Acórdão nº 405/18.0TELSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Agosto de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LATAS (RELATOR DE TURNO)
Data da Resolução02 de Agosto de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 405/18.0TELSB Habeas Corpus ACÓRDÃO Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1.

AA, solteiro, nascido em ........1984, de nacionalidade portuguesa, vem ao abrigo do artigo 31º nºs 1 e 2 da CRP e, ainda, do artigo 222º nºs 1 e 2 al. c) do CPP, requerer a concessão da providência de habeas corpus a favor de BB, 69 anos, casado, arguido no processo penal que, com n.º 405/18.0TELSB, corre termos na fase de Inquérito perante o MP, DIAP de ..., alegando que o arguido se encontra detido nesse processo no EP anexo à PJ de .... Aduz ainda os seguintes fundamentos, que parcialmente se transcrevem da sua petição de habeas corpus, sem os sublinhados: - «Diz-nos o Código Processo Penal, por referência ao artigo 276º do C.P.P. que os prazos de duração máxima do inquérito são de 18 meses (alínea c) do n.º 3 do art.º 276º).

Mesmo que se contem os prazos mais largos para a duração máxima do inquérito e os seus alargamentos por leitura do n.º 5 do mesmo art.º 276º, esses alargamentos são, por cada processo, em metade do prazo máximo.

Ora, metade dos 18 meses são 9, 9+18 dá 27 meses, pelo que, matematicamente correndo o inquérito há 5 anos, os prazos máximos de duração do inquérito estão ultrapassados no dobro.

Sei, como cidadão informado e com frequência académica [em Direito], que esses prazos são indicativos e não imperativos, mas mesmo sendo indicativos há reflexões e consequências a retirar deles no seguimento daquilo que se vai expor e da posição de uma Exma. Senhores Juíza do Tribunal Constitucional.

Isto é, são indicativos para a duração máxima do inquérito mas poderão ter consequências ao nível de outras circunstâncias processuais, porque o Ministério Público está bem preparado para lidar com as detenções (face ao seu Know How ao longo dos 5 anos de investigação) e o Sr. Juiz de Instrução, que também tem autorizado, lido e validado escutas telefónicas e demais diligências investigatórias que têm de ser por si autorizadas e fundamentadas, também está [o JIC] por dentro do objeto do processo e munido de informação bastante que lhe permite estar inteirado da factualidade, dos seus autores e dos indícios (fortes ou fracos) que contra aqueles existem ou não.

Ou seja, ao contrário de muitos dos juízes de instrução, muitas vezes de turno nos nossos Tribunais espalhados por Portugal, em que as autoridades policiais têm um arguido detido e o Sr. Juiz de Instrução ainda vai ter que se inteirar do processo todo, neste caso em concreto (Processo Picoas) estamos perante um MP e um JIC que, ao longo dos últimos anos têm promovido e deferido diligências processuais.

Quer isto dizer que não se pode argumentar que o Sr. Juiz de Instrução foi apanhado de surpresa com estas detenções e que ainda se está a inteirar da factualidade e criminalidade indiciada aos suspeitos.

Vejamos, pois, o que ocorre e tem ocorrido e tem vindo a público e até tem merecido (e muito bem) críticas de toda a sociedade e de alguns advogados: O Exmo. Sr. Juiz de Direito (agora Desembargador) Dr. CC, conhecido vulgarmente por “Super Juiz” tem vindo a interromper os interrogatórios dos arguidos detidos no presente processo 405/18.0TELSB porque no âmbito de outro processo sobre imigração ilegal teve que interrogar, nos outros autos, aqueles arguidos e que, não sendo aquele Juiz, como não é (nem ele nem ninguém) omnipresente para poder estar nos dois processos “ao mesmo tempo” e garantir o cumprimento dos prazos em todos os processos, os arguidos, mais concretamente o BB, tem sofrido consequências com todas essas paragens para o Sr. Dr. Juiz De Instrução poder auscultar nos outros processos os restantes arguidos, também detidos noutras operações policiais.

(…) Nos termos da lei a detenção tem como limite máximo as 48 horas – art.º 254º n.º 1 alínea a) e 141º n.º 1 do C.P.P.

A Jurisprudência tem entendido, não totalmente unificada, que o prazo máximo de 48 horas é o prazo limite para as autoridades policiais apresentarem o detido ao Juiz.

E, tanto quanto parece, a lei faz silêncio sobre o prazo máximo que o Juiz de Instrução tem para decidir sobre as medidas de coação bem como faz-se silêncio sobre o tempo que o MP tem para promover ao Juiz de Instrução aquilo que entende serem as medidas de coação a serem aplicadas.

