Acórdão nº 0113/23.0BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Setembro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução06 de Setembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou improcedente a reclamação por ele deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão proferida pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Viseu do IGFSS sobre requerimento apresentado pelo ora Recorrente na execução fiscal aí pendente para cobrança coerciva de dívidas provenientes de contribuições e quotizações para a Segurança Social e que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ele, por ter sido considerado responsável subsidiário por essas dívidas.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a 22/05/2023, na parte em que decidiu que, ressalvada a nulidade do acto reclamado, a prescrição e, por fim, a título incidental, a citação, não poderia o órgão de execução fiscal, em sede de pedido de revisão oficiosa, pronunciar-se relativamente aos fundamentos invocados pelo ora recorrente, por extemporaneidade, designadamente a ausência de pressupostos legais à efectivação da reversão.

  1. Com efeito, decorre no artigo 78.º da LGT que “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

    Ademais, III. Preceituam os n.ºs 1 e 2 do artigo 266.º da CRP, quanto aos princípios fundamentais da Administração Pública que esta visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, devendo o exercício das suas funções pautar-se pelos princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé.

  2. Nos termos do artigo 56.º da LGT, que preceitua o princípio da decisão, a lei faz recair sobre a Administração Tributária (no caso, a secção de processo executivo da Segurança Social) o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos (favoráveis ou desfavoráveis) que caibam no âmbito das suas atribuições e que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei, pelos sujeitos passivos ou por quem tiver interesse legítimo.

  3. Por ser assim, a revisão “oficiosa” não é uma faculdade do órgão de execução, mas sim um poder-dever que se lhe impõe por força dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade a que está vinculado a observar na globalidade do exercício da sua actividade.

  4. Logo, atento o sentido garantístico que lhe subjaz, atracado no princípio da justiça constante do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, o procedimento de revisão não pode deixar de ser visto enquanto uma obrigação que recai sobre o órgão de execução.

  5. Tal entendimento concretiza, na prática, e em particular, o princípio da legalidade dos impostos e a inerente obrigação de reposição da mesma pelo órgão de execução sempre que constatada a violação da lei ou um erro de facto grave. Ora, se só são exigíveis os impostos, neste caso, as contribuições e quotizações, que resultem dos exactos termos da lei, apenas deverá haver lugar à sua cobrança nas circunstâncias factuais tipificadas nas normas de incidência.

  6. Tanto assim é que, não partindo da iniciativa do órgão de execução, a lei tributária prevê a possibilidade de revisão oficiosa do acto por iniciativa do sujeito passivo, o qual, por requerimento dirigido aos serviços, vincula aquele órgão a um dever de decisão sobre o pedido.

  7. Tudo o que, ademais, mais não é do que a expressão da primazia da legalidade da tributação sobre a estabilidade das relações jurídico-tributárias.

  8. O dever de fundamentação cumpre aqui uma função primordial: por um lado, a necessidade dos sujeitos destinatários conhecerem a base fáctico-jurídica da decisão, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, e por outro lado, a necessidade de proferir decisões inteligíveis e não meramente arbitrárias.

    XI.

    In casu, a Sra. Coordenadora não toma posição sobre diversas questões colocadas pelo Recorrente, as quais se encontram resumidas nas alegações (e se dão aqui por integralmente reproduzidas por razões de economia processual), não emite decisão no sentido de não poder delas tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da decisão também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha, por alguma razão, ficado prejudicado.

  9. A acrescer que a Sra. Coordenadora também não se digna atender à prova testemunhal indicada pelo Reclamante/Recorrente, sem contudo esclarecer na sua decisão os eventuais motivos que levaram a dela prescindir.

  10. Tudo o quanto é o bastante à nulidade da decisão em causa, por omissão de pronúncia, tal qual se encontra previsto no Código de Processo Civil, nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º, e que aqui se aplicam subsidiariamente, por força do disposto no artigo 2.º do CPPT.

