Acórdão nº 02288/18.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução14 de Julho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Instituto Segurança Social - Centro Nacional de Pensões veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 18.01.2023, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção que lhe moveu «AA» para condenação do Réu a deferir o pedido de atribuição à Autora da pensão de sobrevivência por morte de «BB» e do pagamento da mesma com efeitos retroactivos à data do óbito, acrescido de juros desde de mora.

Invocou para tanto, em síntese, que o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.07.2019, proferido nestes mesmos autos em sede de recurso jurisdicional do despacho saneador que aqui foi proferido, não faz caso julgado quanto á decisão final a tomar no presente processo; quanto ao mérito da acção e do recurso, defende que a unidade do sistema jurídico importa uma interpretação normativa que não faça colidir o pensamento legislativo nas suas várias dimensões; endente ser inequívoco, por um lado, que o regime de reparação dos acidentes de trabalho comunga de pretensões reparatórias prevenidas pelo sistema previdencial (e por essa razão, são regimes que não se sobrepõem, por força da melhor interpretação do n.º 3 do art.º 2º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10.05), sendo que a decisão em apreço (referida no corpo da alegação) faz interpretação absolutamente oposta do mesmo acervo legal, no que à Lei n.º 7/2001, de 11.05, respeita; mas, sobretudo, porque a jurisprudência superior vem assentando no paralelo e idêntica necessidade de protecção entre o membro sobrevivo da união de facto, e o cônjuge separado “de jure” de pessoas e bens, mas que, sem pôr fim ao regime jurídico elegido pelos cônjuges, reata a comunhão conjugal de facto, assim afastando o regime de direito pelo qual optaram, em matéria de proteção do núcleo familiar; as situações jurídicas tratadas e retratadas (protecção a cônjuge separado de pessoas e bens e membro sobrevivo de união de facto) não são paralelas, nem idênticas, nem podem sê-lo, antes se impondo a aplicação no caso vertente do disposto no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18.10, não “corrigindo” por via judicial a opção operada na esfera do domínio privado, no qual o Estado não deve interferir.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida, a qual, de resto, no seu entender respeita o caso julgado formado nos autos pelo acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.07.2019.