Mas será que a lei faz mesmo silêncio absoluto ou será que, das normas legais em vigor consegue-se perceber aquilo que o legislador quis dizer ou que dali deve ser interpretado em razão dos direitos dos cidadãos detidos, como teto máximo e absoluto, para serem conhecidas as medidas de coação e os cidadãos em causa saberem, dentro de tal prazo máximo, se são libertados ou se ficam em prisão preventiva? E que prazo máximo será esse então? Não pode ser um prazo “ad eternum”, em que se prolongue tanto tempo. Basta pensar-se no seguinte exemplo: se agora aparecer um outro processo com arguidos detidos e o Sr. Dr. CC estiver de turno, teremos mais umas paragens para interrogatório naqueloutro processo. Imaginem que naquele outro processo são 30 arguidos detidos para primeiro interrogatório.

Quando dermos conta, os 10 dias de detenção transforma-se em 20 ou 30 dias, e desta maneira vão-se criando exceções aos timings dos prazos máximos de detenção sem que exista uma decisão judicial que fixe as medidas de coação.

8 dias não é aceitável? 10? 20? 50 dias? Até que dias então quis o legislador dizer? Por um lado o legislador falou em “horas” no prazo máximo de detenção, nós já falamos em dias, depois semanas, quinzenas, e com jeito passados a falar em “mês”? (…) Este Habeas Corpus existe agora porque entendo, e é a minha opinião cimentada em razoabilidade (prazos)e proporcionalidade (tipo de criminalidade) de que, uma injustiça para um é uma injustiça para todos. Logo não posso conceber que o BB esteja detido há 10 dias sem decisão judicial e nada fazer.

Isto é o exercício de cidadania ativa. Caberá ao Supremo Tribunal de Justiça decidir se a detenção que se mantém ao fim de 10 dias sem decisão judicial que fixe as medidas de coação é ou não violadora dos princípios gerais que norteiam a atividade judiciária no que diz respeito a esta matéria. Que é motivo bastante para Habeas Corpus, isso é, porque não se trata de umas pequenas horas de “atraso” nem de um dia ou dois. Nada disso, já vamos em 10 dias após a detenção.

O Tribunal Constitucional, já em 2005 (há 18 anos, portanto), teve uma declaração de voto vencido da Conselheira Maria Fernanda Palma, que aqui se transcreve, onde se pode ler o seguinte, com total pertinência para os presentes autos de Habeas Corpus: “Votei vencida o presente Acórdão por duas razões fundamentais: A primeira razão é o facto de a interpretação do artigo 28º, nº 1, da Constituição, não me permitir concluir com segurança, como faz o Acórdão, que o prazo máximo de detenção sem decisão judicial possa exceder 48 horas, correspondendo tão‑só a um prazo máximo de restrição não validada judicialmente do direito à liberdade.

Tal interpretação é, na realidade, algo criativa, em face dos elementos literal, histórico, sistemático e até teleológico da Constituição. Com efeito, antes da 4ª Revisão Constitucional, o artigo 28º referia‑se, expressamente, a um prazo máximo de 48 horas para decisão judicial de validação ou manutenção da detenção da “prisão sem culpa formada” e o sentido da alteração da letra do preceito, como reconhece a doutrina, foi apenas o de incluir também os casos de detenção já com “culpa formada” para aplicar, igualmente, medidas de coacção (cf. GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Processual Penal, II, 2002, p. 229 e ss. e pp. 234 e 235). Não há qualquer clareza quanto a uma mudança essencial de sentido do preceito no que se refere à inclusão da decisão judicial no prazo das 48 horas.

Por outro lado, considerar‑se que um prazo até à apreciação judicial possa não incluir o momento fundamental da mesma – a decisão – é uma interpretação complacente e em caso algum “in dubio pro libertate”. A descrição no texto constitucional da acção de apreciação não terá de incluir a sua plena realização? Também a razão substancial de que o prazo de 48 horas seria justificado como limitação a uma detenção meramente administrativa (policial) não tem muita plausibilidade, porque a detenção não pode deixar de manter a sua natureza jurídica até à respectiva validação judicial.

Finalmente, a argumentação que queira basear‑se em hipotéticos argumentos sistemáticos em torno do artigo 31º da Constituição , nomeadamente por se pretender a partir daquele preceito concluir que a Constituição não visou estabelecer um prazo de decisão judicial, é desviada do sentido fundamental do artigo 28º, nº 1, da Constituição. Neste preceito, estabeleceu‑se, muito claramente, um prazo máximo para uma privação da liberdade não validada judicialmente – essa é a sua ratio. Não é, na verdade, o tema do prazo necessário e razoável para a polícia e...

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