Acórdão nº 48/20.9GBBCL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução13 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório I.

No processo comum (tribunal coletivo) n.º 48/20.9GBBCL.S1 do Juízo Central Criminal ..., Juiz 6, comarca de Braga, por acórdão de 14.06.2023, além do mais, o arguido AA foi (no que aqui interessa) condenado pela prática, em autoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

Quanto ao destino dos objetos apreendidos foi decidido: d) Declarar perdido em favor do Estado o produto estupefaciente apreendido, determinando-se a respectiva destruição após o trânsito.

  1. Declarar perdidos em favor do Estado os telemóveis apreendidos nos autos, canivete com cabo de cor castanha, faca com cabo de cor amarela, todos os sacos, sacos plásticos herméticos ou caixas contendo sacos de plástico herméticos, saqueta contendo sementes de canábis, balanças e caixa em plástico, tudo igualmente apreendido nos autos, dado que se trata de instrumentos da prática do crime.

  2. Declarar perdida em favor do Estado a quantia monetária apreendida ao arguido AA no valor global de € 3.995,50 (três mil, novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta cêntimos); g) Declarar perdida em favor do Estado a viatura automóvel de marca Seat, modelo P1 e de matrícula ..-EQ-.., apreendida ao arguido AA.

    II.

    Inconformado com o acórdão da 1ª instância, recorreu o arguido AA para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: 1º. O Recorrente não se conforma com a douta decisão, pelo que interpõe o presente recurso propondo que o acórdão a quo seja revogado e substituído por outro que I CONDENE O RECORRENTE EM PENA DE PRISÃO IGUAL OU INFERIOR A 5 (CINCO) ANOS DE PRISÃO; II SUSPENDA A EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO IGUAL OU INFERIOR A 5 (CINCO) ANOS DE PRISÃO; III REVERTA A DECISÃO DE DECLARAR PERDIDA A FAVOR DO ESTADO A VIATURA AUTOMÓVEL APREENDIDA AO RECORRENTE.

    1. Resulta dos factos provados e da prova carreada e produzida para os autos que o Recorrente é primário, não existindo registo da prática de qualquer crime.

    2. O Recorrente confessou integralmente e sem reservas a prática do crime. Os “únicos factos” que não foram confessados pelos Arguidos foi a alegada relação entre ambos Arguidos, a qual foi considerada como não provada pelo Tribunal em crise, pelo que deverá considerar-se que o Recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado.

    3. O Arguido demonstrou sincero arrependimento e competências para avaliar, em abstrato, a ilicitude dos factos, os danos causados e as consequências para as vítimas.

    4. O Recorrente procedeu à venda de canábis, que é considerada uma “droga leve”, sendo que o caminho legislativo relativamente ao cultivo, consumo e até venda, deste tipo de estupefacientes, em Portugal e na Europa, tem sido de despenalização e descriminalização destas atividades.

    5. O modo de execução do crime é a venda de pequenas quantidades diretamente a consumidores, atuando sozinho, não pertencendo a qualquer associação ou organização criminosa, nem colaborando com outros indivíduos.

    6. O Recorrente mantinha um emprego fixo e estável desde os 17 anos de idade na empresa “D.... .......... tendo sido manifestado pela sua entidade patronal, que este mantém atualmente o seu posto de trabalho que se encontra livre à sua espera, tendo ainda caracterizado o Recorrente como sendo um funcionário assíduo, empenhado e pontual.

    7. O Recorrente encontra-se integrado familiarmente, beneficiando do apoio dos pais, com os quais residia, que estão disponíveis para o receber e apoiar.

    8. No meio de residência, o arguido é detentor de uma imagem associada a hábitos de trabalho, encontra-se inserido socialmente e não foi percecionada qualquer tipo de rejeição à sua presença no local.

    9. Considera-se que o Tribunal em crise caiu na tentação de atribuir demasiado e exagerado valor ao facto de que existiram algumas vendas a menores de idade, o que, na opinião da defesa, poderá ter criado uma falsa perceção de que o Arguido deveria ser condenado em pena de prisão efetiva.

    10. De um universo de 40 (quarenta) consumidores, apenas cerca de 5 (cinco) menores de idade eram menores de idade, tendo estes prestado depoimento em audiência de julgamento e afirmado que eram amigos do Arguido, e não apenas clientes, visto que pertenciam todos ao mesmo grupo de amigos, e privavam e relacionavam-se com o Arguido em contexto recreativo e de amizade.

    11. Os menores contavam cerca de 15 (quinze) anos de idade ou muito próximos de os completar, sendo uma altura em que, tal como resulta das regras da experiência de vida em comum e da sociedade em que vivemos, é bastante comum que os jovens, em contexto recreativo e de pares, comecem a experimentar este tipo de produto estupefaciente, a canábis e o haxixe, os vulgarmente designados por “charros”.

    12. Tal como resulta da prova documental nos autos e dos depoimentos eram estes 5 (cinco) jovens a procurar o Recorrente e não o Recorrente a procurar vender-lhes produto de estupefaciente ou a incutir-lhes o consumo.

