Acórdão nº 00190/20.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2023
Magistrado Responsável | Paulo Ferreira de Magalhães |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2023 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO [SCom01...], Ld.ª [devidamente identificada nos autos], Autora na acção que intentou contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP [IMT], e onde identificou como Contra interessada a [SCom02...], Ld.ª [também ambos devidamente identificados nos autos], para efeitos de anulação da deliberação do Conselho directivo do IMT, de 23 de julho de 2019, que decidiu autorizar a prorrogação de prazo e manutenção do contrato de gestão celebrado com a CITV [SCom02...], inconformada com a Sentença proferida pelo TAF do Porto, pela qual julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual activa e absolveu da instância o Réu, assim como a Contra interessada, veio interpor recurso de Apelação.
* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES: 1ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 11 de Novembro p.p., que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa da ora A. – titular de um centro de inspecções – para impugnar a deliberação do IMT que prorrogou o prazo e manteve o contrato de gestão para a instalação de um outro centro de inspecções por parte da contra-interessada.
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Salvo o devido respeito, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, violando o disposto nos art.
os 9º e 55º do CPTA e o direito à tutela judicial efectiva, denegando essa mesma tutela a quem alegou ser prejudicado pela deliberação impugnada.
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Na verdade, bastava ler a p.i. para se poder concluir que a A. alegou que a deliberação que autorizou a prorrogação e manutenção do contrato de gestão do centro de inspecções da contra-interessada lhe causava um prejuízo por se estar a autorizar um centro de inspecções na área de influência do da A. e isso comprometer a manutenção da sua cliente (v. art.º 17º, 18º e 24º da p.i.), o que, aliás, não deixa de ser reconhecido pelo Tribunal a quo.
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Ora, é pacífico que a legitimidade se afere em função da p.i., sendo partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo A., conforme também reconhece o próprio aresto em recurso ao até citar parte da doutrina que refere que a legitimidade é independente da titularidade da posição jurídica substantiva.
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Aliás, a nossa amais autorizada doutrina vem ensinando que “... A utilização da fórmula “interesse directo e pessoal”, em contraposição à lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (...) aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anularão ou a declaracão de nulidade desse acto lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem directa” (v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, almedina, 5.º edição. 2021, págs. 238 e 239).
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Consequentemente, uma vez que a A. alegou na p.i. que a proximidade de um centro de inspecções da contra-interessada potenciava a concorrência e era susceptível de comprometer e afectar a clientela do seu centro de inspecções, é por demais manifesto que a A. tinha um interesse directo e pessoal em impugnar uma deliberação que considerava ilegal e que podia comprometer a manutenção da sua clientela e a sua sobrevivência enquanto empresa titular do centro de inspecções que passou a sofrer a concorrência do centro de inspecções da contra-interessada.
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Aliás, e em bom rigor, a legitimidade da A. para impugnar a deliberação em causa é bem evidente se se tiver em consideração que se a referida deliberação não tivesse sido proferida (ou se for anulada) o contato de gestão da contra-interessada teria caducado e, consequentemente, não teria sido edificado nem se poderia manter o centro de inspecções que concorria com o da A. e potencia a diminuição da sua clientela.
Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, revogada a sentença em recurso, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA! […]” * O Recorrido IMT, IP, apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue: “[…] 1.
Não está a douta sentença recorrida ferida de qualquer irregularidade, invalidade ou nulidade.
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Não ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo por julgar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa e, em consequência, absolver a Entidade Demandada e a Contrainteressada da instância.
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Bem decidiu a sentença em apreço.
Nestes termos, deverá ser negado provimento ao Recurso.
[…]” * Também a Recorrida [SCom02...], Ld.ª, apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue: “[…] A.
Através da sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente, e bem, a exceção de ilegitimidade ativa da Autora, seguindo de perto, aliás, aquela que é a jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo e, bem assim, a mais recente jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, precisamente a propósito da abertura deste mesmo centro de inspeção automóvel e no âmbito de uma ação instaurada por uma empresa do mesmo grupo da Recorrente (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09.10.2020, proferido no âmbito do processo n.º 576/20.6BELSB-A).
B.
Na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que se mantém inalterada e juridicamente irrepreensível, o interesse pessoal da própria sobrevivência económica, posta em causa pelo aparecimento de um novo concorrente, não é um interesse suficientemente qualificado para conferir legitimidade ativa, desde logo quando é manifesto que tal potencial prejuízo não decorre da ilegalidade ou legalidade do ato impugnado.
C.
O Tribunal a quo limitou-se, e bem, a ajuizar que o interesse único e confessado da Recorrente era evitar a abertura de um novo CITV e que tal pretenso interesse “à não concorrência” não é um interesse legalmente protegido, em especial, no contexto de um mercado concorrencial.
D.
A simplicidade com que o Tribunal a quo julgou a presente ação, e que se antevê que seja a mesma do Tribunal ad quem, deve-se à circunstância de ser manifesta a referida ilegitimidade, porquanto foi a própria Recorrente que reconheceu que com a propositura da presente ação pretendia apenas evitar a abertura e o funcionamento do CITV da aqui Recorrida.
E.
É indiscutível que a Recorrente tem [a única] intenção de impedir a abertura e exploração do CITV da [SCom02...]; sucede, no entanto, que essa intenção não é, para este efeito, um interesse direto e, muito menos, um “interesse legalmente protegido”.
F.
Não é um interesse direto porque, ao contrário do que alega a Recorrente, é falso que a abertura do CITV da [SCom02...] introduza a concorrência que a mesma refere, ou, pelo menos, nos termos em que a equaciona. E isto por uma razão manifestamente simples: a tese da Recorrente assenta numa falsa aparência de proximidade entre os dois centros e uma total ausência de outros centros em redor, fazendo com que a abertura de um condicione automaticamente o funcionamento do outro. O que é falso.
G.
A Recorrente não alega um qualquer outro interesse e nem o mesmo existe: da eventual procedência da presente ação, a Recorrente não retira qualquer benefício para a sua esfera jurídica ou interesse de facto, que não seja o mencionado interesse ilegítimo em não sofrer concorrência.
H.
Na verdade, a Recorrente limita-se a uma alegação genérica e inócua, defendendo que a abertura deste concreto CITV poderá (uma vez mais, em tese) colocar em crise a concorrência por força dos preços a praticar.
I.
O CITV da aqui Recorrida situa-se num distrito distinto do CITV da Recorrente e o IMT, na qualidade de entidade reguladora do setor, havia previamente entendido que era necessária a abertura de um centro em .... E esse é o interesse público que a improcedência da presente ação também permite salvaguardar.
J.
Em conclusão: bem andou o Tribunal a quo a julgar procedente a exceção da ilegitimidade da Recorrente, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo ou censura.
[…]” ** O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.
** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
*** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR As questões colocadas pela Recorrente estão delimitadas pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se resumem a saber, se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido e que está na base da decisão recorrida, quando julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e consequentemente pela absolvição do Réu e da Contra interessada da instância, decisão essa que no entender da Recorrente viola o disposto nos artigos 9.º e 55.º do CPTA assim como o direito à tutela jurisdicional efectiva.
** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal a quo, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos, como segue: “[…] Com base nos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados, considera-se provada a seguinte factualidade: A) A Autora é a entidade gestora do centro de inspecção de veículos sito na E.N. ...27, nºs 3515-3519...
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