribunal Ad quem não partilhar da posição que se deixou supra exposta no presente recurso, não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de 17 anos e 6 meses de prisão ao arguido AA, pelo que V. Exas., deverão revogar a decisão proferida pelo Tribunal A quo, substituindo-a por outra em harmonia com os moldes reclamados nas conclusões do presente recurso, fazendo-se, assim, a habitual necessária e lidima JUSTIÇA!!! 3.

    Tal recurso foi admitido por despacho da Senhora Juíza titular, de 29/05/2023, com efeito suspensivo.

  32. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu, em 07/06/2023, ao recurso do arguido, alegando, em síntese, que não assiste razão ao recorrente, relativamente à nulidade invocada, mas entende...

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