  11. Por último, a secção de processo executivo também não se dignou a ouvir as testemunhas indicadas pelo recorrente, no requerimento de revisão, sendo este o meio adequado a demonstrar cabalmente o alegado pelo recorrente no seu requerimento de revisão do acto tributário. Alegações e prova essa que, em última instância, levariam à desresponsabilização do recorrente pela dívida em causa e que, por tal razão, deveria ter sido produzida, atendida e valorada como é de direito – artigo 392.º do Código Civil.

  12. A autoridade tributária violou os princípios a que está constitucionalmente obrigada, nos termos do artigo 266.º da CRP, de prosseguir o interesse público, com respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e bem assim, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

  13. Porquanto tudo o que ficou alegado, a sentença recorrida, na medida em que manteve o despacho reclamado, violou, designadamente, o disposto nos artigos 56.º e 78.º da LGT, o artigo 266.º, n.ºs 1 e 2 da CRP e o artigo 615.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC, XVII. Fazendo uma errónea interpretação e aplicação do direito, em concreto, destas normas, ao caso em análise, XVIII. Devendo ser revogada e substituída por outra que reconheça a alegada omissão de pronúncia e determine a remessa dos autos à secção de processo executivo de Viseu para pronúncia da Sra. Coordenadora sobre tudo o quanto alegou o recorrente em requerimento de revisão do acto de reversão da dívida, designadamente, sobre a falta dos pressupostos legais para tal».

    1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso. Isto, após ter delimitado o objecto do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] 2. Importa desde logo referir que se acompanha o entendimento vertido na sentença recorrida no sentido de que as invalidades assacadas ao despacho de reversão pelo Recorrente devem ser objecto de oposição à execução fiscal1, meio processual previsto no artigo 203.º do CPPT, e cujo prazo de apresentação (30 dias) já havia manifestamente decorrido aquando da apresentação do requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal (tendo sido citado em 2015 e 2018 – cfr. alíneas G) e I) do probatório –, o pedido foi apresentado em 2022 – al. A) do probatório).

    2.1 Por outro lado também entendemos que o regime jurídico plasmado no artigo 78.º da LGT não é aplicável a actos administrativos em matéria tributária, como é o caso do acto de reversão para efetivação da responsabilidade subsidiária, previsto no artigo 23.º da LGT, pelo que nunca poderia a senhora Coordenadora da Secção de Processos conhecer das invalidades invocadas ao abrigo da citada norma.

    2.2 Daí que decorrido o prazo de 30 dias previsto no artigo 203.º do CPPT, como ocorreu no caso concreto dos autos, fica precludida a impugnabilidade daquele acto, formando-se caso decidido ou resolvido.

    2.3 Assim sendo e tal como se entendeu na sentença recorrida, estava vedado ao órgão de execução fiscal conhecer das referidas invalidades invocadas pelo peticionante e aqui Recorrente, não só por não ser aquele o meio processual próprio para as invocar, como se revelar inútil a sua convolação para o meio processual adequado, face à sua manifesta intempestividade (para além de que se impunha o conhecimento dos demais pedidos – prescrição e nulidade da citação – para os quais o meio processual era idóneo).

    2.4 Por outro lado e sendo certo que “A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência” (artigo 56.º, n.º 1, da LGT, e artigo 13.º do CPA), não podia neste caso tomar qualquer decisão, por se ter formado caso decidido, sendo certo que a omissão da pronúncia sobre a referida questão por parte da senhora Coordenadora da Secção de Processos não configura nulidade e designadamente a nulidade prevista no artigo 615.º do CPC, cuja disciplina não é aplicável ao acto praticado, mas apenas às decisões judiciais, sendo certo que não existe qualquer outra norma, designadamente no CPA (cfr. arts. 13.º e 129.º), que sancione tal omissão de pronúncia com a referida invalidade da decisão administrativa (atento que o administrado tem outros meios de tutela ao seu dispor que asseguram tal direito).

    2.5 Assim sendo, a sentença recorrida que assim o entendeu, não padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado...

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