Acórdão nº 391/22.2PAVRS-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelERNESTO VAZ PEREIRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,: I - RELATÓRIO I.1.

O arguido AA foi condenado por sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de ... – ... 1, em 24/01/2023, no âmbito do processo nº 391/22.2PAVRS, transitada em julgado em 23/02/2023, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292.º do CP, na pena de nove meses de prisão, e de um crime de violação de proibições e interdições, p.p. pelo art. 353.º do CP, na pena de quatro meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de onze meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, arts 43, nº s 1, al. a) e 2 do CP, a que acresceu a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de vinte e quatro meses, art. 69º, nº 1, al. a), do CP. .

I.2.

Sobre esta decisão, já transitada, incide agora o presente recurso extraordinário de revisão por parte do condenado, invocando os artigos 29º, nº 6, da CRP e 449º, nº 1, al. d), do CPP, o qual rematou com as seguintes conclusões: “I. Por Douta Sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz 1, em 24 de Janeiro de 2023, no âmbito do Processo nº 391/22.2PAVRS, e transitada em 23 de Fevereiro de 2023, foi o arguido condenado, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º CP, e de um crime de violação de proibições e interdições, p. e p. pelo artigo 353º CP, e sendo esta a Douta Sentença revidenda.

  1. Estes autos - e de cuja Sentença se pede a revisão - tiveram início com a intercepção e fiscalização do Arguido efectuada pelos Agentes da PSP BB (Matrícula ....80) e CC (Matrícula ....05), que se encontravam-se a fazer patrulha juntos, em equipa.

  2. No Processo nº 463/22.3..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz 2 e que é alheio ao aqui Arguido ora Recorrente, foi, em sede de recurso, proferido Mui Douto Acórdão, transitado em julgado no passado dia 03 de Julho de 2023, declarando nulo o auto de notícia constante desses autos e sequente sentença, absolvendo o aí arguido do crime imputado.

  3. O auto de notícia do Processo nº 463/22.3... tinha como Agentes intervenientes os Agentes da PSP BB (Matrícula ....80) e CC (Matrícula ....05), e tal nulidade foi declarada por os Agentes em causa serem casados entre si e se encontrarem a desempenhar funções policiais juntos.

  4. Os Agentes da PSP BB (Matrícula ....80) e CC (Matrícula ....05), foram os agentes que interceptaram e fiscalizaram o arguido aqui recorrente e os intervenientes (autuante e testemunha) no auto de notícia que deu origem aos presentes autos.

  5. O casamento dos supramencionados Agentes entre si, que interceptaram fiscalizaram o Arguido e lavraram o auto de notícia na origem destes autos, constitui facto novo, que o Arguido não conhecia, nem tinha que conhecer, e que, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo nº 449º C.P.P., permite a interposição do presente recurso.

  6. Tendo desse facto tido conhecimento com o recente trânsito em julgado do supramencionado Mui Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.

    VIII.O casamento dos Agentes mencionados ocorreu em ... de Março de 2022 e o auto de notícia que originou os presentes autos e os factos em apreço datam de ... de Setembro de 20221.

  7. Aquando da intercepção e fiscalização efectuadas ao Arguido e na origem dos presentes autos, os dois Agentes, que integravam a mesma patrulha / equipa e desempenhavam funções juntos, já eram casados entre si.

  8. O Arguido não tinha, nem lhe era exigível que tivesse, conhecimento deste facto, pelo que não foi o mesmo apreciado, nem as suas consequências invocadas, em sede de julgamento.

  9. Conhecimento esse que apenas lhe chegou com o trânsito em julgado do Mui Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora no Processo nº 463/22,3PAVRS.

  10. E que configura facto novo, que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sendo fundamento para a admissibilidade da revisão requerida, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, atentas as consequências que o casamento dos Agentes autuantes acarreta para a (in)validade do auto de notícia e processado subsequente.

  11. O Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-lei nº 243/2015, de 19 de Outubro, com as subsequentes alterações e na sua actual redação, é aplicável, nos termos do seu artigo 2º, “ao pessoal com funções policias da PSP, adiante designado por polícias, em qualquer situação”. Na Secção II do Capítulo II, com o título “garantias de imparcialidade”, o artigo 8º define o regime aplicável às incompatibilidades e impedimentos dos polícias, como segue “Artigo 8º Incompatibilidades e impedimentos 1 – Os polícias estão sujeitos ao regime geral de incompatibilidades, impedimentos, acumulações de funções públicas e privadas e proibições específicas aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

    2 – O regime de impedimentos, recusas e escusas previsto no Código de Processo Penal é aplicável, com as devidas adaptações, aos polícias enquanto órgão de polícia criminal, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (…)” XIV. Por sua vez, o nº 3 do artigo 39º do C.P.P., sob o título “Impedimentos”, determina que “Não podem exercer funções, a qualquer título, no mesmo processo juízes que sejam entre si cônjuges, parentes ou afins até ao 3º grau ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges”.

  12. Tais impedimentos, a conjugar com os deveres previstos no Capítulo II do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei nº 37/2019, de 30 de Maio, e a que os polícias se encontram vinculados, visam salvaguardar e garantir o direito à imparcialidade.

  13. Conjugando as supramencionadas disposições normativas, forçoso será concluir que dois polícias que sejam casados entre si não podem, enquanto órgão de polícia criminal, exercer funções ou patrulhar juntos.

  14. Tal actuação conjunta, enquanto órgão de polícia criminal, e em que integrem a mesma equipa ou actuem como parceiros, está-lhes estatutária e legalmente vedada.

  15. No caso dos autos, os dois Agentes da PSP BB e CC, (sabe-se agora) casados entre si, desempenhavam em equipa funções de patrulha, e enquanto órgão de polícia criminal, quando, de acordo com o auto de notícia, procederam à intercepção e fiscalização do arguido, e de onde resultou o auto de notícia integrante destes autos e que está na sua origem.

  16. O que, atento o casamento de ambos entre si, configura, precisamente, um caso de impedimento resultante da interpretação conjugada das supramencionadas disposições legais.

  17. Não foi suscitado por nenhum dos senhores agentes envolvidos o respectivo impedimento para o acto e já não se mostra possível que tal aconteça.

  18. Não podendo desempenhar funções juntos, e tendo-o feito, os actos praticados pelos Agentes impedidos são nulos, nos termos do nº 3 do artigo 41º C.P.P.

  19. O auto de notícia levantado pela Agente impedida, integrante e que deu origem aos presentes autos, é nulo e de nenhum efeito, por violação das regras relativas aos impedimentos constantes do nº 3 do artigo 39º C.P.P., aplicável ex vi artigo 8º do Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública, violando as garantias de imparcialidade, e encontrando-se tal efeito cominado no nº 3 do artigo 41º C.P.P.

  20. A nulidade do auto aporta a nulidade de todo o processado subsequente que dele dependa e que possa ser afectado.

  21. O auto de notícia, que é acto processual e integra...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT