Acórdão nº 00188/23.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução14 de Julho de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÂO INTERNA – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [devidamente identificado nos autos], Réu na acção de Intimação para protecção de direitos liberdades e garantias que contra si intentou «AA» [também devidamente identificado nos autos], na qual pediu a sua intimação a fim de emitir o título de residência que lhe requereu, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., datada de 22 de maio de 2023, pela qual veio a julgar procedente o pedido, e em consequência, intimou-o a emitir o título de residência no prazo de 20 [vinte] dias, veio interpor recurso de Apelação.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] 1. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., datada de 22/05/2023, o Tribunal a quo intimou “o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a emitir o título de residência requerido no prazo de 20 dias”.

  1. Entendeu o Tribunal “a quo” que, “(...) depreende-se com razoável segurança e certeza que as alegações do requerente no sentido de preencher todos os requisitos para que lhe seja concedida uma autorização de residência se encontram verificadas”. Daí que, o Tribunal conclui que o requerente preenche todos os requisitos contemplados nos artigos 88.º e 77.º da Lei n.º 23/2007, acima transcritos”.

  2. O ora recorrente não se pode conformar com o doutamente decidido, que considera padecer de erro de julgamento, devendo a douta sentença recorrida ser revogada com base na ostensiva violação por parte do Tribunal a quo, dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da separação de poderes.

  3. No caso concreto, evidencia-se que o cidadão efetuou manifestação de interesse com vista à concessão de autorização de residência temporária, com dispensa de visto de residência, para exercício de atividade profissional subordinada, ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 882 da Lei nº 23/2007, de 4/07, com as posteriores alterações.

  4. O ora recorrido não é titular de um direito à legalização da sua permanência em território nacional, porquanto o cidadão nacional de um país terceiro que pretenda trabalhar em Portugal tem, em regra, de solicitar no país de origem (in casu junto das autoridades consulares portuguesas) o necessário visto de residência, que o habilita, uma vez entrado em território nacional, a requerer a Autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.

  5. O ora recorrido preteriu esse “incómodo” e, sem que fosse portador do referido visto, foi-lhe facultada a oportunidade de apresentar on line a designada “manifestação de interesse”, visando a possibilidade da mesma ser analisada.

  6. Após análise do referido pedido recaiu decisão de indeferimento.

  7. Em síntese a Sentença a quo incorre em clara violação de lei, quer adjetiva quer substantiva.

  8. A decisão de condenação a emissão de título de residência, seja ao abrigo de que norma for, terá, necessariamente, nos termos imperativamente fixados in legis, que alicerçar-se numa prévia decisão administrativa, e esta por sua vez de ter sustento legal, ora nenhuma das situações, in casu, se havia verificado.

  9. Enfim, a douta Sentença partindo de pressupostos errados efetuou uma errada subsunção dos factos às normas de direito aplicáveis, padecendo, assim, de vício de ilegalidade.

  10. Atento o disposto no n.º 2 do art.º 88.º, estamos perante um poder atribuído apenas à Administração, pelo que, atendendo ao princípio da separação e interdependência dos poderes constitucionalmente consagrado e também vertido no art.º 3.º do CPTA, não poderia o Tribunal a quo impor a “condenação à prática de ato devido consubstanciado em a Entidade Demandada conceder ao Autor o título de residência.”.

  11. “O sentido do artigo 3º é, claramente, de abrangência dos poderes dos tribunais administrativos. Mas precisamente por isso, o legislador tem o cuidado de abrir, no nº 1, com um preceito que coloca o acento tónico nos limites que se impõem ao exercício desses poderes. O Código confere aos tribunais administrativos todos os poderes que são próprios e naturais do exercício da função jurisdicional, fazendo com que estes tribunais sejam, como todos os outros, tribunais dotados de poderes de plena jurisdição. Mas, tal como nas restantes ordens jurisdicionais, também o campo de atuação dos tribunais administrativos se restringe à aplicação da lei e do Direito. Isto significa que os tribunais administrativos não se podem substituir aos particulares na formulação de valorações que pertencem–à respetiva autonomia privada, como também não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem caráter jurídico, mas envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa. São vários os preceitos que, ao longo do Código, concretizam o princípio do artigo 3º, nº 1, preservando dos poderes de condenação dos-tribunais administrativos os “espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa”: vejam-se, em particular, o artigo 71º, nºs 2 e 3, de importância nuclear no que se refere aos poderes de pronúncia no domínio da condenação à prática de atos administrativos, o artigo 95º, nº 5, para a hipótese em que tenha sido deduzido um pedido de condenação da Administração à adoção de atos jurídicos ou comportamentos, e o artigo 179º, nº 1, quando se trate de proceder a essa mesma determinação no âmbito do processo de execução das sentenças de anulação de atos administrativos.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, pág. 50 e 51).

  12. Desta forma, o nº 1 do artigo 3º do CPTA evidencia a necessidade de salvaguardar o princípio da separação de poderes (cfr. art.º 111º nº 1 da CRP, nos termos do qual “os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição”).

  13. Em igual sentido, também o Ministério Público junto do Tribunal se pronunciou (Proc. n.º 1.75... – 2.º juízo – 1.ª Secção), em defesa do presente entendimento, “Esse poder da Administração não pode ser sindicado pelo A. nos termos constantes desta instância, pois há uma clara amplitude da decisão que o legislador entendeu por à disposição da Administração para melhor exercer, em cada caso, os seus poderes”.

  14. Não estamos, pois, como estriba o douto Parecer, perante um ato vinculado por parte da Administração, pelo que, com todo o respeito, não se compreende como pôde Mmo. Juíz a quo decidir, intimando o requerido “à pática da decisão de autorização de residência e consequente emissão do título de residência (...)”.

  15. Inequivocamente, e mais uma vez citando o douto Parecer do Ministério Público, a decisão a quo “viola o princípio da separação de poderes consignado no artigo 2.º da Constituição (...)”.

  16. Não é, pois, compreensível, e muito menos aceitável, que o poder judicial, ao arrepio da lei, se imiscua no poder que esta mesmo ditou como exclusivo da esfera da Administração.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso e o pedido formulado serem julgados procedentes por provados, e revogar-se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências.

[…]” ** O Recorrido apresentou Contra Alegações, mas sem que tenha enunciado as respectivas conclusões, sendo que de todo o modo delas se extrai que o mesmo pugna pela improcedência do recurso, e a final, pela manutenção da Sentença recorrida.

* O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

*** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

*** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas consiste, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se errou o Tribunal a quo ao ter julgado pela sua intimação a emitir, no prazo de 20 dias, o título de residência requerido pelo Autor ora Recorrido.

** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos ao diante, como segue: “[…] I. FACTOS PROVADOS.

Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos: 1) No dia 18/07/2020 o Requerente apresentou junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras uma manifestação de interesse para ser apreciado, de acordo com o artigo 88º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, o seu pedido de autorização de residência com dispensa do requisito de possuir visto de residência válido (conforme registo constante do sistema informático SAPA – Consulta de Manifestação de Interesse constante de Requerimento (...57) Processo Administrativo “Instrutor” (...74) Pág. 1 de 09/05/2023 00:00:00 e listagem dos...

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