O Ministério Público neste Tribunal defendeu também que seja negado provimento ao recurso.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: a) É precisamente relativamente ao segmento decisório que o Apelado se insurge, por entender que o a procedência da ação, por via do reconhecimento da união de facto estabelecida posteriormente à separação de pessoas e bens entre os mesmos membros, simultaneamente, cônjuges e unidos de facto, viola, necessariamente, normas de caráter substantivo, que não podem ser ultrapassadas por uma interpretação normativa diversa, sem perda da unidade do sistema jurídico; b) Por se ter tratado de recurso de um saneador sentença antecedente, de cuja revogação decorreu a produção de prova no que respeita aos factos atinentes ao possível reconhecimento de união de facto, ainda assim, cremos não estar o Julgador pré-determinado no juízo do Direito a aplicar e sentido decisório; c) De contrário, entendendo-se haver vinculação ao sentido da decisão de mérito a proferir, tal leitura importaria a violação do disposto no n.º 3 do Art.º 5º do CPC, corolário máximo da atividade juridiciária: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”; d) Pela mesma razão, não está esse Venerando Tribunal vinculado à interpretação normativa expressa no Acórdão proferido em 2019, no sentido da procedência da ação com fundamento na prevalência da união de facto verificada entre a Requerente e o Beneficiário falecido, casados entre si à data do decesso; e) A questão é saber se tal “união de facto” é juridicamente relevante, para efeitos da decisão administrativa a proferir; No rigor, f) Na situação sub judice estaria a corrigir-se a vontade manifestada pelas partes interessadas, no pleno exercício da respetiva autonomia privada; g) Estas, conscientemente optaram por regime diverso de proteção do núcleo familiar, ao manterem o vínculo conjugal, mas com cessação de deveres decorrentes da separação de pessoas e bens por si declarada perante autoridade pública; h) Será função do Julgador interpretar corretivamente as diversas manifestações do poder legislativo, corrigindo o sentido normativo expresso pelo Legislador, de quem se presume ter consagrado as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Art.º 9º, n.º 3 do CC)?; i) Estamos perante uma qualificação jurídica na plena disponibilidade das partes e do foro exclusivo da autonomia privada: casados, mas judicialmente separados de pessoas e bens, qualidade que a Requerente e o Beneficiário falecido elegeram e, na verdade, nunca pretenderam afastar, como decorre da matéria de facto provada (alínea r)); j) os cônjuges (precisamente os mesmos intervenientes na união de facto) sabiam que a condição jurídica por si escolhida tinha consequência, com imperativos legais que quiseram e elegeram manter, mesmo conhecendo das limitações dos respetivos direitos e consequente tutela jurídica; k) Afirmar que a união de facto ultrapassa a vontade declarada para efeitos de direito a prestações por morte, corresponde à violação da norma substantiva que determina e baliza legalmente a figura da separação de pessoas e bens, nomeadamente, o Art.º 1795.º-A do CC, norma clara e manifestamente violada na decisão em crise; l) Requerente e Beneficiário optaram, em pleno exercício dos respetivos direitos civis, na esfera da autonomia privada (onde não cabe a intervenção Estatal), pela quebra da comunhão patrimonial e entenderam separar massas patrimoniais, sabendo que prescindiriam de direitos prevenidos diversamente, quer em sede de prestações por morte, quer em matéria sucessória; m) E sabendo disso, na mesma esfera de autonomia privada, entenderam não formalizar a reconciliação, mesmo tendo-o ponderado, igualmente não estabelecendo qualquer direito a alimentos, sucedâneo do extinto dever de assistência; n) São todas escolhas da esfera da autonomia privada, em que não cabe correção por via legislativa ou jurisprudencial; o) Ora, no caso sub judice o consenso no sentido de ver prescindida a perda da tutela jurídica decorrente da opção formalizada pela separação de pessoas e bens manteve-se desde o início. Sendo que havia a escolha consciente e conhecida pela possibilidade de revogação da manifestação de vontade manifestada, nos precisos termos e moldes previstos no Art.º 1795º-C do CC, norma despida de qualquer conteúdo útil na interpretação que vem fazendo vencimento nos Tribunais Administrativos e, desta forma, violada; p) Na decisão em crise retoma-se a argumentação explanada no ponto IV do sumário do Proc. n.º 01378/17.2BEBRG, de 17 de dezembro, no sentido da defesa patrimonial do cônjuge sobrevivo, permitindo-lhe a manutenção das condições de vida “que resultavam do apoio mútuo”, mesmo que por via de regime jurídico diverso, desenhando como excecional ao regime previsto no Art.º 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro (convocando a aplicação do regime previsto para a união de facto); q) Mas tal argumentação peca por escassa na análise da situação jurídica em causa: é que, efetivamente, o cônjuge separado de pessoas e bens não tem posição sucessória (por força do n.º 3 do Art.º 2133º do CC), situação que poderia aparentar a mesma desproteção que se verifica no paralelo da “união de facto”; r) Mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, isso não importa que o cônjuge separado “de jure” não esteja patrimonialmente defendido, na qualidade de meeiro da integralidade do património comum que constituiu com o de cujus em momento prévio à separação de pessoas e bens; s) Apenas perderá direito ao património próprio do falecido após a separação de pessoas e bens. No mais, a massa hereditária, à qual não concorre, sempre será constituída pela meação no património comum; t) É que não havendo divórcio inexistirá partilha do património comum do casal, mas o direito à meação no património comum manter-se-á e integrará a herança, mesmo sem concurso do cônjuge separado como herdeiro. Este é o regime que inequivocamente resulta da aplicação das regras gerais de direito (em matéria de direito da família e sucessões); u) Isto é, ao contrário do pretendido nos doutos Acórdão citados e, bem assim, na decisão em crise, a posição do unido de facto com terceiro ou a união de facto reconhecida a casados entre si mas separadas “de jure” de pessoas e bens, não constituem situações juridicamente análogas, menos ainda do prisma da defesa patrimonial; v) Alinhando em tal linha argumentativa, estaremos seguramente a interpretar corretivamente normas de direito da família e sucessórias de maneira a corrigir o pensamento legislativo, apenas para assegurar um direito a prestações por morte, “sucedâneo” definido, pelo próprio legislador, como garantia patrimonial; w) E sem recurso a uma interpretação uniforme dos regimes jurídicos previstos, existem decisões dissonantes proferidas pelos Tribunais Comuns, por exemplo, em matéria de acidentes de trabalho, que asseguram prestações sucedâneas com fundamento jurídico essencialmente coincidente com as do regime previdencial, de proteção patrimonial do membro sobrevivo (cônjuge ou unido de facto) da união conjugal; x) A unidade do sistema jurídico importa uma interpretação normativa que não faça colidir o pensamento legislativo...

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