    13. Nenhuma das vendas do Recorrente a estes jovens foi efetuada junto ou próxima a escolas, pelo que este não andava naquelas zonas procurando realizar negócios, muito pelo contrário, eram os jovens a contactá-lo e a encontrá-lo fora daquelas zonas.

    14. Resulta da audiência de julgamento que o Recorrente não só revela consciência crítica, como tem perceção do impacto do crime na sua vida.

    15. Resulta igualmente dos elementos juntos aos autos e pela audiência de julgamento que o Arguido dispõe de condições plenas para cumprir a sanção no seio da comunidade, em liberdade.

    16. Estas circunstâncias atenuantes deveriam ter sido tomadas em consideração na escolha e determinação da medida da pena, o que não sucedeu.

    17. Assim, nunca o Arguido deveria ter sido condenado em pena de prisão superior a 5 (cinco) anos, uma vez que, atentas as circunstâncias do caso vertente e as condições pessoais e sócio económicas do Arguido, a pena concretamente aplicada mostra-se manifestamente exagerada.

    18. Mal andou o Acórdão ora recorrido quando aplicou ao ora Recorrente uma pena de 5 (anos) anos e 3 (três) meses de prisão, tendo-se por suficiente uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos de prisão! 20º. Os factos que deram azo à decisão ora recorrida não justificam a adoção de uma medida punitiva tão grave e desproporcional, concebendo-se perfeitamente como restauradora da paz jurídica e do sentimento de estabilização das expectativas comunitárias a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.

    19. A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa e há que ter em conta as exigências de prevenção geral e especial (artigo 71º nº1 do Código Penal), sendo a culpa concreta do arguido que determina a moldura da punição, dentro da qual se atenderá as exigências dos fins de prevenção.

    20. Como supra se expôs, importa voltar a salientar que, o Arguido beneficia de diversas circunstâncias atenuantes da sua conduta, as quais deveriam ter sido levadas em consideração pelo Tribunal a quo.

    21. Assim não sucedendo, violou a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 369º CPP e 70º e 71º Código Penal, uma vez que determinou a pena aplicada ao Arguido fora dos parâmetros legalmente admissíveis.

    22. Verifica-se, assim, que as exigências de prevenção no caso concreto se revelam muito reduzidas, e não poderiam ter levado, salvo o devido respeito por opinião contrária, à aplicação ao Arguido de pena de prisão superior a 5 (cinco) anos, 25º. E a acrescer, deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução, verificando-se preenchidos os pressupostos que fazem depender a sua aplicação, nos termos do disposto no art. 50.º ss Código Penal.

    23. Do relatório social e da prova carreada para os autos retira-se que o Arguido tem capacidades e condições para se regenerar e reintegra-se na sociedade, não podendo considerar-se o Arguido um delinquente inveterado, que, em abstrato, representa um perigo para a sociedade em geral.

    24. No caso concreto entende-se que a suspensão da execução da pena de prisão, acrescida de imposição de regras de conduta, satisfaria as necessidades de reprovação do crime, enquanto que a pena de prisão se configura, perante as circunstâncias evidenciadas, acima de tudo, nefasta para a sua ressocialização.

    25. Assim, perante tudo o exposto, deve o Acórdão em crise ser revogado e substituído por outro que condene o Arguido em pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos de prisão e que a mesma seja suspensa na sua execução.

    26. Fundamenta o Arguido esta sua pretensão na errada interpretação, aplicação e subsunção jurídica dos factos ao direito da decisão recorrida, designadamente das normas elencadas nos arts.º 1.º, 40.º, 41.º e ss., 50.º e ss. e 70.º e ss. do Código Penal.

      DA VIATURA AUTOMÓVEL 30º. O Tribunal decidiu declarar perdida em favor do Estado a viatura automóvel de marca Seat, modelo P1 e de matrícula ..-EQ-.., apreendida ao arguido AA, fundamentando a sua decisão do seguinte modo: 31º. Da totalidade da prova produzida nada indicia que a viatura foi adquirida com o produto da venda de estupefacientes.

    27. Bem pelo contrário, foi produzida prova, através das declarações do Arguido, e da testemunha BB, pai do Arguido, de que o veículo automóvel foi pago através de créditos bancários.

    28. Assim, todos os pagamentos dos referidos créditos bancários eram efetuados através de débito direto da conta bancária do Arguido, onde era depositado o seu vencimento, não se tendo provado, ou sequer abordado, eventuais depósitos de quantias monetárias ilícitas naquela conta bancária.

    29. Resulta, por outro lado, do ponto 67 dos factos provados, com recuso ao relatório social: n) O arguido auferia um salário de 730,00€ (..).

    30. Segundo o ponto provado 71, o veículo automóvel é de marca SEAT, modelo Leon, fabricado em 2007, tendo o Arguido o adquirido em 2017, o que significa que tem, atualmente, um valor de...

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